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Reinaldo Polito

Conhece o brasileiro que fez um discurso ainda mais longo que o de Fidel?

Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

27/12/2016 06h00Atualizada em 27/12/2016 12h05

Nos últimos tempos, com a morte de Fidel Castro, muito se tem falado sobre a duração de seus discursos, que bateram sucessivos recordes de duração. Em 1956, falou durante cinco horas. Em 1959, falou durante sete horas. E em 1998, conseguiu ultrapassar sua própria marca, falando durante sete horas e quinze minutos.

Aparentemente, a duração de seus discursos parece imbatível. E não é que um brasileiro importante na nossa história foi além dessa duração de Fidel proferindo um discurso por longas oito horas! Essa proeza é creditada a José Maria Paranhos, Visconde do Rio Branco, em 1865, após ser demitido por ter conquistado acordo de paz no conflito entre Brasil e Uruguai.

A iniciativa de Paranhos era importante para o Brasil. Com o início da guerra com o Uruguai, em 1864, pelo fato de brasileiros proprietários de terras uruguaias terem sido assassinados, o ditador paraguaio Solano López aproveitou a oportunidade, não perdeu tempo e resolveu impor uma liderança regional. Inicialmente, atacou a província do Mato Grosso.

Em seguida, de olho na província brasileira de São Pedro do Rio Grande do Sul, invadiu a Argentina. Quanto antes terminasse a guerra com o Uruguai, mais o Brasil poderia se dedicar e concentrar esforços para combater os paraguaios. Sem contar com as milhares de vidas que seriam (e efetivamente foram) poupadas com o acordo de paz.

Estragou a festa e foi demitido

Essa vitória de Paranhos, entretanto, não foi vista com bons olhos por Joaquim Marques Lisboa, então Barão de Tamandaré, que depois se tornaria o Marquês de Tamandaré. Marques Lisboa comandava as Forças brasileiras e havia cercado Montevidéu. Se conquistasse a capital uruguaia, o governo brasileiro ganharia popularidade e ampliaria seu prestígio. O acordo de paz de Paranhos de certa forma estragou a festa.

O Barão de Tamandaré reclamou da atitude de Paranhos e este, mesmo tendo sido bem-sucedido na sua difícil empreitada, foi demitido. De volta ao Brasil, indignado com a demissão, o Visconde do Rio Branco assomou a tribuna do Senado e fez sua defesa por longas oito horas ininterruptas. Quem testemunhou disse que chegou ao final do seu discurso sem nenhum sinal de cansaço.

Em seu discurso de defesa, ressaltou a importância daquele pacto de paz: "O que quiserem (dizer) sobre o ato diplomático de 20 de fevereiro; vocês não serão capazes de tirar de mim esta grande convicção: o pensamento que naquela solução eu salvei a vida de 2.000 compatriotas, e evitei a destruição de uma importante capital".

Machado de Assis cobriu o discurso

Esse discurso ficou imortalizado nas palavras de Machado de Assis. O fundador da Academia Brasileira de Letras foi um admirador da oratória de Paranhos. Nessa época, como jornalista, Machado fazia a cobertura das sessões parlamentares:

"Galerias e tribunas estavam cheias de gente; ao salão do Senado foram admitidos muitos homens políticos ou simplesmente curiosos. Era uma hora da tarde quando o presidente deu a palavra ao senador por Mato Grosso; começava a discussão do voto de graças. Paranhos costumava falar com moderação e pausa; firmava os dedos, erguia-os para o gesto lento e sóbrio, ou então para chamar os punhos da camisa, e a voz ia saindo meditada e colorida."

"Naquele dia, porém, a ânsia de produzir a defesa era tal, que as primeiras palavras foram antes bradadas do que ditas: 'Não a vaidade, sr. presidente...' Daí a um instante, a voz tornava ao diapasão habitual, e o discurso continuou como nos outros dias. Eram nove horas da noite, quando ele acabou, estava como no princípio, nenhum sinal de fadiga nele nem no auditório, que o aplaudiu."

"Foi uma das mais fundas impressões que me deixou a eloquência parlamentar. A agitação passara com os sucessos, a defesa estava feita. Anos depois do ataque, esta mesma cidade aclamava o autor da lei de 28 de setembro de 1871, como uma glória nacional; e ainda depois, quando ele tornou da Europa, foi recebê-lo e conduzi-lo até a casa."

"Ao clarão de um belo sol, rubro de comoção, levado pelo entusiasmo público, Paranhos seguia as mesmas ruas que, anos antes, voltando do Sul, pisara sozinho e condenado."

Dedo em riste, para 'levantar' a palavra

Há uma curiosidade contada por Josué Montello, no seu livro "Anedotário Geral da Academia Brasileira", sobre a comunicação de José Maria Paranhos. O futuro Visconde do Rio Branco possuía na tribuna um cacoete: erguia o braço, dedo indicador em riste, nos momentos em que parecia mais arrebatado. E diz que o próprio deu esta explicação ao seu gesto: "Quando a ideia não vale por si para ir bastante alto, trato de suspendê-la na ponta do dedo".

Essa é a história de um dos mais longos discursos de que se tem notícia. Além dos seus sucessos como grande negociador nas questões em terras estrangeiras, o Visconde do Rio Branco teve também o grande mérito de nos legar seu filho, José Maria Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco, que se tornou patrono da diplomacia brasileira.

Quem julgava que Fidel houvera sido o orador que mais tempo permaneceu em uma tribuna proferindo um discurso agora sabe que esse mérito é de um brasileiro –oito horas para nós e sete horas e quinze minutos para os cubanos. Uma goleada.

Superdicas da semana

- Um bom discurso deve ser bom e curto

- Se não for bom, que pelo menos seja curto

- Se for muito bom, como o de Paranhos, pode ser longo

- Você será objetivo se disser tudo o que precisa no menor tempo possível

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema:

"29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante, e "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas", "As Melhores Decisões não Seguem a Maioria" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva. Leia também “Com a palavra, o Visconde do Rio Branco – a política exterior no parlamento imperial”, de Alvaro Costa Franco, publicado pela CHDD/FUNAG.

Para outras dicas de comunicação, entre no meu site (link encurtado: http://zip.net/bcrS07)
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Correção: A versão original deste texto chamava incorretamente Joaquim Marques Lisboa de Barão de Itararé. Na verdade, ele foi Barão de Tamandaré, que depois se tornaria o Marquês de Tamandaré. A informação foi corrigida.