Opinião

Cenário fiscal e inclusão financeira pelas fintechs precisam convergir

As discussões sobre alternativas ao Decreto 12.466/2025, que majorou as alíquotas do IOF, abriu curiosa janela de oportunidade para a adoção de medidas estruturantes que podem melhorar o cenário fiscal brasileiro.

Não obstante, o momento também dá margem a propostas oportunistas que, diante da via aberta por um problema concreto, apresentam-se como tábua de salvação. Na clássica ilustração do garbage can em políticas públicas, a ocasião permite que "soluções" se aproveitem da racionalidade limitada do processo decisório e, à luz do entrave da vez, coloquem-se como alternativa, ainda que na realidade haja objetivos distintos (e maquiados).

Ainda não se sabe o que será adotado pelo governo, mas já se conhecem as soluções oportunistas do momento. E é esse o caso da proposta que almeja majorar tributos sobre as chamadas fintechs.

Sob a alegação de que seria necessário equalizar a carga tributária que incide sobre bancos tradicionais e fintechs, garantindo maior receita ao governo federal, apresenta-se alternativa que parte de diagnóstico equivocado e cujos efeitos serão bastante negativos à concorrência, à redução de tarifas ao cidadão, e à inclusão financeira no país, conquistada a duras penas nos últimos 10 anos.

É preciso começar pelo óbvio: instituições que prestam serviços de pagamento e fintechs não são bancos tradicionais. Não podem emprestar dinheiro com recursos próprios, nem captar depósitos à vista, por exemplo. Há atividades diferentes, que justificam tratamento distinto - notadamente à luz de justos objetivos públicos -, em especial tendo em vista o altíssimo grau de concentração do sistema bancário nacional.

O tratamento hoje existente tem razão pública de ser: insere-se em política ampla voltada à inclusão financeira, ao aumento de concorrência no setor a partir do fomento a novos entrantes, e à redução de custos finais a brasileiras e brasileiros. E, ao contrário de outras políticas que deveriam estar em pauta - como isenções fiscais sem resultados públicos efetivos -, seus efeitos amplamente positivos são mensurados e apresentados pelo próprio governo.

Os relatórios mais recentes de cidadania financeira e de economia bancária do Banco Central demonstram, de forma inequívoca, o papel das fintechs na ampliação do acesso a serviços financeiros do país. O número de brasileiros com acesso a tais serviços saltou de 119 milhões, em 2012, para 175 milhões, em 2024. O número de usuários ativos no SFN/SPB cresceu mais de 103% entre 2018 e 2023. Diante de inovações tecnológicas e, especialmente, da ampliação da concorrência, houve redução geral de 36,8% dos gastos dos consumidores com tarifas bancárias, segundo estudo da Fipe.

Há, em suma, e a partir de opção pública deliberada e voltada para tal, mais acesso, mais oferta e redução de custos desnecessários a pessoas físicas e jurídicas, especialmente microempreendedores que, no desenho bancário tradicional, restavam alijados dos serviços financeiros.

A proposta trazida à mesa pelas instituições tradicionais se aproveita da janela aberta pelo decreto do IOF, mas possui objetivos claramente distintos. Redução da crescente concorrência no setor - em que pese a ainda altíssima concentração -, reconstrução de barreiras intransponíveis a novos entrantes, recuperação de terreno em prol dos serviços prestados de forma antiquada. É benefício individualizado em detrimento de custos difusos e atomizados.

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O estopim da crise do IOF residiu no suposto erro de avaliação dos efeitos de suas medidas. Na presente proposta, os efeitos negativos são evidentes, e contrários a uma opção pública bem-sucedida, que precisa de continuidade. Não há como errar.

* Felipe de Paula é sócio de DePaula Kraft Advogados e doutor em direito pela USP e pela Universidade de Leiden

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