Camila Maia

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Reportagem

Setor elétrico alerta para risco de blecaute no futuro com atraso em leilão

Depois de uma série de adiamentos, o próximo leilão para contratação de usinas que reforcem a capacidade de atendimento aos picos de demanda por eletricidade pode acabar ficando para 2026, aumentando a pressão sobre o planejamento do setor elétrico. Se o problema não for resolvido a tempo, pode haver risco de blecaute e o governo pode precisar fazer um leilão emergencial, com preços bem mais altos, onerando ainda mais a conta de luz.

Com o atraso, o governo precisa tomar medidas emergenciais, como antecipar contratos, acionar de usinas descontratadas e estímulo a programas de redução de consumo em horários críticos por grandes consumidores. Até o retorno do horário de verão voltou a ser considerado.

O cenário incerto para o Leilão de Reserva de Capacidade na forma de Potência (LRCap) foi discutido por representantes do governo e lideranças setor elétrico em evento realizado pela MegaWhat em Brasília nesta semana. Depois de descumprir muitas promessas sobre a data do leilão, no início deste ano, o governo agendou a disputa para 27 de junho. Há cerca de dois meses, porém, decidiu suspender o certame, após investidores ligados às termelétricas irem à Justiça pedir mudanças nas regras, que chegaram a ser alteradas três vezes antes do cancelamento.

Como foi cancelado, todos os processos precisarão ser refeitos, com realização de consulta pública pelo Ministério de Minas e Energia (MME) antes da definição das diretrizes. Na ocasião, o governo prometeu abrir uma nova consulta célere para garantir o certame ainda em 2025, mas dois meses se passaram e ainda não há previsão de retomada. Impasses sobre o custo do transporte de gás e a flexibilidade dos produtos ainda estão sendo discutidos dentro da pasta.

Considerando os prazos mínimos necessários para organizar um leilão do zero e o fato de que os novos contratos devem começar a entrar em operação em setembro de 2026, se uma portaria não sair nas próximas semanas, será inevitável que o LRCap seja postergado para o ano que vem.

Potência para atender a demanda por eletricidade nos horários de pico

Esse tipo de leilão serve para contratar usinas capazes de entregar potência firme nos momentos de pico de consumo, como no fim da tarde e início da noite. As usinas ficam disponíveis ao sistema e recebem uma receita fixa para isso, mas só são acionadas se necessário na operação.

Até hoje, apenas um leilão do tipo foi feito, em 2021, e desde 2023 o governo promete uma nova contratação de usinas despacháveis, como termelétricas e hidrelétricas, para compensar o avanço das fontes renováveis intermitentes, como solar e eólica, que não funcionam o tempo todo.

"Acabou o estoque, a gente não tem mais potência, e como a ponta de carga cresce 3 GW por ano, mas está tudo equilibrado, não tem usina descomissionando, não tem usina entrando, todo ano vai ter que fazer leilão para contratar 3 GW de potência", disse Alexandre Zucarato, diretor de Planejamento do ONS, durante o evento.

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Se o leilão tivesse sido mantido em junho, haveria contratação de termelétricas existentes com início de vigência dos contratos em setembro deste ano. O ONS, que é a entidade responsável pela operação do conjunto de usinas e linhas de transmissão do país, calcula um déficit potencial de 4,2 GW para outubro. Esse numero foi calculado considerando critérios de segurança na operação e as previsões de demanda máxima por energia elétrica do país.

Medidas emergenciais

Como o certame foi cancelado, o ONS recomendou uma série de medidas de mitigação ao Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), órgão responsável por acompanhar e avaliar a segurança e continuidade do fornecimento de energia elétrica no país. Algumas medidas já foram tomadas, como a antecipação de mais de 2 GW em contratos de termelétricas que venceram o primeiro e único LRCap já feito, o de 2021, que entrariam em operação em julho do ano que vem, e vão ficar disponíveis ao sistema em agosto deste ano, no caso das usinas do Sudeste, e em outubro, no caso das usinas do Nordeste.

Outras medidas emergenciais envolvem o acionamento de usinas descontratadas e estímulo a programas de redução de consumo em horários críticos por grandes consumidores. Até o retorno do horário de verão voltou a ser considerado.

Essas medidas são eficazes no curto prazo, mas têm custo elevado e não resolvem o problema estrutural. A partir de 2027, será preciso contar com recursos novos, ou seja, novas usinas termelétricas e o aumento da capacidade das hidrelétricas existentes. Novas hidrelétricas também seriam bem-vindas do ponto de vista da operação, ainda que do ponto de vista ambiental isso seja mais complexo.

O desafio é que um leilão desse porte exige tempo. A Aneel calcula que são necessários ao menos seis meses entre a publicação das regras e a realização da sessão pública, prazo pode ser maior dependendo da complexidade do certame.

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Quanto mais diferente for o novo modelo proposto pelo governo, maior o tempo de análise. "Se for um leilão com vários produtos, com atributos diferentes, com novas formas de precificação, é natural que isso demande mais tempo da equipe técnica e maior risco de judicialização se não for bem fundamentado", afirmou Ivo Sechi Nazareno, secretário de Leilões da Aneel.

Riscos cada vez maiores

A demora aumenta o risco para os anos seguintes. Projetos novos, especialmente térmicas e hidrelétricas com expansão de capacidade, demoram para sair do papel. Além disso, há uma disputa global por equipamentos para termelétricas, o que pode causar atrasos na entrega se o Brasil demorar a fechar contratos.

O formato do novo leilão também é tema de debate, assim como a demanda que será destinada a cada uma das fontes. Outra discussão que travou a publicação das novas regras do LRCap é o repasse do custo do transporte de gás. As transportadoras da molécula defendem que o custo seja somado diretamente à tarifa de energia, sem fazer parte do preço ofertado em leilão, o que é visto por técnicos como subsídio implícito, mas ainda assim tem defensores dentro do governo.

O cenário expõe a dificuldade de coordenação entre decisões técnicas e políticas. "É um problema de governança. O operador já mostrou que precisa de potência, mas a decisão ainda não saiu", afirmou Edvaldo Santana, ex-diretor da Aneel. Para ele, a decisão deveria ser técnica. "O operador do sistema diz para a Aneel do que precisa, a Aneel conversa com o poder concedente, desenha e faz o leilão", disse.

Segundo Gentil Nogueira, secretário de Energia do Ministério de Minas e Energia (MME), não há justificativa para a "guerra de atributos" das fontes, já que haverá necessidade de contratação de muitos gigawatts de potência e flexibilidade nos próximos anos. "A gente vê essa disputa com relação ao leilão, mas o que enxergamos estruturalmente é que tem espaço para todo mundo", afirmou.

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Além das termelétricas e hidrelétricas que vão participar desta disputa, o secretário também vê oportunidade para as baterias para armazenamento no futuro, ainda que num primeiro leilão, também ainda sem data, terão presença em caráter "experimental". "Mas, já antevemos a necessidade de muita bateria no Brasil nos próximos anos, então acho que há espaço para todo mundo."

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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