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Reinaldo Polito

Clóvis Rossi deixa em cada um de nós uma história para ser lembrada

Eduardo Knapp/Folhapress
Imagem: Eduardo Knapp/Folhapress

14/06/2019 20h53

Quando eu estava para lançar meu livro "Cómo hablar bien em público" na Espanha, publiquei um texto em que Clóvis Rossi teve participação especial. Agora que ele deixa o Brasil de luto com o seu falecimento julguei oportuno reproduzir o artigo, que foi cercado de muitas curiosidades e coincidências. Será?

O título do artigo foi "Rossi e González conspiram a favor de Jung". Nesse texto revelo uma de minhas maiores dúvidas: afinal, será que a sincronicidade de Jung existe ou não? Vamos ao texto:

Clóvis Rossi, Felipe González, José Maria Aznar, Emilio Castelar e Carl Jung. Veja o que todos eles podem acrescentar ao seu discurso.

Confesso minha ignorância. Quanto mais leio sobre sincronicidade nos textos de Jung -ou de outros estudiosos que analisaram sua obra, menos entendo sobre o assunto e mais confuso fico. E quando penso que estou pronto para afirmar que tudo não passa de uma grande besteira, sou obrigado a refletir quando leio a defesa antecipada do próprio Jung:

"A negação só poderia partir de um observador preconceituoso". Mas como admitir que possa haver nessas coincidências uma ligação entre os efeitos psíquicos e físicos? Não posso! Só que quando estou definitivamente convicto dessa posição ocorre um fato curioso, que só ajuda a aumentar ainda mais as minhas dúvidas.

No final do ano passado (2003), assinei contrato com uma das mais importantes editoras da Espanha para que publicassem meu livro "Como falar corretamente e sem inibições" e o distribuíssem também no México, América do sul e numa parte dos Estados Unidos. Tive um trabalhão para eliminar todos os regionalismos procurando tornar a obra mais interessante para o mercado europeu.

No final, depois de todas modificações, praticamente escrevi um novo livro. Tendo publicado 12 livros (atualmente são 31), um novo lançamento já não deveria provocar tantas emoções. A sensação, porém, é igualzinha à do primeiro livro. Talvez, por ser publicado em outra língua, este último livro está sempre rondando meus pensamentos.

Hoje pela manhã acordei pensando nele e com uma curiosidade que ainda não me ocorrera com tanta intensidade. Como será que os espanhóis, que são bons comunicadores, vão receber essa obra que me é tão querida? Quando lerem sobre as técnicas que escrevi para ensinar os brasileiros a falar melhor (agora com a 112ª edição já beira os 700 mil exemplares) de quem se lembrarão? Talvez de Emilio Castelar, que foi, sem dúvida, o maior orador espanhol de todos os tempos. Mas, só se tiverem estudado sobre ele, pois seus discursos foram publicados em meados do século 19.

Que outro orador espanhol se destacou nos últimos tempos? José Maria Aznar não foi. Não que ele fale mal, mas daí a ser considerado um modelo de orador há um precipício. Enquanto brincava com meus pensamentos, abri a Folha de S.Paulo para ler a coluna do Clóvis Rossi, de quem sou fã de carteirinha. Quase caí duro. Depois de ler o título do artigo, "Sai um craque", tive um nó na garganta. À medida que lia o texto, sempre claro e instigante desse jornalista excepcional, mais assustado ficava:

"MADRI: Felipe González, o último grande político do século 20, não vai se candidatar a deputado nas eleições espanholas em março - depois de 27 anos no congresso."

Até aqui tudo bem, mas veja o que vem a seguir.

"González é um orador extraordinário, um 'palanqueiro' como já não mais se fazem, e ainda por cima domina também a TV, como se tivesse sido treinado desde bebê por algum Duda Mendonça."

Empalideci. Não acreditava no que estava lendo. A impressão que eu tinha era a de que Clóvis Rossi escrevera aquele texto exclusivamente para dar resposta as minhas indagações.

"Vi-o em ação, pela primeira vez, no comício de encerramento da campanha dos socialistas para a eleição de 1977, a primeira eleição livre na Espanha depois de 40 anos de ditadura de Francisco Franco, morto em 1975."

Eu que leio o Clóvis Rossi há tantos anos jamais imaginei que ele tivesse algum tipo de interesse por oratória e pudesse fazer uma análise tão competente sobre as qualidades de um orador. Para mim foi mais uma surpresa.

"Foi no estádio do Rayo Vallecano, no bairro de Vallecas, então subúrbio 'vermelho' de Madri. O estádio estava lotado até nas torres de iluminação. González dizia uma daquelas frases de efeito que o bom orador introduz de propósito para sacudir a massa, o público urrava, ele dava um tempinho para os aplausos e, depois, com um simples gesto de mão, calava a massa, até a frase de efeito seguinte --e tudo se repetia. Em 1993, em um debate na TV com o atual primeiro-ministro José Maria Aznar, González calou-o com uma frase magistralmente colocada: 'É impressionante a solenidade com que o senhor diz obviedades', Aznar pareceu ter ficado pequeno, perdeu o debate e a eleição (a última que os socialistas ganharam)?"

Para você não pensar que estou exagerando, veja o que escrevi no capítulo V do meu livro: "Uma frase que provoque impacto".

"Especialmente quando os ouvintes estiverem alheios, apáticos, pouco envolvidos com o ambiente ou com o tema da exposição, esse é um recurso que apresenta excelentes resultados. Para que você tenha ideia melhor de como deveria ser essa frase, pense em uma manchete de jornal sensacionalista. Funcionaria como uma espécie de bomba em cima da plateia, que passaria a imaginar que algo importante deveria ocorrer na apresentação. Uma reflexão usada de maneira um pouco mais exagerada também poderia ser útil para esse objetivo."

Depois dessa experiência, passei a ter algumas certezas: Que meu livro tem tudo para dar certo na Espanha; que o grande modelo de orador espanhol é Felipe González; que Clóvis Rossi é uma das penas mais primorosas da história do jornalismo brasileiro; que minhas dúvidas sobre a sincronicidade junguiana continuarão para sempre.

Clóvis Rossi se foi, mas vai, com certeza, deixar em cada um de nós uma boa história para ser lembrada.

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante; "As Melhores Decisões não Seguem a Maioria", "Oratória para advogados", "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva; e "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.

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