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Carla Araújo

Bolsonaro esquece o passado e perde primeira batalha para o Judiciário

5.jun.2020 - Presidente Jair Bolsonaro na rampa do Palácio do Planalto  - Edu Andrade / Estadão Conteúdo
5.jun.2020 - Presidente Jair Bolsonaro na rampa do Palácio do Planalto Imagem: Edu Andrade / Estadão Conteúdo

Do UOL, em Brasília

17/06/2020 20h12

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O presidente Jair Bolsonaro inovou em algumas frases nesta quarta-feira (17) para comentar os embates recentes entre o Executivo (e seus apoiadores) e o Poder Judiciário, mais precisamente o STF (Supremo Tribunal Federal), que tem tomado decisões de forma coesa e mostrando que o presidente está perdendo a atual batalha.

Hoje, por 9 a 1, o STF decidiu manter o ministro da Educação, Abraham Weintraub, na mira do inquérito que apura ameaças, ofensas e fake news disparadas contra integrantes da corte e seus familiares.

Além disso, em julgamento iniciado na manhã de hoje, a corte alcançou a maioria de seis votos a favor da continuidade do inquérito das fake news.

O ministro do STF, Alexandre de Moraes, em discurso enfático hoje durante o julgamento, disse que os ataques que os ministros da corte estão sofrendo não são liberdade de expressão e sim bandidagem.

As decisões e as falas duras dos ministros do STF mostram que a queda de braço entre os Poderes tende a ter muitos novos capítulos.

Pela manhã, ao falar com apoiadores no Alvorada, Bolsonaro afirmou que não seria o primeiro "a chutar o pau da barraca", mas explicitou o incômodo com as últimas operações policiais que atingiram aliados bolsonaristas e mostrou esquecer de um passado recente de decisões judiciais.

"Eles estão abusando, isso está a olhos vistos. O ocorrido no dia de ontem, quebrar sigilo de parlamentar, não tem história vista numa democracia por mais frágil que seja", disse.

Aqui, se por um lapso ou por conveniência, o presidente esqueceu que o antigo governo de Michel Temer não só existiram operações de quebra de sigilo de autoridades, como o próprio presidente foi alvo de pedido similar pelo STF.

Decifrando o presidente

A frase mais incógnita de Bolsonaro hoje foi "está chegando a hora de colocar tudo em seu devido lugar". As palavras do presidente dão margens a diversas interpretações.

Ministros questionados pela coluna disseram que o presidente explicaria o que quis dizer durante seu discurso na cerimônia de posse do novo ministro das Comunicações, Fábio Faria.

Horas depois, na fala feita no Salão Nobre do Palácio do Planalto, lotado em meio a uma pandemia de coronavírus, Bolsonaro optou por um tom mais ameno e também não deixou claro como estaria planejando suas reações.

"Não são as instituições que dizem o que o povo deve fazer, ao contrário, o povo é que diz o que as instituições devem fazer", disse o presidente.

De novo fica a pergunta: foi uma tentativa de defender seus apoiadores — alguns alvos de prisão — ou um chamado do presidente por mais apoio popular?

"Ele cumpre o que está escrito na Constituição e os outros poderes devem fazer o mesmo", tentou explicar um ministro sobre a declaração do presidente.

Democracia e pandemia

O presidente tem o direito de divergir de decisões de outros Poderes, tem na Constituição meios para entendimentos com as outras esferas, mas precisa ter cautela ao falar para apoiadores que "não pode assistir calado enquanto direitos são violados e ideias perseguidas".

Essa última afirmação foi feita para o seu "exército virtual", ontem à noite no Twitter, quando disse também que tomaria "todas as medidas legais possíveis para proteger a Constituição e a liberdade do dos brasileiros".

Hoje, em cerimônia oficial, Bolsonaro disse pelo menos uma frase que não pode ser contestada: "a vida se faz de momentos". E, no momento, além da crise política, o Brasil infelizmente ainda vive uma crise de saúde no enfrentamento do coronavírus.

Outra verdade dita pelo presidente hoje — com a presença do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e a do STF, Dias Toffoli na cerimônia — é que os Três Poderes têm o compromisso de respeitar a Constituição e "uma enorme responsabilidade com o destino desta nação".

Talvez o presidente pudesse, por exemplo, informar à população brasileira se efetivará ou escolherá um ministro da Saúde para que o país consiga vencer a pandemia. Há mais de um mês com o general Eduardo Pazuello de interino, e depois de duas trocas no comando da pasta, hoje o Brasil registrou 1.269 mortes e mais de 32 mil novos casos.

Com um total de 46.510 óbitos, o país ultrapassou em mais de 10 vezes o número de mortes da China — onde a pandemia se originou.