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Reinaldo Polito

Por causa de um gesto, como o de assessor de Bolsonaro, cabeças podem rolar

Filipe Martins, assessor para assuntos internacionais do presidente Jair Bolsonaro, faz gesto polêmico - TV Senado
Filipe Martins, assessor para assuntos internacionais do presidente Jair Bolsonaro, faz gesto polêmico Imagem: TV Senado

Colunista do UOL

30/03/2021 04h00

Quando a ideia não vale por si para ir bastante alto, trato de suspendê-la na ponta do dedo.
Visconde de Rio Branco

Na semana passada, quarta-feira, 24, o assessor para assuntos internacionais do presidente Jair Bolsonaro, Filipe Martins, fez um gesto que provocou o maior rebu no noticiário brasileiro. Ele participava de uma sessão do Senado Federal com o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Em determinado momento, pareceu ter feito um gesto inconveniente no instante em que, segundo ele, apenas alinhava a lapela do paletó.

Algumas pessoas, ao verem a foto, identificaram como sendo uma atitude obscena. Outros, mais críticos, foram mais longe, e disseram tratar-se de um gesto supremacista, pois a imagem poderia ser interpretada com o significado White Power (Poder Branco) - os três dedos esticados formando a letra W, e a ponta do indicador tocando a ponta do polegar, formando um círculo, como se fosse a letra P.

Tendo ou não intenção, o estrago estava feito

A oposição ficou alvoroçada e aproveitou a oportunidade para capitalizar em cima do fato. O senador Randofe Rodrigues (Rede-AP), por exemplo, se mostrou tão indignado a ponto de pedir que Martins fosse retirado das dependências do Senado e autuado pela Polícia legislativa. O presidente da casa, Rodrigo Pacheco, muito ponderado, não entrou na pilha, e se limitou a solicitar à secretaria da casa e à Polícia legislativa que analisassem o episódio.

O vídeo mostrou que tanto o assessor quanto os críticos poderiam ter razão. Talvez o assessor estivesse mesmo apenas acertando a dobra da lapela do paletó, e, em consequência, aparentemente, não havia gesto nenhum a ser condenado. Por outro lado, também, o gesto poderia ter sido feito intencionalmente e, assim, deveria ser criticado.

Houve até fatos irônicos na sequência do ocorrido. Gerson Camarotti, da Globonews, ao criticar veementemente o comportamento de Filipe Martins, sem querer, acabou por repetir o mesmo gesto. Ou seja, enquanto censurava o gesto, sem se dar conta, ao explicar o ocorrido, repetia o mesmo movimento.

Margareth Thatcher não vacilava

Se ficarmos caçando gestos isolados aqui e ali, ninguém ficará imune às críticas. Um fotógrafo, que ministrou comigo um evento de mídia training, contou uma história muito curiosa sobres os gestos. Relatou que, quando Margareth Thatcher, ex-primeira-ministra britânica, esteve no Brasil em 1994, pediu aos fotógrafos que entrassem na sala onde ela iria se apresentar e tirassem todas as fotos que desejassem.

Esse meu parceiro comentou que foi uma festa para aqueles profissionais, já que puderam escolher os ângulos mais convenientes. Depois de algum tempo, ela pediu que todos se retirassem, pois a partir daquele instante as fotos não seriam mais permitidas. Diante da surpresa geral, ela deu a explicação.

Quero ficar livre para falar como bem entender. Com vocês aqui, eu estaria sempre preocupada com o meu comportamento, e se estaria ou não fazendo gestos que poderiam ser entendidos como inconvenientes. Esse episódio mostra como até tomando muito cuidado com os gestos, em algum momento poderá haver equívoco de interpretação.

Obras que falam sobre gestos e postura

Acabo de reescrever o livro "Gestos e postura para falar melhor", agora na 24ª edição. No prelo da Editora Saraiva. Nessa obra, tive o cuidado de fazer uma espécie de dicionário, explicando como cada ideia poderia ser representada, ou complementada pelo gesto apropriado. São orientações para todas as pessoas que desejam aprender a se posicionar e a gesticular de maneira adequada.

Além desse estudo, achei muito interessante o livro de Roger Axtell, "Gestures - The do's and taboos of body language around the world", e o de Gerard L. Neremberg, Henry H. Calero e Gabriel Grayson "How to read a person like a book". Essas obras mostram a diferença cultural dos gestos em países distintos, e como ler o que estão dizendo.

Antes de discorrer sobre o significado de cada gesto em diferentes países, gostaria de esclarecer que julgo bastante exageradas essas histórias de negócios que deixaram de ser realizados pelo fato de determinado executivo de um país ter feito um gesto interpretado como ofensivo pelo interlocutor que defendia a parte contrária, representando outra nação.

Talvez tenha ocorrido um caso ou outro na história, mas não deveria ser natural. Com o intenso intercâmbio cultural experimentado nos últimos anos, as pessoas já estão cansadas de saber que certos gestos que poderiam ser considerados inadequados no seu país, provavelmente, não têm o mesmo significado em outros. É bom nos precavermos para evitar contratempos, mas que esse cuidado não se transforme em paranoia.

É preciso ver o contexto

Temos de levar em conta que o gesto não pode ser analisado de maneira isolada, mas sim observado a partir de um contexto mais elástico. Da mesma forma como a palavra retirada de contexto pode não ter significado apropriado, também o gesto descontextualizado dificilmente completará uma mensagem.

Assim sendo, as ideias completas exigem que tanto as palavras quanto os gestos precisam estar interrelacionados e em harmonia uns com os outros. Temos de considerar ainda que mais do que com pessoas de sociedades diferentes, o risco talvez seja maior nos contatos com aqueles da mesma cultura, já que nesse caso o gesto é interpretado até de forma inconsciente, com a acepção a que se acostumaram.

Diferenças culturais dos gestos

Como curiosidade, vamos relacionar alguns gestos que possuem significados diferentes nas mais diversas culturas. Temos de levar em conta que as observações e os estudos foram realizados com a perspectiva desses autores citados acima.

Pode ser que sua experiência seja diferente destas apresentadas aqui, ou que tenha recebido informações distintas, e, por isso, acabe não concordando com esses significados. Sendo assim, analise apenas como curiosidade e entenda como uma forma de se conscientizar de que há significados não coincidentes entres os países:

Apertar a ponta da orelha

No Brasil - é um sinal de aprovação

Na Índia - é uma forma de se desculpar, ou de mostrar arrependimento por uma falha ou erro cometido.

Na Itália - indica que a pessoa que está sendo apontada é homossexual

Apontar com o polegar para cima, com os quatro outros dedos fechados na palma

No Japão - significa o número 5

Na Alemanha - significa o número 1

No Brasil - significa que está tudo certo e serve também para pedir carona

Na Europa e EUA - é o pedido de carona

Na Turquia - significa uma cantada para sair com homossexual

Na Nigéria e Austrália - é um gesto obsceno.

Encostar a ponta do polegar na ponta do indicador, formando um círculo

Este foi o gesto de Filipe Martins, que provocou tanta polêmica.

No Brasil - tem um significado obsceno.

Nos EUA - significa que está tudo certo, positivo.

No Japão - significa valor financeiro - moeda, dinheiro.

Na França - significa que é algo sem valor, zero.

Na Turquia - significa que alguém é homossexual.

Mão em forma de figa

No Brasil - significa fato auspicioso, de boa sorte.

Na Croácia - bem diferente do que ocorre no Brasil, o significado é de algo sem valor ou de um não.

Na Turquia e Grécia - tem significado obsceno. É o mesmo significado que tem no Brasil o gesto de bater no círculo formado com o indicador e o polegar, quase fechados, com a palma da outra mão.

Na Tunísia e Holanda - significa o pênis.

Raspar o queixo com a ponta dos dedos (como se estivesse jogando algo grudado embaixo do queixo para fora)

No Brasil - significa sei lá, não tenho essa informação.

Na Itália (região Sudeste) - significa sem chance.

Na França - significa sai daqui.

Mover a cabeça no sentido lateral, de um lado para outro

Talvez seja a diferença mais gritante que poderíamos encontrar no significado de um gesto entre os diversos países.

Em quase todos os países do ocidente - significa não.

Na Bulgária, Grécia, Irã e Turquia - significa, por incrível que possa parecer, sim.

Movimentar o dedo indicador esticado em círculos na região da têmpora

No Brasil e nos EUA - significa que alguém não está batendo bem da cabeça, que pirou, está doido.

Na Argentina - significa que uma pessoa está querendo falar com a outra

Na Alemanha - significa que alguém fez barbeiragem no trânsito (parece não ser unanimidade em todas as regiões).

O chifre feito com o dedo mínimo e indicador, enquanto o médio e o anular ficam fechados

No Brasil e na Itália - significa que o marido está sendo traído, corneado pela mulher.

Na Venezuela - significa conquista, sorte, futuro promissor.

Nos EUA - região do Texas - significa que o torcedor está solidário e dando apoio ao seu time.

A partir de todas essas considerações, seria possível concluir que as críticas recebidas por Filipe Martins foram exageradas ou tiveram razão de ser? Sem paixões, você poderá julgar como achar mais adequado.

Superdicas da semana

  • Analise sempre os gestos dentro do contexto
  • Em culturas diferentes os gestos possuem significados distintos
  • Interpretar gestos fora de contexto é demonstração de má vontade
  • Aprenda os diferentes significados culturais dos gestos, mas não se torne paranoico

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante. "Os segredos da boa comunicação no mundo corporativo", "Gestos e postura para falar melhor", "Oratória para advogados", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas", "Como falar de improviso e outras técnicas de apresentação", "Assim é que se Fala", e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva. "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.

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