Opinião

Por que o Congresso agrava (e não resolve) a crise fiscal do país?

Quando anunciou um congelamento total de R$ 31 bilhões do Orçamento deste ano e quando, posteriormente, falou em em entrevista ao jornal "O Globo", o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ressaltou a responsabilidade do Congresso Nacional em ajudar na busca de soluções para o problema fiscal brasileiro.

O tom dos comentários de Haddad foi considerado ruim pelos presidentes da Câmara e do Senado — respectivamente, Hugo Motta (Republicanos-PB) e Davi Alcolumbre (União-AP) —, e parlamentares apresentaram ao menos 18 projetos para sustar a alta no IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), anunciada como parte das medidas do governo para atingir a meta fiscal neste ano e no próximo.

Quem ouvisse os deputados e senadores nos últimos dias poderia até se impressionar com o rigor fiscal e o interesse da classe política em resolver a questão orçamentária num momento de um governo aparentemente inerte. O tom mais ortodoxo dos parlamentares soou como música aos ouvidos do mercado financeiro. Mas, a história mostra, e os últimos anos tornam claro, a forma mais garantida de perder dinheiro é apostar no espírito cívico e no compromisso dos congressistas com um ajuste das contas públicas.

Sim, os parlamentares de uma forma geral entregam reformas necessárias para assegurar a sustentabilidade das contas públicas, quando o governo de turno tem clareza do propósito e das propostas. Foi assim com o Plano Real, as reformas da Previdência em Lula 1, Dilma 1 e Bolsonaro, a reforma trabalhista e diversos marcos regulatórios. Também na instituição do Teto de Gastos ou do Arcabouço Fiscal, na Reforma Tributária e em altas de impostos, os parlamentares deram os votos necessários.

Por esse histórico, seria possível acreditar que, quando há empenho político do governo e uma direção clara da rota a se seguir, os votos no Parlamento aparecem. Embora seja condição necessária — e já falamos aqui sobre os limites do apetite político deste governo Lula 3 — é inocente pensar que é condição única e eximir o Congresso de suas responsabilidades.

Doce vida

De uma forma geral, a vida do Congresso está cada vez mais fácil. Hoje, os parlamentares têm um poder gigante sobre a execução orçamentária — sem que tenham de arcar com um pingo de responsabilidade na situação fiscal.

O ovo da serpente dessa hipertrofia parlamentar em relação ao Executivo vem sendo chocado há décadas, mas eclodiu no primeiro governo Dilma, quando o Congresso aprovou o Orçamento Impositivo. Explicando em termos leigos, com esse mecanismo, os congressistas avocaram para si o controle de um percentual das emendas parlamentares que o governo teria obrigatoriamente de pagar, reduzindo a discricionariedade da administração pública na gestão dessas verbas.

As seguidas crises políticas — impeachment de Dilma Rousseff, as denúncias da PGR (Procuradoria Geral da República) contra Michel Temer e a chegada ao poder de Bolsonaro só serviram para ampliar ainda mais o poder dos parlamentares, degenerando no Orçamento Secreto.

Continua após a publicidade

Embora a total quebra de transparência e concentração da gestão das emendas nas mãos das elites do Congresso tenha sido a face mais vistosa do Orçamento Secreto, o que no fundo ele consolidou foi a entrega, por parte do Executivo, do poder de definição do uso da verba pública aos parlamentares.

A expressão popular diz que o uso do cachimbo entorta a boca, e foi exatamente o que aconteceu. Deputados e senadores, donos de seu quinhão do erário para obras e investimentos para suas bases sem muito controle, garantiam assim sua manutenção no poder e cada vez menos se sentem impelidos a participar da administração pública.

Para quê? Eles ganharam o poder sem ganhar a responsabilidade. Bônus sem ônus. Na prática, isso significa muito menos fidelidade partidária da base aliada, e garante espaço para uma oposição irresponsável e arruaceira, mais preocupada em livrar os diversos malfeitos de seu lado político do que de fato em resolver problemas fiscais.

Ferramentas

Não faltam aos parlamentares caminhos para auxiliar o governo. Abrir mão de uma parcela do gigante acesso ao orçamento, hoje superando R$ 40 bilhões, seria uma sinalização importante de vontade política de construir uma solução. Ainda que emendas sejam um instrumento importante para levar política pública na ponta, sem um controle viram só uma forma indireta de comprar eleições e favorecer aliados políticos locais em detrimento da população.

Uma outra alternativa complementar seria coragem para encarar discussões impopulares, especialmente para os diversos grupos de poder econômico que têm acesso mais direto aos ouvidos e corações dos parlamentares do que a maioria da população. Aumento de taxação sobre grandes fortunas, revisão de benefícios tributários, taxação de lucros e dividendos, corte nos supersalários no serviço público — um problema crônico no setor Judiciário.

Continua após a publicidade

Nesta legislatura, parlamentares remaram na direção contrária ao ajuste fiscal em diversas oportunidades. Quando estenderam a desoneração sobre a folha de pagamento — medida que há muito não se justificava no propósito de estimular setores de alta empregabilidade —, fizeram-no ainda com medidas de compensação insuficientes. A extensão do Perse, um programa que auxiliou o setor de eventos durante a pandemia, mas que há muito significou custo público sem benefício, também demonstrou a face perdulária do Parlamento.

Mesmo com figuras diferentes, historicamente o Congresso é bem mais ágil em aprovar medidas de corte de receitas e aumento de benefícios. Os momentos mais austeros, em geral, custam mais caro. O Parlamento poderia ser um verdadeiro aliado e, já que há uma maioria mais "conservadora e pró-mercado" (ainda que de fachada), liderar esforços de ajuste. Mas prefere falar bonito e deixar o peso das consequências ao governo, sem contudo abrir mão das suas próprias benesses.

Seria diferente dessa vez? Com a palavra, Hugo Motta e Davi Alcolumbre.

*O jornalista Mário Sérgio Lima é estrategista de economia e política brasileira da consultoria internacional Medley Advisors.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.