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Reinaldo Polito

Bolsonaro e o dilema: popularidade x vulgaridade

Jair Bolsonaro passeia em uma padaria de Brasília  - Reprodução/Instagram/bolsonarosp
Jair Bolsonaro passeia em uma padaria de Brasília Imagem: Reprodução/Instagram/bolsonarosp

Colunista do UOL

30/06/2020 04h00

Como são admiráveis as pessoas que nós não conhecemos bem.
Millôr Fernandes

Há pouco tempo, um dos mais ferrenhos apoiadores de Bolsonaro, Roberto Jefferson, ao ser instigado por jornalistas a citar defeitos do presidente, disse que o chefe do executivo fazia brincadeiras inadequadas à imagem que ele deveria resguardar para a preservação da liturgia do cargo.

Bolsonaro é assim. Aproveita todo tipo de oportunidade para fazer brincadeiras, algumas até com conotações sexuais. Ele não pensa duas vezes também para entrar nos botecos e padarias e comer um sanduíche. Quer estar ao lado do povo, independentemente de haver ou não riscos de contaminação da Covid-19.

Embora Bolsonaro tenha como um de seus ídolos mais expressivos o Duque de Caxias, Patrono do Exército Brasileiro, parece que não dá ouvidos aos conselhos de seu grande guru. Essa história foi contada por Humberto de Campos, na obra "O Brasil anedótico":

"Era o Duque de Caxias ministro da Guerra, quando o Imperador foi visitar, em sua companhia e com o seu séquito, um dos quartéis da capital. Chegando ali, percorreu o edifício todo, indo até à cozinha, onde se servia, na ocasião, o rancho aos soldados. — Dê-me uma destas marmitas, — ordenou o soberano, indicando uma das rações de sopa. Atendido, tomou Sua Majestade todo o conteúdo, declarando que, mesmo no Paço, jamais tomara sopa tão saborosa. Disciplinado e disciplinador, Caxias não gostou da singeleza do monarca. E, ao portão do quartel, disse-lhe, brusco: — Vossa Majestade há de desculpar a minha franqueza, mas, por esse processo, Vossa Majestade não se populariza. E corajoso: — Vossa Majestade "vulgariza-se"!". Ou seja, estava pondo em risco a integridade da aura que possuía como imperador do Brasil.

Mauá e o apelo da popularidade

Jorge Caldeira, em sua obra "Mauá, empresário do império", relata um fato marcante na vida desse grande empreendedor. Na época do império, as atividades que exigiam trabalho físico eram destinadas à população das classes inferiores e aos escravos. Aos brasileiros mais afortunados cabiam as carreiras ligadas à política, ao jornalismo e às funções liberais. Botar a mão na massa, portanto, era sinal de desprestígio para essa classe privilegiada.

Pois bem, o Barão de Mauá, embora tivesse traquejo social e experiências em terras europeias, estava tão entusiasmado e envolvido com suas iniciativas empreendedoras que não observou essa característica cultural. Em 1852, ao iniciar as escavações de uma importante obra, convidou para a cerimônia o Imperador Dom Pedro Segundo, a Imperatriz Dona Tereza Cristina e os membros da família real.

No momento da celebração teve a "brilhante" ideia de entregar ao imperador uma pá de prata, com cabo esculpido no mais fino jacarandá. Sua Majestade teria assim o "privilégio" de dar início às obras. D. Pedro ficou tão furioso que abandonou a cerimônia. Mauá se deu ao direito a uma intimidade que não possuía, deixando de respeitar a importância do imperador. Nessa circunstância, D. Pedro sabia que mesmo agradando aos operários estava maculando a sua posição.

Walter Benjamin e a aura

Quem tratou da aura com admirável profundidade foi Walter Benjamin no seu famoso ensaio "A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica", publicado em 1936. Nesse texto, o pensador alemão conceitua a aura como sendo os elementos peculiares na originalidade e na autenticidade de uma obra de arte.

O autor afirma que essas características ficam esmaecidas quando a obra de arte é reproduzida. O seu distanciamento concreto, físico propicia uma espécie de sacralização. A sua reprodução em múltiplas formas, entretanto, traz uma espécie de banalização de seu valor.

Benjamin comenta sobre a importância de um distanciamento para que a obra seja contemplada, mas pondera que deve haver o cuidado de não se exagerar nesse afastamento para que continue existindo a identificação da obra por parte do espectador.

Essa fronteira é a grande questão a ser resolvida: até que ponto deve existir o afastamento sem que ele comprometa o reconhecimento do espectador e a aura possa ser preservada? Ou, ao contrário, até que ponto é permitida a aproximação sem que essa mesma aura seja agredida?

Quem se relaciona com o público, só depois de longa experiência descobre onde poderia estar essa linha imaginária. Sabe que ao se aproximar das pessoas permite que o vejam como um dos seus. Por outro lado, se essa aproximação for excessiva, correrá o risco de se tornar comum demais.

Não podemos nos esquecer que aquele que está em uma posição privilegiada, pelo saber, ou pela importância do que representa, deve atender, em última instância, às expectativas de que é portador de um valor próprio e diferente que acabam por distingui-lo.

O equívoco de Bolsonaro

Talvez esteja aí o equívoco de Bolsonaro. Com a intenção de ser um governante popular, deixa de observar as recomendações dadas pelo Patrono do Exército Brasileiro a D. Pedro, conselho que para os dias de hoje poderia ser censurado como elitista, e em vez de se popularizar resvala na vulgaridade. Não toma as precauções necessárias para que a liturgia do cargo que ocupa seja respeitada.

Não é uma posição irreversível. Só o tempo, a experiência e a observação constante, todavia, darão ao presidente a medida certa. Para isso talvez tenha de contar também com bons conselhos daqueles que o cercam. De nada adiantará, entretanto, as recomendações, por mais sensatas que sejam, se o presidente continuar seguindo o mesmo trilho de sempre.

Sendo, porém, Bolsonaro um estrategista político, não é possível afirmar agora se as suas atitudes constituem mesmo um erro de conduta. Só lá na frente teremos condições de avaliar se ele sabia ou não o que estava fazendo. Nesse tabuleiro intrincado, nem sempre aquele que entrega as peças mais valiosas termina o jogo derrotado.

Superdicas da semana

  • Aproxime-se dos os ouvintes para promover interação com o público
  • Só a longa experiência mostra a quem se relaciona com o público os limites de uma aproximação com os ouvintes
  • Na dúvida, prefira manter certo afastamento
  • Não podemos confundir comportamento popular com atitudes vulgares

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante. "Superdicas para escrever uma redação nota 1.000 no ENEM", "Como falar de improviso e outras técnicas de apresentação", "Oratória para advogados", "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva. "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.

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