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Carla Araújo

REPORTAGEM

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Chefe da Petrobras defende lucro e diz que tabelar gasolina não funciona

General Joaquim Silva e Luna, presidente da Petrobras - Marcelo Camargo/Agência Brasil
General Joaquim Silva e Luna, presidente da Petrobras Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Do UOL, em Brasília

17/10/2021 04h00Atualizada em 17/10/2021 09h45

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Em meio à disparada no preço dos combustíveis e com a Petrobras no centro de críticas, inclusive da classe política, o presidente da maior estatal do país, general de Exército da reserva Joaquim Silva e Luna, defendeu sua gestão e negou que a empresa seja a responsável pela alta dos preços. Só neste ano, a Petrobras subiu a gasolina em 60% nas refinarias, e o diesel, em mais de 50%.

Em entrevista exclusiva à coluna, o general disse que a empresa não vai aceitar intervenção, que o "tabelamento de preços sempre trouxe as piores consequências", que a busca pelo lucro não deve ser condenada e que a decisão sobre privatizar ou não a empresa cabe ao governo.

Para ele, há atualmente uma espécie de "caça ao bode expiatório" e que "o melhor antídoto é a informação".

O que evita o desabastecimento nos mercados e viabiliza o crescimento equilibrado da economia é justamente a aceitação de que os preços são determinados pelo mercado, não por 'canetadas'.
Silva e Luna

A atual política de preços da Petrobras está em vigor desde o governo do presidente Michel Temer, que estabeleceu a chamada política de paridade internacional (PPI), repassando os aumentos dos preços do petróleo no mercado internacional e também do dólar. Só a moeda subiu quase 30% em 2020 e acumula alta de 5% neste ano.

O fortalecimento do dólar em âmbito global e, em especial, no Brasil, tem alavancado os preços das commodities e incrementado a inflação. Mas essas incômodas verdades não parecem muito apelativas.
Silva e Luna

O presidente Bolsonaro tem repetido que a inflação é um problema mundial. No entanto, dados mostram que o problema brasileiro é bem pior do que em outros países. Especialistas ouvidos pelo UOL destacam que uma das razões para isso é o ambiente político conturbado, incluindo a conduta do próprio presidente.

Nesta semana, ao reclamar que não podia controlar os preços, Bolsonaro afirmou que tinha vontade de privatizar a empresa e que iria verificar com a equipe econômica essa possibilidade. No último dia 8, a Petrobras anunciou mais um aumento, desta vez de 7,2% nos preços da gasolina e do gás de cozinha em suas refinarias.

Questionado sobre o que pensa a respeito da privatização, Silva e Luna disse apenas que essa decisão cabe ao governo. "Considero que essa é uma escolha do acionista majoritário [o governo]".

'Petrobras não tem como controlar preços'

O general está há cinco meses no comando da Petrobras —é o primeiro militar a presidir a estatal desde 1989. Mas está no governo Bolsonaro desde fevereiro de 2019, quando foi nomeado para o comando de Itaipu. Foi esse último posto que o credenciou para a Petrobras. Ele foi alçado ao cargo após o avanço seguido dos preços dos combustíveis e as críticas de Bolsonaro à gestão Roberto Castello Branco.

Mas na gestão Silva e Luna a política de preços foi mantida, e os preços continuaram em alta.

O general afirmou que a estatal tem atuado para assegurar o crescimento equilibrado da economia para a recuperação da pandemia. Sobre o custo dos combustíveis, o general disse que o cenário é mais complexo e que o cidadão precisa entender as variáveis que impactam o preço nas bombas.

"É importante entender que a Petrobras não tem nem a capacidade nem a legitimidade para controlar os preços de combustíveis praticados no Brasil", afirmou, acrescentando que a empresa tem conseguido bons resultados mesmo com a crise econômica.

No Brasil, a gasolina não está barata. A inflação se acelerou. E há quem atribua a culpa à Petrobras. E não veem que, nesse ambiente caótico, graças à sua gestão eficiente, a empresa tem conseguido gerar lucro capaz de pagar suas dívidas, investir fortemente e pagar tributos e dividendos.
Silva e Luna

Pandemia, retomada e crise hídrica

Para justificar a alta dos combustíveis, Silva e Luna diz ainda que a sociedade vive atualmente as consequências da pandemia e da retomada econômica.

"A redução da oferta global de energia fóssil, programada na eclosão da covid, em 2020, e estimulada pelo voluntarismo excessivo da transição energética, tornou a energia muito escassa nesse momento de alta demanda, com a retomada da atividade pós-vacinação", disse.

Com o país vivendo uma de suas piores crises hídricas em 90 anos, Silva e Luna diz que os fatores climáticos, como "pouca chuva e pouco vento", também interferem neste cenário.

'Busca por lucro não deve ser condenada'

Silva e Luna afirma que o primeiro passo para entender a atual situação da Petrobras é "revisitar o passado" e reforçar que a busca por lucro não deve ser "condenada".

"Em 2015, 80% da Petrobras pertencia aos credores, aos bancos. Em um único ano, ela pagou de juros mais do que quatro refinarias baianas (RLAM), direto para o sistema financeiro", disse.

Por causa de pressões políticas, a Petrobras era uma máquina de gerar prejuízo, diz o general, lembrando que a dívida da estatal chegou a US$ 160 bilhões.

Lucrar não era importante, gastou-se e investiu-se de forma perdulária. A empresa foi pressionada a agir como um braço político da época. A conta levou a Petrobras à beira da falência.
Silva e Luna

Impostos de cinco vezes o Bolsa Família

Silva e Luna diz que sua gestão conseguiu reestabelecer o lucro e liquidar mais de US$ 100 bilhões da "estratosférica dívida acumulada".

Em 2021, a estimativa é que a estatal pague em impostos para União, Estados e municípios algo em torno de R$ 177 bilhões, o que representa, aproximadamente, cinco vezes o gasto com o programa Bolsa Família no período.

A Petrobras não persegue o lucro pelo lucro, mas porque precisa fazer investimentos de olho na transição energética e, por isso tem pressa no pré-sal.
Silva e Luna

O general afirma que, no fim de 2019, a Petrobras investiu mais de R$ 60 bilhões para pagar o ingresso e ter o direito a explorar mais do pré-sal. "Essa ação custou 150% do lucro obtido naquele ano. A empresa reinvestiu o resultado do seu bom desempenho, porque acredita na sua capacidade de explorar reservas e gerar mais riqueza para o Brasil", disse.

'Tabelar preços tem as piores consequências'

Silva e Luna defende a abertura do mercado e diz que, desde 2002, o Brasil tem trilhado um caminho que incentivou a vinda de importadores e de novos produtores para o Brasil.

Mesmo com a abertura, o general diz que a Petrobras não é capaz de abastecer o país sozinha com gasolina, diesel, GLP e gás natural.

"Se prevalecesse a decisão de tentar represar preços via Petrobras, as outras empresas do setor iriam processar a companhia por preço predatório [artificialmente baixo] e venderiam seus produtos no exterior ou abandonariam o Brasil", diz.

Segundo o general, mais do que bem-vindos, novos investidores são vitais para o Brasil. "E só virão e permanecerão aqui se os preços de mercado forem respeitados".

Sem citar nominalmente a ex-presidente Dilma Rousseff, Silva e Luna diz que decisões de governos passados, que optaram por congelamento de preços, se mostraram completamente equivocadas.

Calcula-se que, entre 2011 e 2014, durante a gestão da petista, a política de controle da inflação, por meio do represamento do preço da gasolina, tenha gerado perdas de cerca de R$ 40 bilhões somente para os produtores de etanol.

O Brasil já tentou medidas heterodoxas em outros momentos, sempre sem sucesso. Tabelar preços sempre trouxe as piores consequências econômicas para qualquer país que o faça. E ninguém imagina cometer erros velhos.
Silva e Luna