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Reinaldo Polito

Como reagir quando sua fala é interrompida com agressividade?

04/09/2018 04h00

Recentemente assistimos às entrevistas promovidas pelo Jornal Nacional da TV Globo. William Bonner e Renata Vasconcellos resolveram fazer o que os políticos não estão muito acostumados a enfrentar em suas entrevistas: confrontar os candidatos, apontando as contradições de seus discursos com a prática de suas atitudes.

E mais. Como a maioria dos políticos escorrega como quiabo, quase sempre desviando o objetivo da pergunta para respostas que lhes convêm, os dois entrevistadores tomaram a iniciativa de interrompê-los todas as vezes em que percebiam o uso dessa estratégia. Pareceram até agressivos, e em alguns casos foram mesmo, mas, se não agissem assim, talvez os candidatos não se ativessem ao foco da questão.

A única exceção foi a entrevista de Marina Silva. Talvez por ser mulher, e como outros entrevistadores, especialmente no programa Roda Viva, da TV Cultura, foram criticados por interromper Manuela D’Ávilla (por ser mulher) muitas vezes, deixaram que Marina falasse um pouco mais. E falar mais é com ela mesmo.

Alguns eleitores se mostraram incomodados com essa atitude dos entrevistadores. Lógico que o incômodo foi quando ocorreu com seu candidato, pois acharam uma maravilha nas vezes em que o fato se dava com os adversários. Vejamos quais as questões de comunicação envolvidas nessas entrevistas.

Afinal, como deve uma pessoa se comportar em situações semelhantes, quando são interpeladas até de maneira hostil? Rebater e partir para o confronto, como fez Bolsonaro? Fazer o papel de vítima, aproveitando o fato de ser mulher, como fez Marina Silva? Ou contemporizar, demonstrando tranquilidade, como se não estivesse sendo atacado, como no caso de Ciro Gomes e Geraldo Alckmin?

Se analisarmos bem, o único que mudou um pouco suas características foi Ciro Gomes. Sempre criticado por ter pavio curto e explodir quando contrariado, talvez querendo mostrar uma imagem leve, descontraída e equilibrada aguentou bem os ataques que recebeu, respondendo a todas as questões de maneira bastante serena.

Bolsonaro, Alckmin e Marina vestiram o figurino com o qual estão acostumados a desfilar. Se observarmos as outras entrevistas das quais participaram, o comportamento dos três foi mais ou menos semelhante. Marina fala o tempo todo e não dá chance para os jornalistas perguntarem. Alckmin tem todas as respostas prontas, argumentando com números e dados. E Bolsonaro com o mesmo comportamento contundente e até agressivo.

A resposta à questão sobre como devemos nos comportar nessas situações vai depender da característica do orador, da composição predominante da plateia, do contexto e dos objetivos da apresentação. Cada circunstância poderá exigir um comportamento próprio do orador, tendo em vista que para ter credibilidade ele deverá ser fiel à sua maneira de ser. Se agir de forma diversa, poderá parecer artificial e não verdadeiro. Coerência é essencial!

Na maior parte das vezes, o orador não deve reagir emocionalmente quando for atacado. No momento em que é agredido ele faz o papel de vítima, enquanto que quem o agrediu é visto como algoz. Dessa forma, quem é atacado consegue geralmente a solidariedade dos ouvintes.

Se reagir emocionalmente, respondendo de forma agressiva, o orador pode passar a ser visto como o algoz, enquanto que o que era avaliado como agressor passa a ser considerado agora como vítima, e ter ao seu lado a solidariedade da plateia.

Por isso, quanto mais calma e tranquilidade demonstrar, mais será bem-visto pelo público. A não ser, evidentemente, que ataquem sua moral. Se alguém disser, o senhor é um mentiroso e ladrão, não poderia simplesmente dizer: “não, não é bem assim, temos de considerar que...”. Nessas situações a reação deveria ser no estilo Jânio Quadros: O senhor prove o que está dizendo porque vou processá-lo por calúnia, injúria e difamação.

Há ocasiões, entretanto, em que, independentemente da característica do orador, se ele for experiente, traquejado, competente e muito seguro, poderá aproveitar sua autoridade para combater os ouvintes ou interlocutores. Foi mais ou menos o que ocorreu com Roberto Jefferson ao atacar José Dirceu na época em que denunciou a existência do mensalão:

“Muitas pessoas temem esse enfrentamento com V. Exa. Eu não. Eu não. Pelo contrário ministro, ou deputado, ele gera em mim uma grande satisfação.

Tenho medo de V. Exa. Confesso aqui de público. Tenho medo de V. Exa. porque V.Exa. provoca em mim os instintos mais primitivos. E tenho medo, tenho medo das provocações que faz V.Exa.”.

Foi também com essa atitude que o padre Vieira iniciou o Sermão da Sexagésima, criticando sem dó os padres, quando ensinava a eles a arte de pregar:

“Dizei-me, pregadores (aqueles com que eu falo indignos verdadeiramente de tão sagrado nome), dizei-me: esses assuntos inúteis que tantas vezes levantais, essas empresas ao vosso parecer agudas que prosseguis, achaste-las alguma vez nos Profetas do Testamento Velho, ou nos Apóstolos e Evangelistas do Testamento Novo, ou no autor de ambos os Testamentos, Cristo? É certo que não, porque desde a primeira palavra do Gênesis até a última do Apocalipse, não há tal coisa em todas as escrituras”.

Poucos são aqueles revestidos de tal autoridade que conseguem falar com essa assertividade. Especialmente tendo sido essas palavras proferidas já na introdução da fala, momento que deve ser dedicado à conquista dos ouvintes, para se tornem benévolos, atentos e dóceis com o orador.

Afora esses casos excepcionais, o comportamento do orador deve ser prudente para arrefecer a resistência dos ouvintes, despoliciá-los de suas guardas e prepará-los de forma adequada para a mensagem que poderia ir contra o pensamento deles. Precisa o orador, nos primeiros contatos com os ouvintes, construir essa espécie de campo de neutralidade para que aumente suas chances de persuadi-los ou convencê-los.

Viveram, pois, os candidatos entrevistados uma situação difícil diante dos entrevistadores. Além de terem de tentar explicar as contradições de seus discursos e atitudes, precisaram adotar um comportamento que encantasse os eleitores, sem prejudicar sua participação na entrevista.

Alguns criticaram os entrevistadores e os candidatos. Afirmaram que os entrevistadores não souberam perguntar e que os candidatos não apresentaram propostas consistentes. Outros elogiaram. Sentiram que foi uma oportunidade para fazer um contraponto a tudo o que os políticos têm abordado, quando estão livres para dizer o que desejam. Cabe a cada um de nós chegar a uma conclusão.

Outras entrevistas virão. Ontem teve início com Ciro Gomes a série de sabatinas promovida pelo UOL, Folha e SBT. Os outros candidatos de partidos com representatividade de pelo menos cinco parlamentares também serão sabatinados. Vamos acompanhar para saber se o comportamento de cada um deles será preservado em circunstâncias diferentes.

Superdicas da semana:

  • Não reaja emocionalmente quando for atacado por um ouvinte
  • Não contemporize, entretanto, se mexerem com a sua moral
  • Relacione todos os pontos comuns que tenha com os ouvintes para usar logo no início
  • Mencione esses pontos comuns para que os ouvintes tenham a impressão de que a forma de pensar talvez seja a mesma. Dessa forma, vão se desarmar

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante; “Vença o medo de falar em público”, “Oratória para advogados”, "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas", “Superdicas para falar bem” e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva; e “Oratória para líderes religiosos”, publicado pela Editora Planeta.

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