Camila Maia

Camila Maia

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Reportagem

Zema prometeu privatizar, mas tenta entregar Cemig à União

A adesão de Minas Gerais ao Propag (Programa de Pleno Pagamento de Débitos com a União) transformou a histórica promessa de privatização da Cemig em um processo de federalização. Pressionado a reduzir o endividamento do estado, o governo mineiro aceitou entregar ativos à União como parte do pagamento, e a principal moeda de troca na mesa é justamente a maior estatal mineira, que pode passar ao controle do governo federal.

Desde que assumiu o governo de Minas Gerais em 2019, Romeu Zema (Novo) defende a privatização da Cemig como uma de suas principais bandeiras. Ainda durante a campanha de 2018, prometeu vender a estatal de energia e a Copasa (de saneamento) como solução para as finanças estaduais. Mas até 2023, pouco avançou nesse sentido. Foi só em seu segundo mandato que ele enviou à Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que visa eliminar a necessidade de referendo popular (hoje exigido pela Constituição estadual) para permitir a venda das empresas.

A CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da ALMG discutiu o tema em reunião extraordinária na sexta-feira, 13 de junho, mas adiou a votação do parecer, que deve ficar para depois do retorno do feriado desta semana. A resistência é grande, sobretudo da oposição e da base política do presidente Lula, ainda que a alteração seja necessária para a transferência da empresa para o controle da União.

Incerteza futura

Não está claro qual será o desfecho da estatal mineira. A Cemig é uma estatal de economia mista, ou seja, além do governo, tem também sócios privados. O estado mineiro tem 50,97% das ações ordinárias, com direito a voto, mas no total sua participação no capital social é de 17%, já que praticamente não tem ações preferenciais (sem direito a voto, mas com outras vantagens, como prioridade no recebimento de dividendos).

Os demais acionistas, donos de ações preferenciais ou ordinárias, têm o direito ao chamado "tag along", mecanismo de proteção para minoritários em caso de mudança de controle. Se a União assumir as ações do governo mineiro na Cemig, precisará estender a oferta aos demais, com um preço equivalente ao valor atribuído à participação do governo.

Considerando o fechamento das ações da Cemig no dia 16 de junho, o valor de mercado da empresa é de R$ 34,8 bilhões, sendo R$ 7,3 bilhões correspondentes à fatia do governo mineiro na empresa. Excluindo essas ações e as já detidas pelo BNDES, que tem 11% da empresa, a União poderia ser obrigada a desembolsar R$ 25 bilhões numa aquisição.

Se a PEC que permite mudar o controle for aprovada, as duas partes vão negociar qual o valor das ações. O governo mineiro deve brigar por uma avaliação favorável, com prêmio pelo controle, para abater mais dívida com a operação. Quanto maior o preço, maior a chance dos minoritários aceitarem uma oferta equivalente da União.

A União, por sua vez, não deseja nem pode fazer um desembolso de tal tamanho, pelas restrições orçamentárias.

Continua após a publicidade

Alternativas

Para contornar essa obrigação, técnicos do governo mineiro e interlocutores do Ministério da Fazenda discutem alternativas. Um dos cenários possíveis seria o governo de Minas privatizar primeiro a Cemig — o que diluiria o controle — e depois transferir as ações remanescentes à União. O desafio, nesse cenário, está na avaliação do preço das ações. Investidores tendem a ver um "desconto", dado o menor potencial de valorização de investimentos em estatais. Logo, a oferta de ações no mercado esbarraria num preço não atrativo, possivelmente inferior ao mínimo estabelecido pelo Tribunal de Contas da União (TCU) para dar o aval à operação.

Outro caminho seria a própria federalização da Cemig como está, com a transferência da participação estadual ao governo federal, o que exigiria a obtenção de um waiver (uma espécie de renúncia) dos demais acionistas para que o tag along não seja exigido - também improvável.

O governo de Minas pode ainda privatizar a Cemig numa operação no mercado de capitais, transformando a empresa em uma corporação, sem controlador definido, nos moldes do que foi feito com a Eletrobras e a Copel. A alternativa tende a maximizar o valor extraído na operação, e os recursos podem ser transferidos ao caixa da União. Neste caso, contudo, a já grande resistência da Assembleia Legislativa de Minas Gerais seria ainda maior, dificultando o caminho da PEC necessária para a mudança de controlador.

O governo mineiro, que já deixou de ser protagonista no processo, pode terminar sem a adesão ao Propag, ao mesmo tempo, em que Zema tenta se cacifar para disputar a presidência como candidato da direita.

Não por acaso, é seu vice, Mateus Simões, também do Novo, que tem conduzido as negociações estratégicas com os deputados e com a União.

Continua após a publicidade

Candidato a suceder Zema, Simões se reuniu ontem com Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia do governo Lula, para discutir um investimento em gasodutos no estado. Zema, em viagem oficial a China, nada mencionou sobre o encontro, mas marcou presença nas redes sociais, atacando o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com uma montagem referente às suas férias no meio da crise do IOF.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.