MP da tarifa social pode virar armadilha política em 2026

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A Medida Provisória 1.300, publicada em edição extra do Diário Oficial da União na noite do dia 21 de maio, é uma das principais apostas do governo para conquistar apoio popular em pleno ano que antecede as eleições presidenciais. Com forte apelo social, o texto amplia o subsídio na conta de luz para consumidores de baixa renda, garantindo gratuidade para quem consome até 80 kWh por mês, desde que inscrito no CadÚnico e com renda per capita de até meio salário mínimo. A medida, segundo o Ministério de Minas e Energia, vai custar cerca de R$ 3,6 bilhões por ano, pagos por todos os consumidores via CDE (Conta de Desenvolvimento Energético).
Para evitar que essa conta resulte em aumento de tarifa em 2026, a MP também extingue, a partir de janeiro do ano que vem, o desconto nas tarifas de uso da rede (o chamado "fio") para grandes consumidores, como indústrias eletrointensivas, de energia renovável. Como os contratos de compra de energia com o desconto que tenham sido registrados na CCEE serão respeitados, ainda não é possível estimar quanto dos R$ 10 bilhões por ano gastos com esse subsídio serão efetivamente eliminados em 2026.
Interesses distintos e questionamentos à MP
Na prática, a MP caminha sobre terreno minado. De um lado, garante a gratuidade a 7 milhões de consumidores de baixa renda, que já começarão a sentir o benefício em até 45 dias, prazo que as distribuidoras têm para adaptar as tarifas. A ideia é clara: criar uma base de apoio popular que pressione o Congresso a aprovar a MP antes que ela caduque. De outro lado, mexe com interesses de grandes grupos econômicos, como geradores renováveis e grandes consumidores de energia, que perderão subsídios importantes e já se mobilizam para alterar o texto durante a tramitação.
O risco é que o Congresso mantenha apenas a expansão da tarifa social, eliminando os mecanismos de compensação que dariam sustentação à medida.
Um fator adicional de ruído é que, embora a tarifa de energia fique gratuita para os beneficiários da tarifa social, alguns estados ainda cobram ICMS sobre a parcela da conta custeada pela CDE. Isso significa que os consumidores que consomem até 80 KWh por mês e serão contemplados com gratuidade pela MP podem continuar recebendo faturas de energia com cobranças residuais, como ICMS e a contribuição para a iluminação pública (Cosip).
Situação semelhante ocorreu durante a pandemia, quando o governo federal garantiu a gratuidade temporária da conta de luz para baixa renda. O problema é que, embora o ICMS seja um tributo estadual, o desgaste político tende a recair sobre o governo federal.
A disputa promete ser dura. Além disso, a determinação de que os contratos com energia incentivada precisam ter montante definido e registrado na CCEE até dezembro de 2025 para manter o benefício também promete briga. A prática de registrar contratos sem montante, usada amplamente por comercializadoras e grandes consumidores para viabilizar a gestão flexível dos contratos de longo prazo, está sendo tratada como tentativa de fraudar a norma.
A CCEE deverá apurar desvios e aplicar encargos extras, e indícios de fraude deverão ser comunicados à Aneel, que poderá abrir processo sancionador. Ainda que o governo sustente que o desconto é uma expectativa de direito do consumidor, e não um direito adquirido, agentes afetados prometem levar a discussão à Justiça.
Outro ponto crítico é o fim da chamada autoprodução por equiparação. Com a MP, só será possível enquadrar novos projetos como autoprodutores se tiverem carga contratada de pelo menos 30 MW e participação societária mínima de 30% no projeto gerador. Contratos em andamento têm 60 dias para apresentar documentação comprobatória à CCEE. Depois disso, apenas novos empreendimentos poderão ser estruturados nessa modalidade, o que impacta diretamente os modelos de negócio de grandes consumidores e comercializadoras.
Vitrine que pode virar estilhaço
A questão é que, se o Congresso recuar nesses pontos e mantiver apenas a ampliação da tarifa social, o efeito final será o aumento da CDE e, consequentemente, da tarifa para os demais consumidores. E aí, o que era para ser uma vitrine pode virar um estilhaço: um aumento de tarifa em 2026, ano eleitoral, é um risco que nenhum governo deseja correr.
Não seria a primeira vez que uma tentativa de usar a conta de luz como vitrine eleitoral acaba em desastre.
Em 2012, o governo de Dilma Rousseff lançou a MP 579, depois convertida na Lei 12.783/2013, com a promessa de reduzir em 20% as tarifas de energia às vésperas das eleições de 2014. O tiro saiu pela culatra: Cemig, Copel e Cesp recusaram as condições impostas para renovação das concessões no regime de cotas, gerando um desequilíbrio contratual que se agravou com a seca de 2014. A presidente segurou o tarifaço, adiou o uso das bandeiras tarifárias, mas em 2015 vieram reajustes extraordinários acima de 50% para várias distribuidoras. Desde então, o setor ainda convive com os problemas que nasceram naquela MP.
Para especialistas, o texto da MP é positivo: corrige distorções, reduz subsídios ineficientes e abre caminho para um mercado mais transparente e competitivo. Mas é incompleto. A geração distribuída, por exemplo, ficou de fora. E, como sempre no setor elétrico, o sucesso da proposta vai depender do quanto cada grupo de interesse conseguir preservar ou recuperar seus benefícios.
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