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Reinaldo Polito

CPI da Covid trata de forma até agressiva depoentes favoráveis ao governo

Jorginho Mello e Renan Calheiros batem-boca durante sessão da CPI da Covid - Reprodução/TV Senado
Jorginho Mello e Renan Calheiros batem-boca durante sessão da CPI da Covid Imagem: Reprodução/TV Senado

Colunista do UOL

05/10/2021 04h00

Não acendas fornalha tão quente para o teu inimigo / Que venha a te queimar também.
Shakespeare

A CPI da pandemia é vista por alguns como um circo. Pelo bate-boca que temos observado em várias sessões, não há mesmo como contestar essas críticas.

Certos senadores, como Jorginho Mello (PL-SC) e o relator Renan Calheiros (MDB-AL) se atacaram com tanta agressividade, que até partiram para xingamentos como "vagabundo" e "ladrão". E isso sem contar os casos mais recorrentes, como os do senador Marcos Rogério (DEM-RO) e do presidente da comissão Omar Aziz (PSD-AM). Os dois vivem se engalfinhando em praticamente todas as reuniões. Eles continuam a se cutucar até no final dos embates, quando se postam diante dos jornalistas para as entrevistas coletivas. É um verdadeiro ringue.

Alguns senadores são até processados

Se a vida é dura para os senadores, que possuem imunidade e, praticamente, podem falar o que lhes vier à cabeça, dá para imaginar a situação daqueles que são convocados para prestar depoimentos. Como o presidente, o vice-presidente e o relator da comissão fazem ostensiva oposição a Bolsonaro, todos os depoentes que se mostram, de alguma forma, favoráveis ao governo são tratados com extrema severidade. Em alguns casos até com agressividade.

Esse comportamento se mostrou tão exacerbado, em determinadas circunstâncias, que as doutoras Mayra Pinheiro e Nise Yamaguchi moveram processo contra o presidente Omar Aziz. Até o senador Otto Alencar (PSD-BA) também entrou no pacote da Dra. Nise. Na última semana, o folclórico empresário Luciano Hang, proprietário da Havan, também já declarou que vai processar alguns membros da CPI por ter sido tratado com desconsideração durante o seu depoimento.

É preciso ter topete

Nem todos os depoentes, entretanto, têm o topete de enfrentar essas excelências. Muitos senadores fazem acusações pesadas ao convocado e, no final, não permitem que ele se defenda. Encerram dizendo simplesmente que não farão perguntas. Ou seja, para quem está assistindo, pode dar a impressão de que tudo o que disseram encontra respaldo na verdade. Sendo que nem sempre é assim.

O próprio senador Marcos Rogério já afirmou diversas vezes que a CPI se transformou em uma máquina de destruir reputações. Por mais que o depoente, ou seus advogados, reclamem seu direito ao contraditório, nada podem fazer. Há senadores que gritam para dizer que são "senadores", e não admitem ser contrariados. Mais ou menos aquela velha história da carteirada - o senhor sabe com quem está falando?

Ensinamentos de Aristóteles

Quem consegue falar, e se livrar da armadilha de ter de responder apenas sim ou não, pode seguir alguns caminhos recomendados para refutar acusações, que perduram há 2400 anos, desde Aristóteles, na "Arte retórica". A primeira atitude deve ser a de manter a calma para avaliar com atenção e prudência cada inculpação que lhe é atribuída. Todas precisam ser rechaçadas.

Com esse comportamento sereno e equilibrado, sendo possível, deve afirmar que os fatos citados não existem, ou foram distorcidos. Dentro dessa mesma linha, o pensador grego sugere que a defesa deva dizer que houve erro nas informações.

Uma das sugestões de Aristóteles não é recomendada para os depoentes da CPI. Ele orienta que a defesa deva considerar se aquele que faz a acusação também não está implicado em casos semelhantes.

Ai de quem acusar um senador

Dá para imaginar qual seria a reação de Omar Aziz ou de Renan Calheiros se um depoente tivesse a ousadia de mencionar que eles estão respondendo a processos da mesma natureza. Uma coisa é um senador chamar o colega de ladrão, outra, muito diferente, é o depoente mexer nesse cacho de marimbondos.

Uma boa defesa é a de deixar claro que os fatos levantados pelos acusadores não se referem ao que estão discutindo naquele interrogatório. Os senadores não se darão por vencidos, como demonstraram em vários exemplos dessa natureza, mas para quem está assistindo ficará claro que estão se valendo de informações inadequadas ao que deveria estar sendo discutido.

O que sobra aos depoentes

Infelizmente para os depoentes, apenas parte dos ensinamentos de Aristóteles poderá ser utilizada, já que na maioria dos casos ele sugere que se avalie a conduta e o passado de quem faz as acusações, e a partir daí estruturar sua defesa. Na CPI essa estratégia poderia provocar a ira dos questionadores e resultar em prejuízo para os convocados.

O mais indicado é o de fazer como a maioria tem feito. Negar os fatos que podem ser negados. Mostrar os erros nas informações que pesam contra eles ou, como fez Luciano Hang, falar o máximo que puder sobre assuntos alheios aos que estão sendo abordados, diminuindo o tempo das perguntas, para depois discorrer de forma objetiva sobre o tema que é o foco do questionamento.

Superdicas da semana

  • Do choque entre a tese e a antítese o que não for destruído será a síntese
  • Se a acusação for infundada, bastará à defesa negar os fatos
  • Se os fatos ocorreram, caberá à defesa mostrar os erros e distorções
  • Todos os argumentos contrários precisam ser refutados

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "Como Falar Corretamente e sem Inibições", "Comunicação a distância", "Os segredos da boa comunicação no mundo corporativo", "Saiba dizer não sem magoar os outros" e "Oratória para advogados", publicados pela Editora Saraiva. "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante. "Oratória para líderes religiosos", publicado pela editora Planeta.