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Alexandre Pellaes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ter empatia no trabalho é ser trouxa, ser estratégico ou ser humano?

fizkes/iStock
Imagem: fizkes/iStock

Colunista do UOL

07/07/2022 04h00

Nas ciências sociais, existe um termo chamado comportamento pró-social, que, de maneira resumida, significa o conjunto de ações e comportamentos voluntários destinados a beneficiar outra pessoa. Ou seja, comportamento pró-social é a escolha de um indivíduo de adotar um caminho de ação que traga benefícios para outra pessoa que não ele mesmo.

Há algumas semanas, tive a oportunidade de aprofundar estudos sobre o tema (especialmente, a partir do livro Estados Afetivos e Comportamento Humano das professoras Emma Otta e Vera Silvia Raad Bussab, do Instituto de Psicologia da USP), e imediatamente fiz a correlação entre esses comportamentos e os ambientes de trabalho: será que nossas estruturas organizacionais, os sistemas de gestão e a construção de relações nas empresas incentivam ou bloqueiam os comportamentos pró-sociais.

Para refletirmos sobre esse assunto, nos vale compreender que um comportamento pró-social facilmente poderá ser classificado como empatia, mas também poderia ser identificado com altruísmo, dependendo do contexto e da perspectiva em que for apresentado.

Empatia diz respeito à nossa capacidade de conexão com necessidades, emoções e experiências de outras pessoas. Pode ser uma tentativa consciente de compreensão, ou uma resposta emocional (e até física) ao reconhecer a experiência de outra pessoa. Por exemplo, você se conecta com a mãe que segura um bebê chorando sem parar enquanto ela o balança nervosamente para não incomodar as pessoas ao redor; você terá muita dificuldade em não bocejar quando vir alguém bocejando; e, provavelmente, você teria aflição e faria uma careta ao testemunhar uma pessoa enfiando uma agulha sob sua própria unha - talvez sinta a aflição apenas ao ler essa frase...

Já o conceito de altruísmo traz um contexto mais analítico (e, portanto, mais suscetível à influência social) pois considera um balanço entre a ação a ser realizada e o custo para seu agente, possivelmente exigindo um grau de assunção de prejuízo próprio. Por exemplo, o custo de defender uma pessoa e levar uma agressão em seu lugar; ou a decisão de abrir mão de uma viagem, para emprestar dinheiro a um amigo; ou ainda trabalhar até mais tarde para ajudar uma colega a terminar uma apresentação para o dia seguinte.

Empatia é conexão. Altruísmo é ação. Normalmente, estarão muito conectados, pois o caminho para a decisão de agir passa pela percepção da necessidade de outra pessoa e pelo surgimento de uma "faísca" ou de uma "preocupação empática", seguindo-se de uma análise de "custo-benefício" - que na nossa cabeça acontece como aquele incômodo "será que devo ajudar ou não?" (Você já deve ter se visto em uma situação de quase ajuda em que desistiu de agir e depois se arrependeu).

Haverá quem diga que o próprio conceito de altruísmo é um egoísmo disfarçado, pois a pessoa agiria para diminuir o seu próprio desconforto. No entanto, há diversos estudos que indicam que isso não é verdade - principalmente, porque o desconforto de não ajudar tende a sumir da nossa consciência mais rapidamente do que fica conosco a sensação positiva por ter ajudado.

Em um ambiente não competitivo, sem escassez e com segurança, nossa tendência será ajudar. O problema é que as estruturas sociais e organizacionais são tão toscas, que nos incitam a acreditar que quando outra pessoa conquista algo, as minhas chances de conquistar também ficam diminuídas. Ou seja, se seu melhor colega é promovido a gerente, uma voz interna diz "agora você não conseguirá essa promoção", enquanto você tenta ficar feliz por ele. Nesse exemplo, a sua empatia caiu numa cilada: como ficar feliz pela pessoa que representa o fim da sua oportunidade de crescimento?

Esse conflito nos causa incômodo e essa dinâmica organizacional é muito perigosa para nosso equilíbrio emocional, pois nos distancia da natureza positiva da colaboração, nos direcionando à competição e nos fazendo adotar uma nova estratégia de observação dos outros: a indiferença. (Ai! Até doeu, né?) Ou seja, deixamos de nos importar o suficiente para agir e ficamos anestesiados. Assim, o comportamento de colaboração some do mundo do trabalho.

Por essa razão (atenção, empresas!), é necessário rever os processos e desenhos organizacionais que sugerem a concorrência pelo sucesso, porque programas e treinamentos de trabalho em equipe não ganham da mensagem cultural transmitida diariamente dentro da estrutura.

Uma sociedade ou um grupo social incapaz de se comover e de se preocupar com o outro(a) perde força, principalmente porque, como diria o psicólogo Lev Vygotsky:

"O ser humano não nasce humano. Torna-se humano."

Portanto, ter empatia não é ser trouxa e nem é ser estratégico. É, simplesmente, aproveitar a oportunidade de ser cada vez mais humano.

Você acredita que sua empresa é um bom ambiente para a construção da empatia?

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Um abraço, boas reflexões e muito bom trabalho.

Lugares Incríveis para Trabalhar

O Prêmio Lugares Incríveis Para Trabalhar é uma iniciativa do UOL e da FIA para reconhecer as empresas que têm as melhores práticas em gestão de pessoas. Os vencedores são definidos a partir dos resultados da pesquisa FIA Employee Experience (FEEx), que mede a qualidade do ambiente de trabalho, a solidez da cultura organizacional, o estilo de atuação da liderança e a satisfação com os serviços de RH. A pesquisa já está na fase de coleta de dados das empresas inscritas e as empresas vencedoras devem ser anunciadas em agosto.