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Reinaldo Polito

Como conheci Martha Rocha e achei num sebo o livro que lhe tinha dado

Martha Rocha em 1986 - Niels Andreas/Folhapress
Martha Rocha em 1986 Imagem: Niels Andreas/Folhapress

Colunista do UOL

07/07/2020 04h00

Infinitamente belo, insuportavelmente efêmero.
Rubem Alves

se vão 34 anos. Nessa época, meados dos anos 1980, ministrávamos uma infinidade de cursos no Rio de Janeiro. As empresas de auditoria e consultoria contratavam muitos treinamentos. Eram grupos formados em São Paulo e no Rio de Janeiro. Sempre na correria. Embarcávamos cedinho no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, no primeiro voo da ponte aérea, e chegávamos em tempo de ministrar a aula. Nunca iniciamos um curso sequer depois do horário combinado. Os aviões saíam e chegavam no horário. Dava para acertar o relógio por eles.

À tarde, o atropelo era para a volta. Terminávamos a aula, e o táxi já estava esperando na porta para nos levar ao Santos Dumont. Naquele tempo, era comum encontrar gente famosa no saguão dos aeroportos. Cantores, atletas, artistas de televisão, e outros, que no passado, haviam brilhado nas capas das revistas.

Acho que eram um pouco diferentes do que são hoje. Não fugiam dos fãs. E também não eram tão assediados assim. Distribuíam autógrafos aqui e ali, conversavam, riam, contavam rápidas histórias, e cada uma seguia seu caminho. Eu achava tudo muito interessante. Ficava de longe observando aquele burburinho folclórico. Algumas vezes fiquei tentado em pedir autógrafo para os meus filhos, mas para não incomodar, deixei para lá. Só uma vez, peguei um do Paulo Ricardo. As meninas fizeram festa quando cheguei em casa com aquele troféu.

Um encontro memorável

Na verdade, quem acabou dando autógrafo fui eu. Num desses retornos, enquanto aguardava na fila para fazer o check in, vi na minha frente uma mulher muito bonita. Parecia ter uns 20 anos mais que eu. Estava vestida com uma calça branca apertada, uma blusa clarinha, levemente decotada, cabelos loiros, soltos. Era uma senhora que, pela beleza naquela altura da vida, devia ter arrebentado muitos corações na sua juventude

Tomei a iniciativa de conversar. Queria ver se o jeito de falar correspondia à sua beleza física. Correspondeu à expectativa. Voz calma, segura, simpática, charmosa. Ela me olhava fixamente com aqueles olhos azuis-turquesa, mas em nenhum momento foi invasiva. Era um olhar suave, amigo, de quem estava acostumada a falar com gente estranha como se conhecesse há muito tempo. Fiquei encantado.

Depois de alguns minutos de conversa, ela perguntou meu nome, eu disse e perguntei: e o seu? Respondeu que se chamava Martha. O sangue subiu, e eu fiquei roxo de vergonha. Pensei lá com meus botões: será que é a Martha Rocha? Passado o susto, eu insisti: Martha...E veio a confirmação - Rocha.

Pedi desculpas por não a ter reconhecido. Afinal, eu estava conversando com a miss mais importante da história do nosso país. Foi Miss Brasil em 1954, e ficou em segundo lugar no concurso de Miss Universo. E num tempo em que os concursos para eleger as mulheres mais bonitas do país monopolizavam a atenção de famílias inteiras diante dos aparelhos de televisão. Os que ainda não tinham TV em casa, ficavam grudados no rádio para saber o resultado.

Sentamos juntos no avião. Suspiramos ao mesmo tempo ao sobrevoarmos a Baia da Guanabara. Até hoje me lembro do seu comentário: o que pode existir de mais bonito no mundo?! Eu só concordei. Ela tinha autoridade para fazer aquele comentário, pois já havia percorrido praticamente o mundo todo representando o Brasil com sua beleza. Eu só tinha feito duas viagens curtas aqui na América do Sul.

O primeiro autógrafo

Ocorre que naquela semana eu iria lançar o meu primeiro livro "Como falar corretamente e sem inibições". Lógico que falei com ela daquela minha proeza. Eu estava empolgado com o lançamento da obra. Prometi que dedicaria a ela o primeiro exemplar que chegasse às mãos. Martha Rocha agradeceu muito aquela minha promessa, e se disse lisonjeada com o privilégio de ser a primeira a receber o livro.

Dedicatória em livro de Reinalto Polito para Martha Rocha - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal
Cumpri a promessa. Assim que recebi a obra, separei o seu exemplar e enviei ao Rio de Janeiro. Com a facilidade que ela tinha para se expressar, com certeza não se interessaria muito por aquilo que eu havia escrito, mas talvez guardasse como recordação. Não guardou. Pelo menos, não guardou para sempre. Por coincidência, pesquisando alguns livros num sebo, encontrei um exemplar do meu livro. Fiquei curioso, já que na oferta de venda dizia que era um livro com o autógrafo do autor.

Pensei: quem será que tinha um livro meu autografado e resolveu vender para um sebo. Resolvi comprar. Era aquele primeiro exemplar que eu dera para Martha Rocha. Não fiquei chateado. Entendi. Depois de tantos anos, os livros vão tomando espaço, ocupando armários, e, de vez em quando, é preciso fazer uma boa limpeza. Eu mesmo já doei dezenas de livros. Não tinha jeito, ou ficava a família, ou ficavam os livros.

Martha nos deixou

Martha Rocha se foi. Não há dúvida de que foi a beleza mais marcante da nossa história. Morreu aos 87 anos em Niterói, pertinho de onde nos encontramos. Baiana de nascimento, merecia o título de cidadã de todas as cidades do país, pois com seu encanto deu orgulho a todos nós brasileiros.

Ainda bem que ela se desfez do meu livro. Por um desses descaminhos e sincronicidades da vida, agora posso guardá-lo como lembrança daquele encontro memorável e também por ser o primeiro exemplar de uma obra que já vendeu mais de 700 mil exemplares e está disponível em dezenas de países. Muitos deles visitados pela nossa Miss Brasil. E quase Miss Universo.

Superdicas da semana

  • Seremos lembrados principalmente pela forma como tratamos as pessoas
  • Uma beleza só se completa se também estiver por dentro da pessoa
  • Há encontros efêmeros que produzem lembranças perenes
  • Há encontros perenes que se mostram efêmeros

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante. "Superdicas para escrever uma redação nota 1.000 no ENEM", "Como falar de improviso e outras técnicas de apresentação", "Oratória para advogados", "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva. "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.

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