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Empreendedores que conjugam verbos iniciados por R

Rose Mary Lopes

Colunista do UOL

31/10/2014 06h00

Indiscutivelmente, o ritmo de crescimento da população humana e de uso de recursos da natureza estão em descompasso, como demonstram os relatórios da Global Footprint Network (Rede Global de Pegada Ecológica), organização social fundada pelo suíço Mathis Wackernagel e por Susan Burns, em 2003, em Oakland, Califórnia.

A organização se desenvolveu e se tornou uma das mais respeitadas no mundo em pesquisa, dados e discussão sobre os limites ecológicos. Aliás, foi no seu doutorado que Mathis e seu professor William cocriaram tanto o conceito quanto a metodologia para medir a pegada ecológica.

O conceito de pegada ecológica é muito interessante e procura contabilizar os rastros que deixamos no ambiente com o consumo de recursos naturais (e consequente produção de lixo e perdas). Portanto, mede a pressão gerada sobre os recursos em termos de hectares globais que, por sua vez, refere-se à produtividade mundial média anual das terras e águas produtivas.

Isso é apenas um aspecto desse balanço contábil: no outro, têm-se a biocapacidade que procura medir a capacidade que a natureza tem de produzir recursos e de absorver os resíduos e lixo que geramos. E o balanço mostra que, ao ritmo atual, a Terra necessitaria de um ano e meio para produzir os recursos que utilizamos em um só ano.

Nesta “contabilidade” são levados em consideração recursos renováveis como energia, pescado e carnes, produção de grãos e de vegetais, fibras e madeiras etc., bem como área construída (dado que esta área já não contribui para a renovação dos recursos), produção e absorção de CO2 (dióxido de carbono).

O Relatório Planeta Vivo (Living Planet Report) é produzido a cada dois anos conjuntamente com duas outras renomadas instituições – a Sociedade Zoológica de Londres e o WWF (que inicialmente era Fundo Mundial para a Natureza, mas que passou a lutar contra a degradação do ambiente). O último é o que foi divulgado agora em setembro de 2014.

Os dados são mais do que alarmantes. Excedemos em 50% a capacidade da Terra de gerar os recursos que dela retiramos. Nos últimos quarenta anos a população de animais vertebrados selvagens foi reduzida em mais da metade enquanto, desde 1961, as nossas pegadas ecológicas foram multiplicadas por 2,5 vezes.

No nível atual de vida dos americanos precisaríamos de 3,9 Terras para gerar os recursos necessários. E, os maiores responsáveis pelas pegadas ecológicas são a produção de alimentos e a emissão de CO2.

Ora, estamos em meio a uma das maiores crises de falta de água em várias partes do país. Negócios já foram afetados, e muitos mais o serão. Assim, é mais do que hora para pensar na necessidade e nas oportunidades de otimização e de diminuição de recursos na produção de produtos, bens e de serviços.

Mais do que nunca há espaço para empreendedores que queiram conjugar verbos iniciados em R: reciclar, reusar, restaurar, recuperar, reformar, regenerar, reaproveitar. Ou seja, criar e fazer crescer negócios que se dediquem a aproveitar os recursos já utilizados nos produtos consumidos, quer consertando-os, reformando-os, recuperando-os de modo a recolocá-los em condição de uso.

Já existem empreendedores que se dedicam a isso. Mas há necessidade de que muitos mais se dediquem a essa necessidade e que a sociedade também ressignifique o seu modo de consumo, de modo a buscar alternativas de consertar ao invés de descartar, reformar ao invés de jogar no lixo, restaurar ao invés de abandonar, valorizar ao invés de desprezar porque o item já não é novo.

Exemplos: em termos de proporção de consumo, no Brasil, ainda temos muito que caminhar na utilização de aparas para a produção de papel, pois segundo a Bracelpa (Associação Brasileira de Celulose e Papel, recém fundida no Ibá, Indústria Brasileira de Árvores), usamos cerca de 46% , enquanto a Coréia do Sul utiliza 91,6%  e a Alemanha chega a 84,8%.

No setor de construção civil, a produção de resíduos é gigantesca. Dados da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (ABRELPE) indicam que 31 milhões de toneladas /ano  são descartados no Brasil. Há muito que ser feito no sentido de se evitar a geração de resíduos bem como existem muitas oportunidades de coletar e de processar estes resíduos.

Com respeito a equipamentos eletroeletrônicos, no Brasil, a lógica de procurar consertá-los tem sido desestimulada por qualidade incerta e preços crescentes de mão de obra e custos de peças. Mas não estaríamos no momento de repensar e agir sobre isto? Será que com o estímulo federal do Pronatec, de formar mais técnicos esta alternativa de carreira não poderia ser incentivada?

Decerto que o cenário delineado aqui é sério, complexo, multifacetado e desafiador. Mas já passou da hora de mudarmos nossa forma de pensar e de traduzir a preocupação com a preservação de recursos em ações efetivas de todos os interessados e afetados. E, neste cenário, existem muitos espaços para serem ocupados por empreendedores movidos por esta ampla causa de recuperar e reusar os recursos.