Camila Maia

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Reportagem

Tarifa social é vitrine da reforma elétrica de Lula

Com dificuldade para aprovar propostas de impacto econômico no Congresso, o governo decidiu apostar em uma bandeira social para abrir caminho à reforma do setor elétrico: a ampliação da tarifa social. A ideia é colocar o desconto na conta de luz como vitrine de um projeto de lei que deve ser enviado à Casa Civil nos próximos dias e encaminhado ao Legislativo até o fim do semestre — pelo menos é essa a expectativa do Ministério de Minas e Energia.

O plano é ampliar a gratuidade de energia elétrica para todas as unidades consumidoras com consumo de até 80 kWh por mês, beneficiando diretamente 4,5 milhões de famílias de baixa renda, ou cerca de 15 milhões de pessoas.

No total, são aptos à tarifa social cerca de 17 milhões de famílias cadastradas, um benefício que atende aproximadamente 60 milhões de pessoas. Aquelas com consumo superior aos 80 kWh continuarão beneficiadas, mas com isenção menor. O benefício não será reduzido, mas simplificado.

Hoje, a tarifa social é progressiva de acordo com a faixa de consumo, restrita aos beneficiários do CadÚnico (Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal) com renda per capita de até meio salário mínimo. Famílias com consumo de até 50 kilowatts-hora por mês são isentas da conta de luz, e quanto maior o consumo, menor o benefício, chegando a 10% de desconto para quem consome de 101 a 220 kWh ao mês.

O PL da reforma do setor será dividido em três eixos, e um dos tripés da reforma do setor elétrico busca simplificar esse desconto, que será de 100% até os 80 kWh por mês. A partir daí, o consumidor paga a conta, mas segue isento da CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), encargo setorial que custeia diversos subsídios, inclusive a própria tarifa social.

Se uma família consumir 100 kWh num mês, pagará tarifa pelos 20 kWh não isentos, mas continua sem pagar a CDE.

A proposta foi apresentada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, segundo fontes do MME, teria gostado do que viu, mas teria pedido uma regra de transição para as famílias do CadÚnico que não contam com a tarifa social. São aquelas que têm renda de 0,51 a 1 salário mínimo per capita. A resposta dos técnicos foi isentá-los da CDE. Assim, o bolo do encargo setorial não crescerá ainda mais.

A regra deve valer para as famílias com consumo de até 120 kWh ao mês, que não terão energia gratuita, mas também não pagarão a CDE.

Com a proposta, o Ministério de Minas e Energia busca demonstrar um compromisso com a justiça tarifária e criar uma narrativa favorável à tramitação da reforma.

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Sem espaço no Tesouro

Como não há espaço no orçamento fiscal para que o Tesouro banque a política social, os recursos devem vir da própria CDE, que hoje já banca R$ 6,5 bilhões ao ano pela tarifa social. A estimativa é que o montante suba para aproximadamente R$ 10 bilhões, o que levaria a um impacto médio de 1% nas contas de luz.

Para evitar o aumento da tarifa, a proposta prevê contrapartidas, como a revisão dos subsídios dados à autoprodução por equiparação, quando um consumidor se torna sócio de um projeto de geração, ainda que apenas no papel, e com isso garante isenção de encargos setoriais de forma proporcional à geração.

O objetivo é reduzir o número de consumidores que não contribuem com a CDE e reequilibrar o encargo entre os diferentes perfis de consumo.

A proposta conta ainda com outros eixos mais técnicos, fundamentais para que o aumento do desconto da tarifa social não agrave os desequilíbrios tarifários.

Alguns elementos estão no tripé do "reequilíbrio" da tarifa, que faz parte da proposta da reforma do setor. Esse eixo vai contar com propostas para reduzir os subsídios da conta de luz, principalmente os custeados pela CDE, cujo orçamento de 2025 é da ordem de R$ 40 bilhões.

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A tarifa social é apenas o quarto item que mais onera o encargo, e fica atrás de descontos nas tarifas de transmissão dados aos geradores e consumidores renováveis, do subsídio à geração distribuída, e da CCC (Conta de Consumo de Combustíveis), encargo que custeia a geração de energia em sistemas isolados, principalmente por termelétricas.

Ainda que o aumento da tarifa social represente um aumento dos subsídios custeados pela conta de luz, trata-se de um dos subsídios menos questionados do setor, já que beneficia consumidores que realmente precisam dos descontos.

Na semana passada, quando o ministro Alexandre Silveira anunciou a reforma em elaboração, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse a jornalistas que desconhecia os planos.

Segundo fontes do governo, técnicos da Fazenda participam das conversas da reforma, e contribuíram com ideias, incluindo alternativas para tirar outros subsídios da CDE. Segundo um interlocutor que falou sob condição de anonimato, "é lamentável a insensibilidade da Fazenda em não tentar prover recurso para uma política pública", mas, como não há espaço fiscal, o plano vai prosseguir com dinheiro do próprio setor elétrico.

Vontade política é um obstáculo

Ao adotar uma medida de forte apelo popular, o governo espera criar as condições para que o projeto de lei avance no Congresso, mesmo que parcialmente. Nos bastidores, deputados discutem um possível fatiamento da proposta para garantir a aprovação dos trechos mais consensuais, como a tarifa social e a abertura gradual do mercado livre para todos os consumidores até 2027 - a liberalização do mercado de energia está no terceiro tripé do projeto.

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Antes de chegar ao Congresso, o sucesso da estratégia ainda dependerá de fatores políticos, como a vontade da Casa Civil e da Secretaria de Relações Institucionais de abraçar a proposta.

Reportagem

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