Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Inflação, China e baixo incentivo fiscal impactam mais economia que ômicron
A fonte é boa e o recado foi claro. Na economia mundial, melhor ficar atento porque recuperação mesmo não é para já. O alerta veio do relatório Perspectivas Econômicas Globais, divulgado pelo Banco Mundial na semana passada. Em resumo, o documento diz que o mundo não crescerá nos próximos dois anos na mesma proporção do que ocorreu no ano passado.
Para o Banco Mundial, a expansão média global, que foi de 5,5% em 2021, será de 4,1% em 2022 e cairá para 3,2% no ano que vem. O interessante são os motivos do banco para essa desaceleração: a demanda reprimida vai se dissipar e o apoio fiscal e monetário oficial será muito reduzido. Ou seja: a ômicron não terá tanta culpa no cartório pelas vacas magras, neste e no próximo ano.
Como era de se esperar, o relatório é cauteloso. O explosivo avanço da variante ômicron do coronavírus continuará afetando a economia mundial no curto prazo. Uma matéria corajosa da Folha de S.Paulo, de autoria de Isabela Palhares e Diana Yukori, publicada em 13 de janeiro, mostra o que vem ocorrendo no Reino Unido.
Lá, a transmissão da ômicron —70 vezes maior que da variante delta— provocou o caos. Mas, em pouco tempo, o vírus passa a não encontrar mais quem contaminar —seja porque muitos já ficaram doentes ou porque estão protegidos pela vacina. O Instituto Sabin, dos Estados Unidos, mostrou que no Reino Unido e na África do Sul a contaminação é muito rápida, mas a duração do surto é muito menor. Isso não quer dizer que o descaso está liberado. Países sem política de testagem e que não incentivem o distanciamento social vão sofrer muito mais com a ômicron.
Escalada da inflação
Essas características da variante fizeram com que o Banco Mundial fosse buscar responsáveis mais reais pelo recuo da atividade econômica global. Apareceu, então, a "notável desaceleração" das principais economias, incluindo China e Estados Unidos. Apareceram, também, a escalada da inflação em toda parte e as restrições às políticas monetárias de incentivo.
Essas preocupações não são exclusividade do Banco Mundial. A revista The Economist apontou que a China, em 2021, representou 25% do crescimento do mundo. Bem menos que em 2018, quando o país representou 35% da expansão global.
Essa desaceleração foi motivada pela mudança do modelo econômico chinês, baseado no comércio exterior, para o que a revista chamou de "autodependência". Em outras palavras, a China vai se concentrar mais dentro de suas próprias fronteiras.
É isso o que está por trás do bloqueio ao avanço das bigtechs chinesas e a recuperação de poder absoluto do Partido Comunista Chinês, que vem retomando o culto à personalidade e os surtos nacionalistas. Essa mudança de direção, promovida por Pequim, terá impacto direto no preço das commodities.
Há também o tamanho da dívida das incorporadoras chinesas, que somam US$ 3 trilhões e que vão muito além da Evergrande. Por todos esses motivos, a The Economist insinua que a China pode ter batido no teto como motor do crescimento mundial.
Cadeias de produção
Outro foco de tensão para a expansão da economia mundial, talvez o mais complicado, é a desorganização nas cadeias de produção. Na pandemia, o dinheiro destinado a jantar fora ou a pagar a manicure, por exemplo, virou geladeira, TV ou videogame. Serviços viraram bens.
Ninguém esperava tamanha aceleração de demanda e a disputa por insumo ficou pesada. Não estamos falando apenas de microprocessadores. Uma reportagem assinada por Harry Dempsey, do Financial Times, em 9 de janeiro, mostrou que 90% do comércio no mundo são marítimos e, com a explosão de demanda por bens, o preço do frete multiplicou por dez entre março de 2020 e dezembro de 2021.
Isso tem um poder e tanto de fazer a inflação explodir. E justificam as recorrentes ameaças do Banco Central americano de subir os juros para conter a carestia.
Faz tempo que os dois gigantes, Estados Unidos e China, passaram a usar a ideia de comércio como arma. Antes de culpar a pandemia por tudo, é melhor lembrar do dado da OMC (Organização Mundial do Comércio) que mostra que, em 2019, o comércio global cresceu só 1,5% devido à guerra comercial entre Donald Trump e a liderança chinesa. Entre 2008 e 2018, a média anual de crescimento mundial foi de 3,5%.
Impacto sobre os mais pobres
O pior, no entanto, é que nem todos vão sofrer com a desaceleração da economia de forma igual. Países pobres crescerão 4% menos que os ricos. Motivo: soma desses fatores todos, mais a possível queda no preço das commodities, mais o custo da energia que deve continuar alto.
Para os mais pobres, portanto, o cenário é bem pior. E, no caso da economia brasileira, ainda temos outros senões, como o ano eleitoral.
Melhor, portanto, não por todas as culpas da desaceleração econômica no veloz surto da ômicron. Não é justo, nem sensato, em especial, se o que pretendido for buscar alguma solução mais criativa para a desaceleração.
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