Camila Maia

Camila Maia

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Reportagem

Mudança no cálculo da energia faz preço disparar e pode pesar no bolso

O PLD (Preço da Liquidação das Diferenças) chegou ao patamar de R$ 400 por megawatt-hora (MWh) nesta semana, mantendo uma alta que começou na virada de fevereiro para março, diante da previsão de chuvas mais fracas para os reservatórios das hidrelétricas do país neste mês.

Ainda não há, porém, motivo para preocupação em relação a uma possível crise de abastecimento de energia elétrica. O efeito prático, por enquanto, fica restrito ao mercado livre de energia, porque o PLD é uma referência para as operações de compra de venda daqueles que não são obrigados a comprar das distribuidoras.

No consumidor residencial, o impacto deve chegar em abril na forma de uma bandeira tarifária, uma cobrança adicional na conta de luz, mas ainda é cedo para saber qual será a bandeira acionada.

Modelos computacionais em xeque

Mais do que um impacto no consumidor final, essa alta dos preços está chamando a atenção dentro do mercado de energia porque reflete uma mudança nos modelos computacionais que são usados na formação de preço.

São três modelos usados na operação e nos preços: Newave, que estima os custos futuros de energia nos próximos cinco anos, considerando a água dentro dos reservatórios das hidrelétricas e as perspectivas de tendência de consumo de energia; Decomp, que é usado para refinar as projeções para os próximos dois meses, e Dessem, que tem horizonte de sete dias e dá preços horários.

Todo fim de mês, o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) e a CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica) "rodam" esses modelos para definir o custo necessário da operação do sistema e, consequentemente, os preços da energia. Semanalmente são feitas as rodadas dos sete dias seguintes, com base no resultado mensal.

São modelos computacionais complexos que levam em conta diversas premissas, como a perspectiva de chuvas para os reservatórios das hidrelétricas, a demanda e as limitações na capacidade de transmissão de eletricidade entre diferentes regiões do país. Todo ano são feitos ajustes, dependendo de necessidades indicadas pelo mercado, pelo governo, e pelas entidades que operam o sistema elétrico.

Menos chuvas, preço mais alto

Neste ano, ocorreram duas mudanças metodológicas importantes e polêmicas. Uma foi a implementação do chamado "Newave Híbrido". Antes, esse modelo de longo prazo via os reservatórios das grandes hidrelétricas do Brasil de forma agrupada, e passou a considerar de forma individualizada, com a finalidade de apresentar um resultado mais aderente ao visto na vida real. Outra mudança foi em parâmetros de aversão ao risco, que passaram a dar mais peso à previsão de chuvas futuras do que à situação dos reservatórios.

Continua após a publicidade

Embora a época típica das chuvas tenha começado bem, em dezembro, desde a metade de fevereiro as previsões meteorológicas passaram a apontar uma redução considerável das chuvas e um fim antecipado do período úmido. Março confirmou as projeções, e deve ter chuvas abaixo da média histórica em todo o país.

Por isso, mesmo os lagos das hidrelétricas estando até com maior quantidade de água (chama-se energia armazenada, no linguajar específico do setor elétrico) do que estavam um ano atrás, os preços estão mais de R$ 300 por megawatt-hora (MWh) mais caros. Em 16 de março de 2024, o PLD médio no Sudeste/Centro-Oeste era de R$ 61,07/MWh, o mínimo daquele ano, e os reservatórios dessa região estavam com 62% da capacidade total. Um ano depois, o PLD médio nessa região foi de R$ 409,69/MWh, e a energia armazenada chegou a 67% da capacidade máxima.

O Sudeste/Centro-Oeste é sempre usado como referência porque concentra quase 60% do consumo do país e cerca de 70% da capacidade de armazenamento das hidrelétricas. Outra mudança de março foi que a diferença de preços entre regiões cresceu significativamente. O Sul e o Sudeste/Centro-Oeste estão com preços mais altos, e o Norte e o Nordeste, que estão gerando mais nesse período, estão com preços no mínimo deste ano, de R$ 58,79/MWh.

O ONS, responsável pela operação do sistema, afirma que as mudanças nos modelos computacionais estão resultado numa operação mais aderente com a realidade e com o que o operador "vê" no seu dia a dia.

Os agentes privados, especialmente os que trabalham com comercialização de energia e têm áreas específicas voltadas para operação e preços, apontam inconsistências e problemas técnicos. Além disso, muitos estimam que o benefício do aumento tão grande de preços não vale o custo, porque seriam ganhos de armazenamento muito limitados.

O impacto no mercado livre deve ser significativo, com ajustes em contratos de grandes consumidores e até mesmo para os chamados varejistas — consumidores com conta de luz de cerca de R$ 10 mil, que passaram a poder comprar energia de qualquer fornecedor desde 2024 e certamente não contavam com essa volatilidade.

Continua após a publicidade

Novas mudanças nos modelos computacionais devem passar pelo CMSE (Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico), órgão presidido pelo MME (Ministério de Minas e Energia) responsável por avaliar as condições de suprimento de eletricidade no Brasil, e que passou esse ano a acumular a missão de tomar decisões estratégicas nesse tema, mas ainda não divulgou como vai funcionar, prazos, e as atividades que serão exercidas. Para passarem a valer nos modelos em janeiro de 2026, alterações precisam ser feitas até o fim de julho deste ano.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.