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Reinaldo Polito

Brasília esconde segredos inimagináveis

Colunista do UOL

26/05/2020 04h00

O relacionamento entre pessoas é mantido menos pela confiança recíproca do que pela recíproca suspeita.
Napoleão Bonaparte

Essa reunião do presidente com os ministros divulgada na última sexta-feira, 22, dá o que pensar. Você já foi a Brasília? Se não foi, vale a pena reservar uns dois dias para conhecer a capital do país. É lá onde tudo acontece. Mesmo que você more em uma pequena cidade no interior do país, saiba que o destino da sua vida, quase sempre, é definido em reuniões realizadas ali na Praça dos Três Poderes, ou em algum prédio na Esplanada dos Ministérios.

Eu já fui a Brasília mais de uma centena de vezes. Cidade espetacular! Ao mesmo tempo, estranha para mim. Afinal, fui criado em Araraquara, no interior de São Paulo, um município onde os quarteirões têm esquinas. Brasília não tem. Quando chega a noitinha e eu quero dar uma volta, deixo o hotel e vou... para onde? Aqui só tem farmácia. Ali só tem escola. Lá só tem hotéis. Diferente da minha cidade onde é tudo diversificado. Só acho estranho, mas gosto, gosto muito, principalmente pelos amigos que conquistei ali.

Brasília é uma cidade acolhedora

Tenho a impressão de que Brasília só acolheu gente boa em seu seio. Não sei se porque foi formada por pessoas de todas as partes do país, e que ali chegaram numa espécie de cumplicidade para se dar bem, ou se são os clubes, ou se é a sua arquitetura, ou se é pelo fato de meu genro Rafael ter nascido ali. Sei lá, mas brasiliense é acolhedor e simpático.

Descobri também que há duas Brasílias: a da população local, pessoas que labutam e se divertem ali no dia a dia. Outra, a dos políticos. Esses que, de maneira geral, chegam às terças e voltam às quintas. Quer fugir de um político? Fique em Brasília de sexta a segunda.

O que sempre me impressionou na Capital Federal é o fato de todas as vezes eu olhar pela janela do hotel e ver os edifícios dos ministérios simetricamente construídos na cor esverdeada, sem sinais de vida. Mais à frente, a Praça dos Três Poderes, Executivo, Judiciário e Legislativo, também, de longe, sem nenhuma viva alma. Está certo que quando tenho essa visão já é noitinha, e é natural que tudo deva mesmo estar em silêncio.

Até aí tudo bem. Nesse horário, quando a tarde se vai, em qualquer localidade é mais ou menos assim - tudo calmo, parado, sem ruídos. Exceto São Paulo, que chega a ter congestionamento de veículos depois das dez da noite. Não é exagero não. Se você não estiver familiarizado com a cidade, vai se surpreender com o movimento ao andar pela Av. Paulista, ou Av. Faria Lima à noite.

Ocorre que em Brasília, tão logo o dia amanhece, ficamos sabendo que aquela paradeira era só um equívoco de observação, pois nas entranhas daqueles edifícios tempestades estavam sendo gestadas. Sem que se note, nesse período aparentemente plácido, ministros começam a perder seus postos, políticos estão traindo, ou sendo traídos, e em algumas situações, até presidentes despencando.

Olhe Brasília. Preste bem atenção. Você também não vai perceber nada. No dia seguinte, entretanto, ficará surpreso ao descobrir que algumas canetadas, na calada da noite, talvez tenham até mudado a história do país. E ficará mais impressionado ainda ao constatar que passadas algumas horas, ou alguns dias, o que parecia ser um verdadeiro inferno nada mais era que a vida normal dessa impressionante cidade. E que, na maioria das vezes, tudo continua sendo exatamente como era antes.

Nas entranhas de Brasília

Nesses tempos estranhos, debaixo da aparente calma da obra de Niemeyer, um verdadeiro vulcão estava prestes a entrar em erupção. Por decisão do Ministro Celso de Mello, um vídeo mostrando detalhes de uma reunião do presidente com os ministros seria divulgado. O país ficou em apreensão. Afinal, o que de tão confidencial e assustador havia ocorrido naquele encontro?

Segundo o ex-ministro Sérgio Moro, naquela gravação estava a prova de que o presidente havia tentado interferir nas ações da Polícia Federal. A Bolsa balançou, o dólar oscilou e a população, confinada, sem muitas novidades além da contabilização de mortos e infectados pela Covid19, aguardava a bomba.

Divulgado o vídeo, nada foi revelado além do que todo mundo previa. O presidente falando com indignação, proferindo algumas dezenas de palavrões, puxando as orelhas de um e de outro, sem citar nomes e nenhuma palavra que pudesse confirmar as acusações de Moro. Alívio geral. A Bolsa subiu, o dólar não extrapolou além do valor conhecido e o povo se acalmou. Não era o torpedo que se esperava.

E as consequências? Nada na vida permanece como sempre foi depois de um ou outro fato, por mais insignificante que possa se mostrar. Quem sabe, lá na frente, quando chegarem as eleições, os efeitos desse encontro, exaustivamente analisado, possam interferir nos rumos da nação.

Os partidários do governo apostam que o vídeo só serviu para engrandecê-lo. Alguns chegam a dizer que se transformou no motivo para a reeleição do presidente. Os opositores pensam diferente. Julgam que o comportamento de Bolsonaro foi ofensivo, grosseiro e não respeitou a liturgia do cargo. Por isso, será fatal para as suas pretensões políticas.

É esperar para ver. Sem contar que Brasília não sossega, e que outras decisões impactantes ainda serão tomadas nos bastidores daqueles edifícios "calmos" da Capital Federal. Durma-se com um "silêncio" desse!

Superdicas da semana

  • Os escorpiões também habitam os gramados verdejantes
  • Os inimigos e desafetos são os únicos que jamais nos trairão
  • Há burburinhos que terminam nos próprios burburinhos
  • Nada como uma noite bem dormida para pôr os pensamentos em ordem
  • Não há problema que não tenha solução. Basta ter paciência e persistir

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante. "Como falar de improviso e outras técnicas de apresentação", "Oratória para advogados", "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva. "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.

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