Camila Maia

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Opinião

A espiral da morte - por que a tarifa de energia vai continuar subindo

O Brasil é um país rico em recursos naturais necessários para praticamente todos os tipos de geração de energia. Vento, sol, água, minerais, petróleo, gás, resíduos orgânicos, biocombustíveis, até mesmo carvão mineral. Ainda assim, o país tem figurado nos últimos anos em inúmeros rankings que apontam as tarifas de energia como as mais caras do mundo. Tudo indica que o custo vai continuar subindo, especialmente para o consumidor residencial.

Isso não é culpa de uma fonte específica, mas do uso indiscriminado da tarifa de energia como financiadora de políticas públicas. Isso reflete os mais diferentes lobbies, abraçados pelo Congresso, mas também pelo próprio governo, prática que não é exclusividade de um partido ou lado político.

Nos próximos dias, o setor de energia ficará atento ao Congresso Nacional, que poderá derrubar vetos que impediram custos de cerca de R$ 20 bilhões a serem cobrados dos consumidores, pela tarifa, por 25 anos, beneficiando as PCHs (pequenas centrais hidrelétricas), carvão, gás, eólicas, hidrogênio e geração distribuída. Segundo a Frente Nacional dos Consumidores de Energia, se os vetos forem derrubados, os valores adicionais devem representar uma alta de 9% na conta de luz até 2050, equivalente ao custo de uma crise hídrica prolongada por 25 anos.

São os chamados "jabutis" inseridos na Lei 15.097/2025, sancionada no início de janeiro, que criou o marco legal para exploração de geração eólica offshore.

Como se trata de subsídios que beneficiam lobbies distintos, todos com fortes argumentos, a pressão pela derrubada dos vetos é grande, e o tema já está travando a pauta do Congresso Nacional, sobrestando as demais deliberações até que sejam avaliados pelos senadores e deputados.

"A tarifa hoje é usada para benefícios específicos ou políticas públicas que não deveriam ser custeadas pela tarifa. A situação já é gravíssima, ainda mais quando consideramos que o Brasil tem muita energia renovável e barata", aponta Angela Gomes, diretora técnica da consultoria especializada PSR. As políticas podem ser justas e necessárias, mas custeá-las pela tarifa tem efeitos indesejados na economia.

A especialista alerta que o cenário vai piorar, porque há leis em vigor que garantem benefícios futuros, sem falar nas discussões que acontecem hoje no Congresso, que vão além das polêmicas emendas do marco legal da geração de energia em alto mar.

Projetos de lei com esse tipo de efeito se multiplicam no Congresso Nacional. O PL 624/23, por exemplo, prevê substituir a tarifa social de energia elétrica pelo programa Rebe (Renda Básica Energética), mediante a construção de geração solar para abastecer as residências das famílias de renda mais baixa. Já o PL 1.956/2024 concede 36 meses adicionais para que as usinas incentivadas - renováveis com desconto na tarifa fio - iniciem a operação mantendo o subsídio.

Recentemente, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, se reuniu com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, para defender a publicação de uma Medida Provisória para garantir a contratação como energia de reserva de uma termelétrica a carvão (Candiota III, vendida pela Eletrobras à Âmbar Energia, da J&F, em 2023) cujo contrato foi encerrado ano passado, garantindo a economia da região, onde a usina gera cerca de 7.000 empregos.

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Ajuda na (im)popularidade

O tema da tarifa de energia em alta não passa despercebido do governo, que enxerga aí uma oportunidade para recuperar a popularidade perdida nos últimos meses. Na semana passada, o ministro Alexandre Silveira deu uma entrevista ao jornal O Globo em que prometeu enviar ao Congresso em dois meses um PL reformando o setor elétrico. A ideia é incluir na proposta uso de recursos públicos para bancar parte dos subsídios pagos na conta de luz, especialmente os não relacionados à geração de energia. O obstáculo é o orçamento.

Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, promete revisão de subsídios custeados pela tarifa
Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, promete revisão de subsídios custeados pela tarifa Imagem: Daniel Ramalho - 18.nov.2024/AFP

O ministro não deu detalhes sobre o PL em elaboração, e especialistas temem que seja mais uma tentativa de obter resultados de curto prazo, adiando problemas sem resolvê-los - a exemplo do que ocorreu em governos anteriores, como a MP 579 e a interferência na política de preços da Petrobras durante o governo Dilma Rousseff.

Na atual gestão, o governo Lula publicou a MP 1.212, chamada por Silveira de "MP do consumidor", mas que acabou tendo impacto positivo de apenas 0,02% na tarifa, ao mesmo tempo em que prolongou o prazo para operação de projetos de geração incentivados, com desconto na tarifa fio subsidiado pela Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), encargo que sintetiza como o financiamento de políticas públicas é feito pela conta de luz.

Em 2025, a CDE deve custar aos consumidores R$ 36,5 bilhões. Em 2014, a mesma conta custou R$ 1,7 bilhão. Aquele foi o último ano em que o Tesouro bancou parte do encargo e, desde então, a conta ganhou novas despesas: neste ano, serão mais de R$ 16 bilhões em subsídios para energia incentivada, beneficiando geradores renováveis e grandes consumidores que financiam esses projetos, em troca de descontos na tarifa fio pagos pelos demais usuários da eletricidade. Outros R$ 10 bilhões vão subsidiar a geração nos sistemas isolados, regiões de difícil acesso que dependem de fontes caras, como óleo diesel, para ter algum tipo de energia. A tarifa social de baixa renda vai custar R$ 6,6 bilhões, e a universalização da energia no país outros R$ 4 bilhões.

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Essas cifras vêm sendo ampliadas por políticas públicas que, sem espaço para encaixar no orçamento da União, acabam fazendo da conta de luz um dos mais eficientes instrumentos de financiamento. O consumidor não sabe o que está pagando e não tem alternativa a não ser pagar - a menos que queira viver sem energia elétrica.

Instalar um painel solar no seu telhado, além de não ser uma alternativa viável financeiramente para a maioria, funciona como um paliativo individual, mas agrava o problema coletivo. O sol não brilha 24 horas por dia, e essa modalidade, a GD (geração distribuída), já responde por quase R$ 1 bilhão dos custos da CDE. Como a maior parte dos subsídios é implícita, a cifra real é bem maior.

No subsidiômetro da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), a GD já custou, apenas entre janeiro e fevereiro deste ano, R$ 2,15 bilhões em subsídios, acima dos R$ 1,9 bilhão em descontos na tarifa fio para consumidores e geradores renováveis.

O termo "espiral da morte" é muito usado para caracterizar a situação da tarifa de energia elétrica. O aumento da conta de luz afeta o orçamento das famílias e das empresas. Os grandes consumidores têm alternativas: buscam o mercado livre de energia, onde se livram de pagar diversos subsídios, acessam uma energia mais barata, e ainda podem se enquadrar como autoprodutores, com a compra de fatias em projetos de geração, o que garante isenção de grande parte dos encargos setoriais que tanto encarecem a energia.

O consumidor de baixa tensão não pode migrar - ainda - para o mercado livre e deixar a distribuidora, mas pode investir em geração distribuída, o que garante desconto bancado por subsídios implícitos ou via CDE. Sobra pagando a conta o cliente com menor condição financeira, com um valor mais alto, o que favorece a inadimplência na rede das distribuidoras.

Outro problema é que a tarifa de energia do Brasil é mais cara nas regiões mais pobres. Essas são as mesmas regiões que necessitam de mais investimentos, que serão, por sua vez, reconhecidos na tarifa no futuro, para que as distribuidoras sejam remuneradas. Uma primeira crise já aconteceu em 2023 no Amapá, quando a tarifa foi congelada e a saída foi pontual, via MP 1.212, com aporte de recursos para resolver o problema no curto prazo.

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"Em um horizonte de 10 anos, a tarifa de energia cresceu em linha com o IPCA, cerca de 125%. A parcela da distribuição cresceu menos de 100%. A parcela que mais cresceu foi de encargos setoriais, em torno de 290%, mas são políticas públicas que a Aneel tem obrigação de implementar", disse Sandoval Feitosa, diretor-geral da Aneel, em entrevista ao podcast MinutoMega em fevereiro.

Os desequilíbrios vão além da CDE.

A tarifa de Itaipu Binacional, ainda que tenha sido reduzida nos últimos dois anos, após o fim do pagamento da dívida contraída para a construção da hidrelétrica, continua sendo um mecanismo disfarçado para financiar políticas públicas.

Entre 2024 e 2026, o governo brasileiro garantiu com o Paraguai a manutenção da tarifa da usina em US$ 17,70 por KW.mês, enquanto o Paraguai continua cobrando US$ 19,28 por kW.mês. O acordo foi possível porque o lado brasileiro da usina está destinando ao abatimento da tarifa cerca de US$ 300 milhões por ano. Esse dinheiro vem do orçamento que Itaipu destina aos chamados "gastos socioambientais", despesas que contribuem com "o desenvolvimento sustentável no Brasil e no Paraguai".

Essas despesas, que não são fiscalizadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), vão para projetos sociais, infraestrutura, e até mesmo contribuíram com a construção de um viveiro das emas do Palácio do Alvorada, em Brasília. Tudo isso pago pelos consumidores de energia das regiões Sudeste, Centro-Oeste e Sul. Como o Brasil usa cerca de 80% da energia da usina, uma parcela importante das despesas socioambientais do Paraguai é custeada pela tarifa brasileira. Ou seja, o consumidor não só banca políticas públicas não fiscalizáveis no Brasil, mas no Paraguai também. Sem essas cifras, especialistas estimam que a tarifa de Itaipu poderia ser cerca da metade do pago hoje.

O futuro dessa tarifa a partir de 2027 ainda é desconhecido, e depende de uma negociação entre os governos brasileiro e paraguaio que deve ser concluída nos próximos meses.

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Obra da usina nuclear de Angra 3 está paralisada desde 2015
Obra da usina nuclear de Angra 3 está paralisada desde 2015 Imagem: Divulgação/Eletronuclear

Outra questão que deve ter impactos ao longo das próximas décadas é a decisão de investimento na usina nuclear de Angra 3. Estudos do BNDES estimam que a tarifa da usina, se construída, será de cerca de R$ 640/MWh. O cálculo considera tudo que foi gasto na obra e o que precisa ser pago na conclusão do projeto, mas o estudo é confidencial, e deixa muitos questionamentos pendentes.

A desistência do projeto, por sua vez, envolve despesas da ordem de R$ 21 bilhões. Segundo a Eletronuclear, esses valores também seriam arcados pelos consumidores.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.