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Reinaldo Polito

Bolsonaro pode ser tosco, mas não é tonto

O presidente Jair Bolsonaro  - Carolina Antunes/PR
O presidente Jair Bolsonaro Imagem: Carolina Antunes/PR

Colunista do UOL

14/10/2020 04h00

É muito fácil viver fazendo-se de tonto. Se o tivesse sabido antes, ter-me-ia declarado idiota desde a juventude, e poderia ser que, por esta altura, até fosse mais inteligente. Porém, quis ter o engenho demasiado depressa, e eis-me aqui agora, feito um imbecil.
Dostoiévski

Os palavrões e as brincadeiras quase vulgares de Bolsonaro fizeram com que muitos dissessem que ele é um indivíduo tosco, sem gabarito para ocupar o cargo de presidente. Afirmam esses críticos que ele não sabe respeitar a liturgia do cargo. Tanto assim que quando um bolsonarista é instigado a citar algum defeito do presidente, prefere sempre dizer que o problema dele está na maneira de se comunicar.

Embora alguns de seus seguidores digam que votaram nele exatamente por ele ser assim, autêntico, direto, sem ficar com muito mi-mi-mi, não deixam de reconhecer que essa forma de ele se expressar acaba por prejudicar a sua imagem. Tanto assim que em determinado momento Bolsonaro deu uma recuada, se afastou do contato mais próximo com as pessoas porque sentiu que o distanciamento poderia ser benéfico.

Ok, de forma pouco mais ou menos enfática, a maioria concorda que ele é um camarada tosco. Agora, daí a dizer que ele talvez seja um tonto vai uma grande diferença. Só o fato de nesses quase dois anos de governo ter conseguido sobreviver e aumentado significativamente a sua popularidade mostra que de parvo ele não tem nada.

Bolsonaro sofreu pressões

E vamos nos lembrar de tudo o que ele teve de aguentar praticamente todos os dias. Só para citar alguns fatos: enfrentou a maior pandemia da história mundial, sofreu pressão do congresso, do STF (Supremo Tribunal Federal), da maior parte da mídia, da oposição e de uma infinidade de "traidores" dissidentes que por interesses eleitoreiros ou de poder o haviam cercado desde o início. Haja couro duro e jogo de cintura para suportar todas essas situações.

Os acontecimentos mais recentes são um bom exemplo de como ele consegue driblar as situações mais adversas. Além de precisar resistir a todos os desafetos, teve de encontrar argumentos para se defender também de seus apoiadores. A turma ficou tiririca com o presidente por ele ter escolhido o desembargador Kassio Nunes para ocupar a vaga de Celso de Mello no STF.

Os mais conservadores tinham outras preferências, como, por exemplo, o atual ministro da Justiça, André Mendonça. Sua intransigente luta contra a criminalidade e as decisões que tem tomado no combate aos temas mais progressistas, na visão dos bolsonaristas, deram a ele uma espécie de passaporte para ocupar um cargo tão relevante. Posição tão importante que, em alguns casos, um juiz do Supremo, em decisão monocrática, chega a ter mais poder que o Executivo e o Legislativo juntos.

O presidente contrariou as expectativas

Pois bem, Bolsonaro contrariou as expectativas de boa parte daqueles que o apoiam e teve de enfrentar também a revolta de alguns de seus defensores importantes no cenário político, judiciário e religioso. Assim que foi revelado o nome do substituto, as redes sociais ficaram entupidas de vídeos com críticas ao presidente. De ingrato a traidor se ouviu toda sorte de adjetivos.

Bolsonaro precisava acalmar a tropa, pois não podia perder tantos apoiadores assim. Aí entrou a habilidade política daquele que de bobo não tem nada. O chefe do Executivo elaborou uma cuidadosa linha de argumentação para mostrar que aqueles que o estavam atacando se comportavam no mínimo de forma precipitada. Foi tão rigoroso no discurso de defesa a ponto de não permitir que o interrompessem com brincadeiras ali no cercadinho onde faz seus pronunciamentos.

O caso Battisti

Iniciou refutando os aspectos para os quais tinha argumentos consistentes. O primeiro deles foi com relação a Cesare Battisti, que a esquerda tratou sempre como "ativista", mas a justiça italiana condenou como "terrorista". Kassio Nunes foi acusado de ter sido favorável à permanência de Battisti no Brasil. Ora, como alguém que toma uma posição como essa pode ir para o Supremo?

Bolsonaro explicou de maneira didática que a extradição é prerrogativa do Presidente da República, que na época era o Lula. E mesmo assim havia sido referendada pelo STF. Ora, como um tribunal de primeira ou segunda instância poderia contrariar essa decisão do Supremo? Quando a causa foi julgada, Kassio apenas seguiu as alegações do relator, já que não podia ser diferente. Portanto, o que falam dele é mentira!

O caso das lagostas

O próximo tema foi com relação à compra das lagostas e vinhos pelo Supremo. Kassio derrubou a decisão que proibia o STF de comprar esses alimentos tão requintados. Bolsonaro alegou que ali naquela casa são recepcionadas autoridades importantes do mundo todo, e que não ficaria bem servir tubaína a essas pessoas.

Afirmou que no palácio do governo não entra lagosta porque ele não gosta, mas que não haveria nenhum problema se tivesse de servir esse tipo de alimento e bebida a alguma autoridade. Argumentou ainda que essa é uma questão menor, e que cada um come o que julgar mais conveniente. Ou seja, nada que pudesse desabonar o seu indicado.

A defesa mais difícil no final

Deixou para o final o ponto mais delicado: por que não indicou uma pessoa que fosse mais alinhada às ideias conservadoras? Para dar essa resposta começou dizendo que não havia nenhuma mácula na história de vida de Kassio, pois havia analisado tudo com bastante critério. Em seguida comentou que qualquer um que fosse indicado receberia críticas por parte de alguém.

Na tentativa de conquistar a simpatia dos críticos, procurou se vitimizar. Disse não se conformar com certas autoridades do Rio de Janeiro, que sempre admirou. Ele estava indignado com as agressões mentirosas que estavam fazendo. Repetiu essa sua contrariedade mais de uma vez.

Com bastante habilidade, em vez de comparar Kassio com os candidatos preferidos de seus apoiadores, partiu de uma premissa inconsistente para chegar à conclusão que pretendia. Ele não comparou Kassio com André Mendonça, mas sim com Sérgio Moro.

Como Moro passou a ser tratado como traidor do presidente, pela forma como deixou o governo, Bolsonaro sabe que a maioria aliada já não tem tanta simpatia por ele. Aproveitando-se desse sentimento, afirmou: "se o Moro não tivesse deixado o governo, e eu não o indicasse, o que vocês estariam dizendo agora? Ah, em 22 não conte mais com o meu voto. Eu pergunto agora: vocês queriam que eu indicasse o Moro nesse momento? Pois então, eu peço que confiem mais nas minhas decisões. Eu não sou cabeça dura. Eu volto atrás quando percebo que errei, mas esse caso é de fundamental importância, não pode ter erro."

E para aqueles que ainda estavam de beicinho virado, apresentou outros dados para analisarem.

Procurou amedrontar os conservadores

Em vez de citar candidatos conservadores, relacionou os nomes da esquerda, que não gozam da simpatia de seus apoiadores. Foi uma maneira de pressionar quem o criticava. "Se eu não concorrer em 22, vocês terão outras ótimas opções: Haddad, Ciro, Marina, Alckmin", disse.

"E mais, vejam o que está acontecendo com a Argentina. Por birra, os argentinos resolveram tirar o conservador Mauricio Macri e colocar em seu lugar alguém aliado à esquerda da Cristina Kirchner. O resultado está aí, com empresas deixando o país rumo ao Uruguai e aqui para o Rio Grande do Sul", afirmou.

Depois de apresentar essa enredada linha de argumentação partiu para conclusão, dizendo o que desejava: pensem bem antes de criticar. Cuidado com os comentários que fazem por aí.

Se Bolsonaro estivesse fazendo uma sustentação oral num tribunal diante de uma turma de desembargadores, teria conseguido com a sua atuação pelo menos um pedido de vista, que nessas situações já seria encarado como espécie de vitória. Não nos cabe aqui analisar se ele está certo ou errado. Essas observações ficam por conta dos analistas políticos. Mas, como vimos, ele pode ser tosco, mas de tonto não tem nada.

Superdicas da semana

  • Comece com argumentos que possam ir ao encontro do pensamento dos ouvintes
  • Para ter a solidariedade do público, ataque um inimigo comum
  • Dê exemplos de situações em que outros tomaram decisões equivocadas
  • Associe esses fatos com a situação que defende
  • Depois de argumentar, deixe a conclusão por conta dos ouvintes, quando forem bem preparados
  • Se não forem bem preparados, argumente e dê a conclusão

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante. "Superdicas para escrever uma redação nota 1.000 no ENEM", "Como falar de improviso e outras técnicas de apresentação", "Oratória para advogados", "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva. "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.

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