Qualquer vivência turbina carreira, mesmo que seja do tempo da Angela Maria

Morreu Angela Maria. Aos 89 anos, nos deixou nesse sábado (29) a Rainha do Rádio. Uma das maiores cantoras da história do Brasil. Ela serviu de inspiração para outras cantoras que brilharam nos palcos brasileiros, incluindo aí uma das vozes mais admiradas, Elis Regina. A história dessa artista maravilhosa me acompanhou desde muito cedo. Fez parte da minha vida.
Certa vez, conversando com o Max Gehringer, descobrimos que havíamos tido a mesma experiência na época de juventude: atuamos como locutores nos serviços de alto-falante lá no interior do estado de São Paulo, eu em Araraquara, e ele em Jundiaí. Chegamos à conclusão de que não há atividade inútil, pois tudo o que fazemos na vida, por mais improvável que seja sua aplicação, um dia ou outro acaba nos ajudando de alguma maneira.
Assim como ocorreu conosco, talvez suas atividades possam em algum instante ter utilidade. O Max hoje atuando como palestrante e brilhando no rádio e na televisão e eu como professor de oratória e também atuando como palestrante usamos tudo o que aprendemos ainda tão jovens com aquelas apresentações.
Especialmente no momento em que vivemos, no qual muitas profissões irão desaparecer, ou, pelo menos, mudar suas características, tudo o que fazemos ou venhamos a fazer poderá nos auxiliar em novos desafios profissionais. Uma competência desenvolvida até sem nenhuma intenção específica poderá ser um importante diferencial na carreira.
“Este é o serviço de alto-falante que abrilhanta as festividades da quermesse da igreja Nossa Senhora das Graças. Aqui você ouve as mais belas canções de ontem, de hoje e de sempre. Dando início à programação desta noite, vamos ouvir na voz de Angela Maria, “Babalu”, que o rapaz de camisa azul oferece à moça de vestido rosa como prova de admiração e muito interesse”.
Era assim que iniciávamos os trabalhos no serviço de alto-falante em Araraquara até meados dos anos 1960. Tudo muito simples, primário, ingênuo, bem de acordo com a vida tranquila e sem sofisticação que se levava no interior. A comunicação perfeita para a época certa.
Mas não se iluda pensando que só tocávamos “Babalu”. Não, entre um “Babalu” e outro, giravam, com todos os chiados que tinham direito, “Quero beijar-te as mãos”, com Anísio Silva, e “Carinhoso”, com Orlando Silva, e… dá-lhe “Babalu”.
O “footing” começava por volta das 19h e terminava no máximo às 22h30. Os rapazes enfileiravam-se dos dois lados da calçada, enquanto as moças, como se fosse um cortejo, em duplas ou em trios, de braços dados, passeavam entre eles, fazendo o mesmo trajeto o tempo todo.
Nessa caminhada elas “flertavam” com aqueles que lhes despertavam interesse, e, como não fazia parte do costume a mulher tomar a iniciativa de conversar com os rapazes, ficavam na torcida para que eles as procurassem. Por isso, os mais tímidos usavam o recurso do alto-falante para revelar suas intenções.
Algumas moças que não eram tão bonitas frequentavam o “footing” todos os finais de semana e voltavam sozinhas para casa. Jovem ainda, eu tentava ser solidário e de vez em quando inventava que alguém que não existia lhes oferecia uma música.
Falar em “footing”, serviço de alto-falante e quermesse nos dias de hoje soa como se fossem informações de outro século –e na verdade são. A maioria dos leitores, e muito provavelmente você, ainda não havia nascido. Se observarmos bem, entretanto, vamos verificar que o que era feito na época das quermesses interioranas ocorre hoje com uma roupagem diferente.
As músicas que os rapazes ofereciam às moças identificando-se apenas pela cor da roupa nada mais são que os “modernos” e “revolucionários” torpedos enviados pelos telefones celulares, com ou sem imagem. Os “footings” que as moças faziam todas as semanas, na esperança de encontrar alguém com quem pudessem namorar, nada mais são que os passeios descontraídos que as meninas e meninos fazem pelos corredores dos shoppings, ou barzinhos, com o mesmo objetivo de encontrar o parceiro ou a parceira com quem possam “ficar”, “dar um rolo” ou até namorar (essa expressão não precisa de aspas).
Algumas coisas voltam a ser exatamente como eram. Quase caí das pernas quando há pouco tempo, num badaladíssimo programa de televisão, vejo nada mais nada menos que Angela Maria interpretando de forma magistral… “Babalu”.
Emocionado, fiquei ali diante da tela, matando a saudade daquele tempo em que as pessoas viviam com tanta simplicidade, movidas por objetivos tão ingênuos para os dias de hoje.
Agora que Angela Maria se foi, sinto que uma marca importante de um tempo também se foi com ela. Sei que os próximos anos da minha vida serão desafiantes e vão exigir de mim novas competências. Independentemente das habilidades que eu tenha de adquirir, tenho certeza de que o fato de ter aprendido a falar diante dos microfones dos serviços de alto-falante quando era ainda um menino me apoiará para que eu possa superar com mais confiança os novos obstáculos.
E se surgir alguma insegurança, não terei dúvida de me lembrar daqueles bons momentos da vida tranquila do interior e ouvir as músicas de Angela Maria. Vou olhar para os lados para me certificar de que estou sozinho e estalar os dedos dizendo – dá-lhe “Babalu”.
Superdicas da semana:
- Tudo o que fizermos na vida um dia poderá ser útil para as nossas atividades
- Estude e aprenda tudo o que puder, mesmo que não tenha ligação direta com suas atividades atuais
- Se alguma matéria lhe proporcionar prazer, dedique-se a ela, mesmo que não seja remunerado
- Fazer o que nos dá prazer pode ser um investimento para nossas atividades profissionais no futuro
Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante; “Vença o medo de falar em público”, “Oratória para advogados”, "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas", “Superdicas para falar bem”, “As melhores decisões não seguem a maioria” e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva; e “Oratória para líderes religiosos”, publicado pela Editora Planeta.
Site – www.polito.com.br
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