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Reinaldo Polito

Temer usa recurso de linguagem ao dizer que não atacaria Janot. Mas atacou

Walterson Rosa/FramePhoto
Imagem: Walterson Rosa/FramePhoto

28/06/2017 13h07

Praticamente todos os autores de livros dedicados à arte de falar em público, desde os primórdios, tratam de uma figura de pensamento: a preterição. Assim foi com Francisco Freire de Carvalho, em 1834, com sua “Lições elementares de eloquência nacional” e os que o seguiram, como Miguel Lopes Gama, Manoel da Costa Honorato, J. C. Fernandes Pinheiros, entre outros.

Afinal, o que é essa figura de pensamento? O conceito adotado por Freire de Carvalho e copiado pelos outros autores é o seguinte: “A preterição é quando o orador, prevenindo que não quer falar sobre certa coisa, sem embargo disso a vai dizendo”.

Por exemplo, o orador diz: “Não quero falar sobre sua desonestidade, sua falta de caráter, sua torpeza, pois agora não é o momento para essas considerações”. Lógico que, ao dizer que não iria falar sobre o assunto, já o revelou. Esse recurso pode ser usado tanto por quem acusa quanto por quem defende.

O presidente Michel Temer usou a preterição para as duas finalidades: para se defender das denúncias que recebeu do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao mesmo tempo em que o atacava. De todos os recursos utilizados por Temer em seu pronunciamento na tarde dessa terça-feira (27) este foi o mais contundente.

Independente da opinião que cada um possa ter de que ele seja ou não culpado, foi o meio que o presidente encontrou para tentar sair das cordas e procurar um pouco de ar para se livrar do momento de asfixia. Essa é uma briga de gente grande, na qual cada lance é avaliado com extremo cuidado.

Temer disse que Janot o havia acusado sem provas e lançado mão de uma ilação. Aproveitou o momento para fazer uso da preterição e partir para o ataque ao procurador-geral. Disse Temer:

(...) permitiria construir-se a seguinte hipótese: o assessor muito próximo ao procurador-geral da República, e dou o seu nome. E dou o nome por uma única razão, porque o meu nome foi usado deslavadamente inúmeras vezes na denúncia.

Havia até, digamos assim, um desejo de ressaltar quase em letras garrafais o meu nome. Por isso eu dou o nome desse procurador da República de nome Marcelo Miller. Homem da mais estrita confiança do senhor procurador-geral.

(...) este senhor, que eu acabei de mencionar, e lamento ter de fazê-lo, deixa um emprego, que como disse, é um sonho de milhares de jovens acadêmicos, advogados, abandona o Ministério Público para trabalhar em empresa que faz delação premiada ao procurador-geral.

(...) O cidadão saiu e já foi trabalhar, depois de procurar a empresa para oferecer serviços, foi trabalhar para esta empresa e ganhou, na verdade, milhões em poucos meses. O que talvez levaria décadas para poupar.

Garantiu ao seu novo patrão, o novo patrão não é mais o procurador-geral, é a empresa que o contratou, um acordo benevolente, uma delação que tira o seu patrão das garras da Justiça, que gera, meus senhores e minhas senhoras, uma impunidade nunca antes vista.

Basta verificar o que aconteceu ao longo desses dois, três últimos anos para saber que ninguém saiu com tanta impunidade. E tudo, meus amigos, ratificado. Tudo assegurado pelo procurador-geral.

Pelas novas leis penais, que eu estou dizendo da chamada ilação, ora criada nesta denúncia, que não existe no Código Penal, poderíamos concluir nessa hipótese que estou mencionando, que talvez os milhões de honorários recebidos não fossem unicamente para o assessor de confiança, que, na verdade, deixou a Procuradoria para trabalhar nessa matéria.

Mas eu tenho responsabilidade. Eu não farei ilações. Não farei ilações. Eu tenho a mais absoluta convicção de que não posso denunciar sem provas. Não posso fazer, portanto, ilações. Não posso ser irresponsável.

Aí está. Mesmo dizendo que não iria denunciar sem provas, que não seria irresponsável, na verdade fez a acusação. Como vimos não é um recurso novo, pois há séculos é mencionado pelos mais importantes autores e utilizado pelos mais habilidosos oradores.

Por que é tão importante acompanhar esse embate entre Temer e Janot? Pelo simples motivo que, se um dos dois cometer qualquer deslize ou equívoco em sua argumentação e deixar a porta aberta para uma contradição, a causa que defendem poderá degringolar. Por isso, cada afirmação é meticulosamente avaliada para que o objetivo seja atingido. Um campo fértil para o estudo da oratória.

Apesar de todas essas filigranas retóricas, o que todos nós desejamos mesmo é que a verdade prevaleça e que o país possa finalmente encontrar o caminho do crescimento e do bem-estar dos brasileiros.

Superdicas da semana

  • Estude as figuras de linguagem, também chamadas de figuras retóricas.
  • Observe como os grandes oradores se valem das figuras de linguagem.
  • Quanto mais sutil for a preterição, mais eficiente será.
  • Ao elaborar um discurso, analise se as figuras de linguagem estão bem aplicadas.

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante. "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas", "As Melhores Decisões não Seguem a Maioria" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva. “Oratória para líderes religiosos”, publicado pela Editora Planeta.

Para outras dicas de comunicação, entre no meu site.
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