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Reinaldo Polito

A reeleição pode privilegiar quem está no poder e distorcer a democracia

Jair Bolsonaro, Lula, e Simone Tebet, em debate do UOL em parceria com Band, Folha e Cultura - Reprodução
Jair Bolsonaro, Lula, e Simone Tebet, em debate do UOL em parceria com Band, Folha e Cultura Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

13/09/2022 04h00

Entre maçãs podres, a margem de escolha é pequena.
Shakespeare

No próximo dia 2 de outubro iremos às urnas para eleger ou reeleger os candidatos a diversos cargos: Presidente da República, governadores de estado, deputados estaduais e federais e parte dos senadores. Embora todos sejam importantes, a eleição ao Palácio do Planalto é a que mais desperta interesse. Por isso, vamos nos concentrar nesse cargo.

Bolsonaro concorre à reeleição. Após a redemocratização, todos os presidentes que o antecederam e participaram do pleito foram reeleitos: Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma Rousseff. Esta impichada no segundo mandato. Itamar Franco se contentou com apenas uma gestão. Temer até pensou em se candidatar, mas desistiu por causa dos minguados 6% de aprovação.

Fernando Henrique mudou a lei

O presidente pode se reeleger. Só uma vez. Desde quando? Houve alteração por meio da emenda constitucional nº 16, de 1997, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Por esse motivo, um ano depois dessa promulgação ele pôde se candidatar à reeleição para ficar mais quatro anos. Como a mudança ocorreu durante o seu governo, foi acusado de casuísta.

Até hoje o ex-presidente tucano precisa negar que houve compra de votos para que a tese da reeleição fosse aprovada no Congresso. Segundo ele, a maioria da população e dos congressistas temiam a vitória de Lula, por isso o mantiveram no cargo. Quem quiser acreditar que acredite. O próprio FHC já disse estar arrependido de ter abraçado a causa da reeleição:

Devo reconhecer que historicamente foi um erro: se quatro anos são insuficientes e seis parecem ser muito tempo, em vez de pedir que no quarto ano o eleitorado dê um voto de tipo plebiscitário, seria preferível termos um mandato de cinco anos e ponto final.

Mudam quando chegam ao poder

Essa opinião de Fernando Henrique não difere muito da de outros candidatos. Quando estão fora do poder, costumam criticar o sistema de reeleição. Assim que são eleitos, entretanto, se agarram ao cargo com as mais variadas desculpas.

Foi assim também com Bolsonaro. Ele afirmava ser contra a reeleição, mas depois de eleito nunca mais deu uma palavra para mudar esse método de escolha dos governantes. Talvez ao deixar a presidência agora no final do ano, ou no final de 2026, volte a pensar como antes.

Quem costuma justificar a possibilidade de permanência do atual chefe do Executivo no cargo é o ministro Paulo Guedes. Ele diz que se tivemos dois FHC, dois Lula e duas Dilma, será preciso também dois Bolsonaro para tentar o equilíbrio da situação. Ainda que pareça estar brincando, no fundo ele fala sério.

A reeleição, porém, não é outra daquelas jabuticabas brasileiras. Dezenas de países adotam o mesmo sistema. Há mandatos com as mais diversas durações, de quatro a sete anos. A maioria de cinco anos. Poucos de sete anos.

Volta às urnas

A reeleição é uma volta do eleitorado às urnas para ratificar ou retificar sua escolha. Depois de quatro anos as pessoas dizem se vale a pena ou não continuar com aquele presidente que está no cargo. É uma espécie de revalidação de mandato.

Alguns não se dão conta de que o Presidente da República não governa apenas para aqueles que o elegeram, mas sim para todos os brasileiros. Por isso, os governados, ainda que não tenham votado nele, também dizem com sua nova decisão se querem ou não modificar o seu voto.

Mudam ou não o voto

Dentro dessa perspectiva, os eleitores que votaram em Bolsonaro podem mudar de opinião e votar em um dos candidatos de oposição. Da mesma maneira, aqueles que não confiaram que o candidato fizesse uma boa gestão, desta vez também, podem mudar sua decisão. Na teoria, o sistema de reeleição é muito bom. Ganhou a eleição e foi bem, continua. Foi mal, dá o lugar para outro.

Na prática, entretanto, nem todos comungam essa maneira de pensar. Dizem esses críticos que quem está no poder, de maneira geral, se vale da força do cargo para preservar essa posição. Como tem a caneta que assina as decisões do governo, faz uso da sua autoridade para aprovar projetos eleitoreiros. São medidas demagógicas que agradam a maioria da população, mas podem prejudicar o país.

Ações eleitoreiras

Uma das ações de Bolsonaro mais criticadas, por exemplo, foi a chamada PEC Kamikaze, que permite uma série de benefícios à população em ano eleitoral. Os opositores avaliam que essa foi uma manobra do presidente com interesses eleitoreiros. Como defesa, o governo diz que as consequências da pandemia e a situação precária da população mais vulnerável justificaram essa iniciativa aprovada pelo Congresso Nacional.

Ainda que a lei eleitoral procure coibir atos como esse, de uma maneira ou de outra acabam por ser contornados para favorecer o governo de turno que aspira a ser reeleito. Dessa forma, quem está no poder leva enorme vantagem sobre os concorrentes.

Distorção do processo democrático

Outra crítica recorrente, que vem na esteira da anterior, é a de que com a reeleição há uma distorção do processo democrático, pois com o uso da máquina comandada pelo presidente, enquanto ele se beneficia na corrida eleitoral, os candidatos que estão fora do governo são prejudicados.

O ideal é a alternância do poder. Se o governante foi bem em sua gestão, poderá indicar seu sucessor, com boas chances de elegê-lo. O grupo político até permanece no poder, mas o novo escolhido terá de apresentar uma cara diferente para a sua administração, e assim encontrar soluções ainda não experimentadas.

A oposição corrige os erros

Se a administração não foi convincente, a oposição terá oportunidade de corrigir os erros e estabelecer outros rumos com a sua gestão.

Por enquanto teremos de conviver com o instituto da reeleição. Vamos comparecer às urnas para manter ou retirar Bolsonaro do cargo. Como a pressão é grande para que o sistema seja modificado, talvez um dia, com uma boa renovação do Congresso, consigamos voltar a eleger os governantes a cada cinco anos, que é um prazo aparentemente mais adequado, sem a possibilidade de que possam permanecer no cargo.

Superdicas da semana

  • Nem toda teoria é boa na prática
  • Em todo sistema eleitoral há prós e contras
  • A alternância de poder é salutar
  • A oposição é importante para o sistema de governo democrático

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "Como falar corretamente e sem inibições", "Assim é que se fala", "Os segredos da boa comunicação no mundo corporativo" e "Oratória para advogados", publicados pela Editora Saraiva. "29 minutos para falar bem em público", publicado pela Editora Sextante. "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.