A vida não é só flores

Dono da Giuliana Flores começou a trabalhar aos 10 e trocou uma Variant 72 por uma Kombi 86 para abrir 1ª loja

Beth Matias Colaboração para o UOL, em São Paulo
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Clóvis Souza, CEO da Giuliana Flores, conta, em entrevista exclusiva na série UOL Líderes, como transformou, em um pouco mais de 30 anos, uma pequena loja em São Caetano do Sul (Grande São Paulo) em um dos maiores e-commerces de flores do país.

Ele começou a trabalhar aos 10 anos em uma pequena floricultura, varrendo o chão, molhando flores e raspando os espinhos das rosas. Os país perderam a casa numa enchente. Depois, para abrir um negócio no ramo de flores, trocou uma Variant ano 1972 por uma Kombi 1986 e abriu a primeira loja em 1990.

Em 2020, a companhia registrou mais de 800 mil pedidos. O executivo fala também da mudança no perfil do consumo de flores, as dificuldades em logística e os investimentos na criação de uma marketplace diferenciado.

Ouça a íntegra da entrevista com Clóvis Souza, CEO da Giuliana Flores, no podcast UOL Líderes. Também pode assistir à entrevista em vídeo no canal do UOL no YouTube. Continue nesta página para ler os destaques da conversa.

Dias difíceis

UOL - Como as flores surgiram em sua vida?

Clóvis Souza - Eu tinha 10 anos, morava em cima de uma floricultura, que precisava de florista. Eu estudava de manhã e à tarde brincava na calçada. Minha mãe, que não queria me ver na rua, conseguiu o emprego para mim. Na floricultura, eu varria, molhava as flores e raspava os espinhos das rosas.

Quando abriu o primeiro negócio?

Trabalhei lá até os 17 anos. Saí um profissional na área de arranjos florais e comecei a fazer freelancers para outras floriculturas. Aos 19 anos, tinha uma Variant 72 de três cores -verde abacate, vermelho e cinza. Ganhava mais do que minha mãe e meu padrasto juntos.

Vi uma oportunidade quando um amigo foi alugar uma casa, mas precisava de um fiador. Não consegui ninguém e desanimei. A mãe da minha namorada à época se prontificou em ser minha sócia e fiadora. Vendi a Variant 72, comprei uma Kombi 86 e abrimos o negócio com o nome da filha dela, Giuliana.

Li que o senhor também morou nos fundos de uma igreja. É verdade?

Com 16 anos, eu morava em um bairro de São Caetano [no ABCD paulista] que alagava. Fui trabalhar e, quando voltei, a enchente tinha tomado tudo. Perdemos todas as coisas, inclusive a casa. Minha mãe trabalhava em uma escola e a diretora fez um abrigo para a minha família. Dormi dois dias na escolinha.

Depois disso fui morar nos fundos da igreja até conseguir dar uma casa para a minha mãe. Anos depois, voltei e reformei toda a igreja, devolvendo tudo o que eu tinha recebido.

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Uma das primeiras floriculturas da Giuliana Flores

Há 20 anos, internet era o futuro

UOL - A Giuliana Flores foi uma das pioneiras no e-commerce em 2000. O que as pessoas falavam sobre isso?

Clóvis Souza - As pessoas achavam que éramos loucos. Parecíamos arrojados, mas não. Antes da internet, eu tinha um catálogo físico. Em 2000, comecei o catálogo virtual. Eu e meu irmão percebemos que poderíamos apresentar mais produtos dentro desse catálogo, sem gastar dinheiro com gráfica e distribuição. Doce ilusão?

Faltava o principal: a divulgação. Voltei para os catálogos impressos, mas coloquei um aviso: "visite em nosso site nosso catálogo virtual". Em um mês, fiz duas vendas; no outro, eu fiz seis vendas, um aumento de quase 200%. Percebi que era um negócio do futuro. As pessoas estavam procurando a gente por esse catálogo e decidi apostar nisso.

Começamos então a fazer parcerias porque não tínhamos dinheiro. O Bradesco foi o primeiro a acreditar. Foi uma explosão de vendas, pois era Dia das Mães. Na época, tinha uma loja de 32 metros quadrados. Se algum representante do Bradesco tivesse vindo à loja jamais teriam fechado a parceria, era uma lojinha.

E o que aconteceu com a lojinha de 32 metros quadrados?

Essa lojinha hoje tem 600 metros. Do lado virtual, temos 5.800 metros quadrados de centro de distribuição, com oito câmaras frias e mais de 200 funcionários. Hoje fazemos mais de 50 mil pedidos por mês.

A Giuliana Flores é assim

  • Fundação

    1990

  • Outras empresas do grupo

    Cestas Michelli e Nova Flor

  • Funcionários

    Mais de 200

  • Clientes

    900 mil (Giuliana Flores)

  • Pedidos

    320 mil/ano (2019); 800 mil/ano (2020)

  • Unidades

    1 loja física; 30 quiosques; 1 centro de distribuição

  • Porcentagem de mercado dominada pela empresa (Brasil)

    70%

  • Principais concorrentes

    Flores Online, Verbana Flores, Isabela Flores, Uniflores, Flores VIP

Mercado de flores está engatinhando no Brasil

UOL - O que mudou no mercado de flores desde a abertura da primeira floricultura?

Clóvis Souza - O país está engatinhando no mundo das flores, na venda pela internet. Argentina vende mais flores que o Brasil. Dar e receber flores é uma questão cultural.

Mas a mudança está na facilidade para comprar e receber flores, melhorou o profissionalismo do setor. As pessoas se sentem mais seguras em poder comprar e receber. Em meio a pandemia, percebemos uma necessidade maior de comprar flores.

O perfil do consumidor também mudou?

Com certeza. Hoje tenho clientes de 19 ou 20 anos. Antigamente, o perfil de compra era de 35, 40 ou 50 anos. Hoje os adolescentes estão vindo com a mãe para comprar flores à namorada. Pela internet, há muitos jovens de 20 anos. As flores preferidas dos brasileiros são rosa vermelha, orquídea e girassol. Na época de Tulipas, elas também saem bem.

Como está se comportando o mercado masculino?

Um mercado enorme. Os homens também gostam de flor. Têm pessoas apaixonadas por orquídeas, por lírios, cravos, rosas brancas, flores mais neutras. Não me lembro de um homem receber flores vermelhas, por exemplo.

Receber flor é diferente porque, muitas vezes, não é esperado. Eu sou dono de floricultura. Uma vez recebi flor de uma amiga e achei muito interessante. A mulher que quiser surpreender um homem dê flores porque é um presente inovador.

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Receber flor é diferente porque, muitas vezes, não é esperado. A mulher que quiser surpreender um homem dê flores porque é um presente inovador.

Clóvis Souza, CEO da Giuliana Flores

Crescimento "monstro" em 2020

UOL - Durante a pandemia, a Giuliana Flores passou de 320 mil pedidos (2019) para 800 mil (2020). Qual a expectativa para 2021?

O ano que a empresa mais cresceu foi 2020. Bater o monstro que foi o crescimento do ano passado não é fácil, mas continuamos crescendo.

O nosso próximo desafio é um marketplace diferenciado, voltado para presentear. As pessoas não irão ao meu marketplace para comprar sabão em pó ou pneu, mas, com certeza, relógio, perfume, óculos, tudo o que combina com flor. Esse é o caminho da Giuliana Flores para os próximos dois anos.

A que você atribui essa explosão na pandemia?

Apesar de as pessoas estarem confinadas, as datas comemorativas continuavam acontecendo.

Surfou melhor quem tinha uma estrutura para atender. A Giuliana Flores tem um centro de distribuição preparado para atender qualquer data. Quando decretaram lockdown, no dia seguinte eu estava vendendo o dobro.

Como vocês fazem para evitar os problemas de logística e pós-venda?

O cliente não quer ouvir que a transportadora não entregou. Temos 12 transportadoras que entregam para nós. Chegamos em todo o Brasil, no mesmo dia e em três horas. Para isso, tenho uma cadeia de mais de 800 floriculturas plugadas no nosso sistema que recebem pedidos automáticos.

O que dá mais dor de cabeça: as estradas ou os serviços de entrega?

No meu caso é o atraso. Temos que entregar no dia exato. Precisa chegar naquele dia, no horário escolhido. O atraso para mim é um caos.

Flor natural sem imposto

UOL - O senhor considera justa a isenção de ICMS (imposto) para o setor de flores?

Sim, porque a flor natural é um produto extremamente perecível. Há muitas perdas no transporte. Tenho 8.000 tipos de produtos vendidos no site. Se eu vendo no site uma champanhe, um vinho, um relógio, eu pago imposto.

Qual o futuro das floriculturas físicas?

Tenho loja física, adoro minha loja física e acredito nela. A floricultura bem cuidada, que se preocupa com uma luz, com a qualidade da flor, que faz divulgação pela cidade, pelo bairro, essa não vai morrer. Eu pretendo montar muitas lojas físicas. Não acho que o online vai matar essas lojas ou que as pessoas vão deixar de comprar no físico e só comprar no online.

A popularização da flor nos supermercados, em outros espaços, simplificou a compra? Hoje você pode comprar um maço de flores para pôr na sua casa, mas, na hora de comprar um presente para a sua filha, com certeza não vai comprar lá, mas essas vendas criam uma cultura e um hábito de comprar flores.

Que dicas você poderia dar para quem quer empreender no Brasil?

A pessoa tem que trabalhar no mínimo 12 horas por dia, ter respeito pelos clientes. Eu montei uma floricultura para vender flores que cheguem às pessoas de forma impecável, na hora certa, no tempo certo. Esse dinheiro é legal. Se não chegou certo, se chegou murcha, esse dinheiro não vale. Volta e manda outra flor

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