Opinião

Saque-aniversário é alívio financeiro e expressa a autonomia do trabalhador

O crédito ao trabalhador é uma ferramenta essencial para o equilíbrio financeiro das famílias brasileiras. As modalidades disponíveis são sujeitas a diversas pressões de setores ou de grandes organizações cujo interesse específico nem sempre está alinhado com o bem-estar da população. Um caso exemplar disso é o do saque-aniversário do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço). Mas, antes de retornar a ele, vamos falar de algumas conquistas recentes da sociedade brasileira no tema do crédito.

Recentemente, diversas medidas foram implementadas para aprimorar o acesso e as condições para empréstimos aos trabalhadores. Em janeiro de 2024, entrou em vigor a Lei nº 14.690/23, que estabelece um teto de 100% para os juros do crédito rotativo do cartão de crédito. Isso significa que os encargos não podem ultrapassar o valor original da dívida, evitando o efeito "bola de neve" dos juros sobre juros. Por exemplo, uma dívida de R$ 1.000 no rotativo não poderá exceder R$ 2.000, independentemente do prazo.

Outro ponto importante foi a manutenção do parcelado no cartão. Estudos apresentados ao Banco Central mostraram que o parcelamento sem juros, existente há décadas e importante forma de financiamento para pequenos empreendedores e para as famílias (grande parte de baixa renda), não apresenta taxas de inadimplência superiores às observadas em compras feitas com pagamento à vista no cartão. Conquistas como essas só foram possíveis com muitas rodadas de conversas com o governo federal, o Banco Central, o Congresso e diversos outros atores envolvidos.

No que tange ao FGTS, o saque-aniversário, criado em 2019 e vigente desde 2020, permite que os trabalhadores retirem anualmente uma parte do saldo de suas contas no mês de seu aniversário. Além disso, o crédito atrelado ao saque-aniversário é um importante recurso, pois traz taxas muito mais baixas que outras modalidades de empréstimos. Em tempos de alta nos juros básicos, essa diferença tem sido ampliada, inclusive. Dados recentes do Banco Central mostram que a taxa média de juros para o crédito pessoal já gira em torno dos 8%, contra menos de 2% de taxa na modalidade atrelada ao saque-aniversário — sendo que alguns bancos chegam a trabalhar com 1,29%.

Em setembro de 2024, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, anunciou a intenção de enviar ao Congresso Nacional uma proposta para extinguir o saque-aniversário, argumentando que a modalidade pode comprometer a função original do FGTS como proteção ao trabalhador em casos de desemprego. Até o momento, a proposta não foi formalizada, e o saque-aniversário continua em vigor, graças à reação da sociedade. Esperamos que a ameaça tenha cessado de vez, pois se trata de um recurso essencial para os trabalhadores e suas famílias.

Recentemente, foi proposta a criação de uma nova modalidade de crédito, na qual o trabalhador poderia utilizar o saldo do FGTS como garantia para empréstimos. Essa iniciativa visa a oferecer taxas de juros mais baixas, devido à segurança proporcionada pela garantia do FGTS, ampliando o acesso ao crédito para os trabalhadores. Sem dúvida a iniciativa é excelente — desde que não seja nova tentativa de afetar as regras do saque-aniversário FGTS.

Entretanto, é necessário contrapor argumentos vindos de setores como o da construção civil, que pressionam pela extinção ou redução do saque-aniversário, sob a justificativa de que ele reduziria recursos disponíveis para o financiamento da casa própria. Essa alegação não se sustenta: dados mostram que o saldo do FGTS cresceu de R$ 451 bilhões em 2020 para R$ 596 bilhões em 2024, mesmo com a vigência do saque-aniversário. Ou seja, a modalidade não compromete o equilíbrio financeiro do fundo, enquanto continua beneficiando diretamente milhões de trabalhadores. O saque-aniversário, nesse contexto, não é apenas uma ferramenta de alívio financeiro imediato, mas também uma expressão da autonomia do trabalhador sobre seus próprios recursos.

*Paulo Solmucci é presidente-executivo da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes)

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