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Reinaldo Polito

O que Dunga e Tite têm a ver com a nossa carreira?

Montagem
Imagem: Montagem

27/06/2016 13h11

Sai Dunga. Entra Tite. Depois de tanta insistência por parcela dos torcedores e da imprensa, era só questão de tempo para que essa substituição ocorresse. O curioso dessa história são as coincidências na vida desses treinadores, que à primeira vista são tão diferentes. Vejamos que pontos comuns os dois trazem em seu percurso de vida, para depois destacarmos os contrastes e as diferenças entre eles.

Nunca vi um jogador que tenha pertencido a uma equipe dirigida por Dunga ou por Tite criticar sua liderança

Os dois são gaúchos. Tite é natural de Caxias do Sul. Dunga de Ijuí. Nasceram mais ou menos na mesma época. Tite nasceu em 1961. Dunga em 1963. Começaram como jogadores, atuando como volantes, e depois se tornaram técnicos. São líderes extraordinários. Nunca vi um jogador que tenha pertencido a uma equipe dirigida por Dunga ou por Tite criticar sua liderança.

Tenho depoimentos pessoais de dois ex-alunos do meu curso de oratória. Jorge Kalil, vice-presidente do Corinthians, que acompanhava o treinador em praticamente todos os jogos, me disse que Tite foi um dos maiores líderes que conheceu. Mauro Silva, tetracampeão mundial de futebol com o Brasil, comentou que a liderança de Dunga é impressionante. Os dois conviveram com esses treinadores no dia a dia.

Tanto Dunga como Tite desceram ao inferno após sofrerem derrotas, deram a volta por cima e retornaram ao paraíso. Dunga quando em 1990 perdeu a copa. Sua imagem ficou tão identificada com aquela derrota que a perda do campeonato passou a ser denominada de “Era Dunga”. Em 1994, apenas quatro anos depois, sacudiu a poeira, levantou a cabeça e foi o capitão da seleção tetracampeã.

Tite também conheceu as labaredas do demônio. Em 2011, sofreu derrota vexatória para o modestíssimo Tolima da Colômbia na pré-Libertadores. Essa derrota poderia ter manchado sua trajetória como treinador. Entretanto, apenas um ano depois, em 2012, pelo mesmo time mosqueteiro foi campeão da Libertadores e do mundial de clubes, derrotando o poderoso Chelsea na decisão realizada no Japão.

Se os dois técnicos possuem histórias tão parecidas, por que se encontram em situações tão diferentes no momento?

Se os dois técnicos possuem histórias tão parecidas, por que se encontram em situações tão diferentes no momento? Dunga sendo desligado da seleção debaixo de muitas críticas, e Tite ocupando sua posição, recebendo elogios de praticamente todos os lados. A diferença está especialmente na maneira como os dois treinadores se comunicam.

Na primeira passagem como técnico da seleção, Dunga arrumou muita confusão e desavenças. Discutiu com jornalistas. Fechou a concentração e impediu que a imprensa cobrisse livremente as atividades do selecionado. Por isso, quando dava entrevistas, quase sempre tinha de responder a perguntas agressivas e irônicas. Esquentado, dava respostas inadequadas. Uma espécie de bateu, levou.

Dunga responde aos jornalistas com a mesma agressividade das perguntas. Com esse comportamento, passou imagem antipática

A cada pergunta agressiva, Dunga respondia à altura, com a mesma agressividade. Com esse comportamento, passava imagem antipática. Só os resultados positivos poderiam mantê-lo no cargo. Depois de campanha vitoriosa, o time escorregou no jogo contra a Holanda e foi eliminado. Resultado negativo suficiente para que fosse demitido imediatamente.

Para surpresa de quase todos da imprensa e dos torcedores, depois da vergonhosa derrota do Brasil para a Alemanha por 7 X1, com a queda de Felipão como técnico, Dunga é convidado a retornar ao comando do time. Com resultados ruins nas eliminatórias e desclassificação diante do Peru na Copa América Centenário, mais uma vez foi demitido.

Nessa segunda vez em que dirigiu a seleção, tentou ser mais comunicativo e simpático com a imprensa. Pouco adiantou. Não haviam esquecido do seu comportamento na vez anterior.

Qualquer explicação que desse, certa ou errada, ele era criticado. Queriam porque queriam sua cabeça de qualquer maneira. O Brasil perdeu para o Peru com erros grosseiros do juiz. Validou um gol de mão e não marcou dois pênaltis claros. Mesmo assim não adiantaram as explicações. Dunga estava fora.

 

Sei que vou mexer num vespeiro e provocar reações até iradas. Embora eu seja um ponto fora da curva num momento em que Dunga recebe bordoada de todos os lados, ressalto que gosto muito do seu trabalho e da maneira como leva sua vida com retidão e coerência. Torço para que ele mais uma vez dê a volta por cima. Quem sabe até dirigindo a seleção de outro país, já que possui grande experiência internacional.

Dunga tem semblante pesado e retraído. Parece estar sempre bravo. Quando recebe perguntas contundentes, não responde com informações positivas para desviar o foco da agressividade

Como Dunga se comunica? Ele tem semblante pesado e retraído. Parece estar sempre bravo. Sua voz é gutural e arrastada. O vocabulário limitado impede que a comunicação seja fluente e articulada. Quando recebe perguntas contundentes, em vez de dar respostas com informações positivas para desviar o foco da agressividade, não consegue fugir das armadilhas e responde tudo ao pé da letra.

Fica fácil para qualquer jornalista criticar suas ações. Associam sua maneira de falar com seu desempenho como técnico e colocam tudo no mesmo balaio. A cada entrevista sua imagem saía ainda mais chamuscada. Mesmo tentando ser simpático e equilibrado, sua fisionomia o traía, mostrando exatamente o que estava sentindo.

Tite dificilmente se irrita. Quando lhe convém, não responde diretamente às perguntas e leva a conversa ao rumo que lhe interessa. Usa pausas, valoriza informações, mostra conhecimento e permite que os ouvintes reflitam

Como Tite se comunica? Diferentemente de Dunga, ele sabe como tratar com a imprensa. Dificilmente se irrita. Quando lhe convém, não responde diretamente às perguntas. Usa explicações táticas do jogo para levar a conversa ao rumo que lhe interessa. Usa com perfeição as pausas. Com esse recurso consegue valorizar as informações relevantes, permite que os ouvintes reflitam sobre o que disse e demonstra domínio sobre os assuntos que aborda.

Quando o tema é muito importante, altera o volume da voz e fala com energia e emoção para mostrar seu envolvimento com a matéria. Desenvolveu a capacidade de falar quase sempre com voz sussurrante, como se fosse um bom ator de novela. Essa atitude toca com mais facilidade seus interlocutores. Se ouve ou diz algo significativo, sempre sorri com simpatia.

No dia em que foi apresentado como técnico da seleção, teve de responder a uma pergunta desagradável. Como ele explicava o fato de ter sido um dos signatários do documento que pedia a saída do presidente Marco Polo Del Nero da CBF, e depois ter aceitado o convite dele para dirigir a seleção? Era quase um dilema.

Não poderia dizer que não havia assinado o documento. Também não poderia afirmar que não estava sendo incoerente ao aceitar o convite. Foi genial na resposta. Deixou o questionamento do documento assinado de lado e explicou suas intenções como técnico. Agir para que houvesse transparência, democratização e excelência. Disse que assumindo a seleção seria a melhor maneira para lutar por aquilo que acredita.

Dá para imaginar se fosse o Dunga respondendo a essa mesma questão. Se a sua resposta fosse idêntica, continuariam insistindo no fato de que havia sido incoerente. Com Tite a questão morreu aí. Ninguém mais tocou no assunto. Os jornalistas pareciam estar aliviados por ele ter encontrado uma resposta.

Cumpriram sua obrigação de perguntar o que deveria ser perguntado. E estavam satisfeitos com a explicação que receberam. Independentemente de a questão ter sido ou não respondida como deveria. A boa reputação de Tite, cultivada por anos de excelente relacionamento com a imprensa, o deixava blindado nesse momento.

O que Tite e Dunga têm a ver com com nossa profissão? Tudo. A forma como nos relacionamos constrói a nossa reputação. Cuidado com a forma com que falamos e agimos: um dia seremos cobrados por isso

O que essa história do Tite e do Dunga tem a ver com a nossa vida, com a nossa carreira, com a nossa profissão? Tudo. A forma como nos comportamos e nos relacionamos com as pessoas, seja com subordinados, pares, superiores hierárquicos, clientes, fornecedores ou concorrentes, constrói a nossa reputação. Ao nos dirigirmos às pessoas, não somos avaliados apenas pelo que falamos.

Ao longo da vida, no desenvolvimento da nossa carreira, a maneira de nos comunicarmos é fundamental para que mais tarde possamos ou não ser aceitos, respeitados e valorizados. Tite e Dunga nos deixam, portanto, uma grande lição: cuidado com o que falamos e a forma como agimos com as pessoas. Um dia seremos cobrados por isso.

Superdicas da semana

  • Saiba se relacionar bem. Você será avaliado por isso
  • Não somos avaliados apenas no momento em que falamos
  • Assim que chegamos na frente do público, antes de falar, já fomos avaliados
  • Se nos relacionarmos bem, pequenas faltas que cometemos poderão ser relevadas

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante, e "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas", "As Melhores Decisões não Seguem a Maioria" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva.

Para outras dicas de comunicação, entre no meu site (link encurtado: http://zip.net/bcrS07)
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