Camila Maia

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Reportagem

Reforma da conta de luz esbarra em guerra de interesses

Uma semana depois de apresentar a proposta de reforma do setor elétrico a alguns jornalistas em Brasília, o Ministério de Minas e Energia (MME) ainda tenta encontrar a estratégia ideal para construir apoio institucional ao projeto, que tenta alcançar o reequilíbrio dos custos alocados na conta de luz retirando alguns subsídios que hoje beneficiam, principalmente, os grandes consumidores de energia.

'Timing' perdido

Com a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), o MME encontrou falta de disposição dos diretores em comparecer ao encontro. Foram apenas o diretor-geral, Sandoval Feitosa, e a diretora Ludimila Lima, junto a alguns técnicos da agência. Um dos ausentes, o diretor Fernando Mosna disse à Agência Infra que não iria participar porque "o timing da reunião foi perdido", já que o teor da reforma já havia sido divulgado, e o texto, encaminhado à Casa Civil.

Ontem, 24 de abril, foi a vez de receber representantes de mais de 20 associações do setor elétrico, em um encontro em que houve quase unanimidade em torno de pontos como a abertura do mercado e a ampliação do desconto ao consumidor de baixa renda, mas também contou com a defesa de "aprimoramentos" nas partes que tratam de reduções de benefícios e subsídios.

Geradores pedem manutenção de benefícios; MMGD entra em pauta

Enquanto agentes ligados à geração eólica e solar defenderam a manutenção de descontos na tarifa fio para consumidores, outros chegaram a pedir que a revisão dos subsídios fosse ampliada para o segmento de micro e minigeração distribuída (MMGD), dos pequenos geradores solares.

"Há interesses diametralmente opostos. Todos querem mexer nos subsídios dos outros, mas resistem a abrir mão dos seus próprios", disse uma pessoa que participou da reunião.

A ideia do MME é usar a ampliação do desconto para consumidor de baixa renda como vitrine e viabilizar assim uma aprovação do texto no Congresso, mas, para que o consumidor de energia não seja ainda mais onerado com subsídios, será preciso retirar benefícios de algum segmento. Por isso, o projeto limita a figura do autoprodutor, que conta com isenções de encargos com peso relevante na conta de luz, e tira um desconto relevante de grandes consumidores que compram energia renovável, referente à parte da tarifa que remunera o uso das redes elétricas.

A perspectiva de que dificilmente haveria consenso sobre a reforma foi um dos motivos para o MME avançar com o texto sem diálogo prévio, mas a divulgação na imprensa antes do debate técnico foi mal recebida pelas lideranças. "Se o projeto já foi para a Casa Civil, por que participar da conversa?", disse um líder de uma associação sob condição de anonimato.

Abertura para sugestões e ajustes

Técnicos do MME presentes no encontro, contudo, destacaram que ainda há espaço para interações e sugestões de melhorias feitas a partir dessas conversas. Mario Menel, um dos líderes do setor de energia, presidente do Fórum das Associações do Setor Elétrico (Fase) e da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia (Abiape), afirmou que o encontro foi proveitoso e abriu um canal de comunicação com o governo.

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"Embora o texto esteja na Casa Civil, ainda há, dentro do MME, espaço para melhorias, aprimoramentos e colocações. O secretário [de Energia] Gentil [Nogueira] pediu apenas para sermos objetivos nas sugestões, sem questões genéricas", afirmou Menel.

Segundo Menel, a reformulação ideal do marco legal do setor elétrico seria por meio de um projeto de lei amplo, como discutido em 2016 no escopo da Consulta Pública 33. "A proposta era completa, coesa, um documento único, e deu no que deu. Um documento belíssimo, mas que nunca avançou", afirmou. Por isso, a reforma "fatiada" por meio de pontos essenciais, como discutido agora pelo MME, parece uma alternativa viável.

A reforma defendida pelo MME é baseada em três eixos: aumentar o desconto tarifário para o consumidor de baixa renda, abrir o mercado de energia para que todos os consumidores, inclusive residenciais, possam escolher o seu fornecedor, e redução de subsídios ao grande consumidor, com a limitação da autoprodução e do desconto na tarifa fio.

Representantes de consumidores de energia eletrointensivos alegaram que o projeto vai deslocar custos para o setor produtivo. Geradores que usufruem dos benefícios argumentaram que os investimentos em projetos de geração foram planejados contando com a manutenção das regras. Até mesmo agentes não afetados diretamente pelas mudanças defenderam que o governo aproveite o momento para revisitar subsídios dos painéis solares.

Um agente resumiu parte da discussão: "Todos têm seus argumentos. Agora, é a hora de argumentar porque o seu ponto é mais importante que o do outro".

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