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Carlos Juliano Barros

REPORTAGEM

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Após reforma trabalhista, Espanha discute algoritmo contra roubo de salário

Pelo menos 44% das horas extras na Espanha não são devidamente remuneradas, dizem pesquisas - Reprodução / Ministério do Trabalho da Espanha
Pelo menos 44% das horas extras na Espanha não são devidamente remuneradas, dizem pesquisas Imagem: Reprodução / Ministério do Trabalho da Espanha

07/06/2022 04h00

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Depois de liderar no ano passado uma ampla reforma legislativa para combater a precarização, a ministra do Trabalho da Espanha, Yolanda Díaz, anunciou o plano de criar um algoritmo para fiscalizar —e cobrar— horas extras não pagas.

De acordo com dados oficiais, calcula-se que todo mês cerca de 27 milhões de horas extras são realizadas na Espanha. Pelo menos 44% delas não são devidamente remuneradas. Em uma palestra reproduzida por jornais locais, Díaz afirmou que se trata da cifra mais baixa desde 2011. "Essa realidade é inaceitável", completou.

Ainda não há informações de como o algoritmo operaria na prática. A expectativa é de que a pasta comandada por Díaz apresente detalhes em breve. Mas a ideia da ministra não é a de apenas conter o que na literatura especializada internacional se convencionou chamar de "wage theft" —em português, roubo de salário.

Na realidade, a principal preocupação de Díaz é incrementar a produtividade dos espanhóis - hoje, uma das mais baixas da Europa - e diminuir o tempo de jornada, sem reduzir a remuneração. Ela afirmou que é preciso "abrir o debate" e que estudos apontam justamente para uma queda no índice de produtividade à medida que cresce o número de horas trabalhadas.

A fala da ministra, apontada como potencial sucessora do atual presidente de governo Pedro Sánchez, aconteceu durante um fórum sobre a redução da jornada oficial na Espanha para quatro dias - ou 32 horas semanais. Díaz, no entanto, fez questão de manter certo distanciamento da proposta, classificada por ela própria como "muito rígida".

Cruzamento de dados

No Brasil, "a prática da realização de trabalho sem o pagamento do salário subsequente é ainda bastante recorrente", afirma Renato Bignami, auditor fiscal do Trabalho e autor de diversos artigos acadêmicos sobre o tema.

Segundo o artigo 74 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a anotação de entrada e saída do expediente só é obrigatória para estabelecimentos com mais de 20 empregados. Para empreendimentos de pequeno porte, no entanto, não há essa exigência.

"Essa dispersão disseminada dificulta enormemente o trabalho de fiscalização, pois são alguns poucos minutos diários em que o trabalhador realiza seu trabalho, mas não é remunerado para tanto. Essa é uma prática ainda muito frequente no comércio, por exemplo", analisa Bignami.

Por aqui, enfrentar o "roubo de salário" é um desafio duplo. Primeiro, por causa da alta taxa de informalidade - atualmente, na casa dos 40%. Em outras palavras, há pelo menos três dezenas de milhões de trabalhadores sem contratos registrados e invisíveis ao monitoramento das autoridades competentes.

O segundo obstáculo diz respeito à eficácia das próprias bases de dados disponíveis para acompanhamento de jornada e pagamento de salários. Uma das mais promissoras nesse sentido é o e-Social, portal mantido pelo governo para que empregadores registrem informações básicas sobre seus funcionários.

"Seria extremamente salutar aproximar a inspeção brasileira da espanhola", diz Bignami. "Certamente, a disseminação do uso das planilhas eletrônicas, a exemplo do e-Social, proporciona um ambiente eletrônico em que se possam cruzar dados, elaborar cenários e projeções diversos e, eventualmente, propiciar a elaboração de listas de potenciais infratores e sonegadores salariais com base no uso dos algoritmos", finaliza.