E agora, Lula? Há alternativas, mas janela está fechando

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O Congresso deu um recado claro — e belicoso — ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva acerca de suas insatisfações com as relações entre as instituições na derrubada relâmpago do decreto de aumento do IOF (Imposto Sobre Operações Financeiras). No cardápio das justificativas, teve um pouco de tudo — mágoas passadas, perspectivas de poderes futuros, desajustes no telefone sem fio da Praça dos Três Poderes.
O povo não aguenta mais pagar altos impostos, bradam os representantes eleitos que, na mesma noite em que sepultam uma busca por mais recursos por parte do governo, também mandam uma conta cara para essa mesma população via aumento de vagas na Câmara. É o ajuste fiscal do farinha pouca, meu pirão primeiro.
Mais do que uma derrota na votação, que expõe ainda mais a fragilidade da base aliada do governo, também o placar e os meios pouco leais adotados pelos presidentes das duas Casas do Congresso deixaram um gosto amargo na boca de quem despacha no Palácio do Planalto. Afinal, havia meios de evitar a humilhação e, mais do que isso, há alternativas para salvar as contas públicas, sufocadas pela expansão das despesas obrigatórias num ritmo superior à alta de receitas?
A resposta é sim para ambas as perguntas, mas, como já falamos anteriormente, falta vontade política. E a aproximação inevitável das eleições presidenciais de outubro do ano que vem tornam o leque de opções cada vez menos amplo.
É fato que Lula não deseja cortar gastos. Seja porque os cortes mais simples de serem decididos afetam o grosso do seu eleitorado - como abandonar a política de ganho real do salário mínimo ou, ao menos, desvincular despesas previdenciárias e de programas como o BCP (Benefício de Prestação Continuada) dessa regra. Ou porque interessa ao presidente manter uma máquina minimamente rodando para ganhar o pleito com propostas de caráter eleitoreiro, como um vale-gás ou isenção do pagamento de conta de luz e imposto de renda pelas famílias mais carentes. Com a popularidade em baixa, Lula precisa desse cardápio de bondades para manter sua competitividade.
Assim, é difícil que do Planalto parta a iniciativa de cortar despesas — o que é impopular para qualquer administração, especialmente uma de esquerda. E a verdade é que o Congresso se encontra de tal forma confortável — já tem o acesso garantido a nacos cada vez mais vultosos do orçamento e, mesmo de posse deles, não absorve sua parte de responsabilidade no desajuste das contas públicas — que também não deve quebrar um galho para o governo. Especialmente no momento em que fareja fraqueza e já observa que há ganhos maiores em embarcar em um projeto de oposição e garantir um bom lugar na próxima administração.
No entanto, o Congresso já sinaliza que, por meio de aumento de impostos, não virá um ajuste para segurar a explosão da dívida pública. Uma porque, de fato, já pegou na população a imagem de que o governo não faz os sacrifícios necessários, preferindo tomar cada vez mais recursos da sociedade para fechar as contas. Segundo, porque lobbies de setores com poder econômico encontram mais facilmente os ouvidos e corações dos parlamentares do que o interesse da maioria da população que vive de salário a salário ou na informalidade. E, para encerrar, Lula segue sem conseguir recuperar sua popularidade, e o centrão não vai morrer abraçado com um potencial candidato derrotado.
Nesse jogo de desconfiança de parte a parte, o governo de esquerda não quer embarcar numa política de cortes sociais e de investimentos públicos que pode sepultar as cada vez menores chances de reeleição sem ter nenhuma garantia de que o eleitorado lhe dará o voto pelo esforço. Lula não vai arrumar a cama para outro deitar. E o Congresso, que tem boas razões para desconfiar que as mãos do Planalto ajudam a balançar o berço das restrições que o STF (Supremo Tribunal Federal) tem imposto à orgia parlamentar com as emendas, não vê motivos para aprofundar uma aliança que teria mais cara de abraço de afogados do que de volta olímpica.
Contudo, não interessa — não ainda, ao menos — para a massa meio amorfa e clientelista que domina o Congresso e recebeu o apelido de Centrão um desembarque total do governo. Quando olha à direita, vê uma profusão de candidaturas buscando a viabilidade enquanto um ex-presidente denunciado por tentativa de golpe de Estado mantém todo o espectro refém de sua vontade enquanto busca mais do que sua sobrevivência política, um passe grátis de fuga da cadeia. E, impopular ou não, Lula sempre será um candidato competitivo. Algumas cartas boas caindo na mão do Presidente e a reeleição pode se configurar na hipótese mais provável.
Assim, o mais provável é que ambos os lados, passada a poeira do enfrentamento, estendam alguma bandeira branca temporária. O buraco causado pelo IOF pode ser reposto por alguma receita extraordinária, por mais contingenciamento de despesas — emendas parlamentares inclusas.
Depois de lambidas as feridas, cada lado dá um passo para trás, o governo acelera um pouco mais o empenho de emendas antes do contingenciamento, o Congresso entrega a isenção de IR até 5 mil reais mensais e o rompimento mais claro (mas nunca definitivo, já que o dia de amanhã não é do controle de ninguém) é adiado até o ano que vem.
Claro, há meios de o governo pagar para ver. Ingressar com ação no STF pelo IOF — ganharia fácil, já que, por óbvio, o Congresso exorbitou de suas prerrogativas constitucionais ao sustar o decreto. Pode tentar colar na sociedade a narrativa de que é impedido de governar pelos parlamentares, que atuam para proteger os desejos da elite. Em retorno, o Congresso pode deixar Lula sangrar na espera que sobre em outubro do ano que vem apenas um cadáver político. Para as eleições, o que vale é a imagem que ficar para a população. Numa guerra, a primeira vítima é a verdade. Nessa guerra entre Executivo e Legislativo, no entanto, a vítima pode ser a política fiscal.
*O jornalista Mário Sérgio Lima é estrategista de economia e política brasileira da consultoria internacional Medley Advisors.
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