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Carlos Juliano Barros

REPORTAGEM

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Quais são as principais reivindicações trabalhistas das polícias?

Presidenciáveis vêm fazendo acenos em seus planos de governo aos 682 mil policiais do país - Getty Images
Presidenciáveis vêm fazendo acenos em seus planos de governo aos 682 mil policiais do país Imagem: Getty Images

13/09/2022 04h00

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No amplo leque de pautas da segurança pública, a reestruturação das carreiras dos policiais é uma das mais urgentes — e polêmicas. Esse debate vem ganhando ainda mais força desde a chegada de Jair Bolsonaro ao Palácio do Planalto.

Inegavelmente, o presidente ainda tem neste público uma de suas principais bases políticas, apesar de seu governo ter frustrado as expectativas das diferentes categorias.

"Ele fala em defesa dos policiais. Mas é um discurso que, na prática, não resultou em melhorias e benefícios", analisa Heder Martins de Oliveira, presidente da Anaspra (Associação Nacional dos Praças), que representa policiais militares.

"O governo atual fez uma reforma da Previdência que deixou principalmente a Polícia Civil e a Polícia Federal (PF) em uma situação de piora nas condições. Isso foi algo que a gente não esperava", exemplifica Dario Nassif, secretário-geral da Adpesp (Associação de Delegados de Polícia do Estado de São Paulo).

Já a Fenapef (Federação Nacional dos Policiais Federais) é ainda mais contundente nas críticas. "Este governo impôs muitas perdas aos policiais federais", diz nota da entidade enviada à coluna.

Além de Bolsonaro, outros presidenciáveis vêm fazendo acenos em seus planos de governo, ainda que vagos, aos 682 mil policiais das diferentes corporações de todo o país, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022.

No caso das polícias militar e civil, as reivindicações — principalmente, de reajuste salarial — também são endereçadas aos governadores dos estados, a quem elas estão submetidas.

No entanto, segundo especialistas e representantes das categorias ouvidos pela coluna, as questões trabalhistas não serão resolvidas sem a participação da União no financiamento das polícias e sem uma reforma das competências definidas no artigo 144 da Constituição, que detalha o funcionamento das corporações.

A reformulação das forças de segurança pública também esbarra em divisões históricas entre as corporações, notadamente entre a Polícia Militar (PM) e a Polícia Civil. "Elas são como água e óleo, não se misturam", compara Oliveira, da Anaspra.

Acesso único e ciclo completo: as bandeiras da PM

Com mais de 400 mil integrantes, a PM (Polícia Militar) tem uma estrutura parecida com a do Exército, em termos de postos. Para ingressar na corporação, há dois tipos de concurso público: praça ou oficial.

Os praças são os policiais de patente mais baixa. Já os oficiais exercem as funções de comando. Na prática, um praça não consegue progredir e virar oficial, a não ser que desista da carreira e preste um novo concurso. Mas há sugestões para alterar essa dinâmica.

"O que nós defendemos tem como base a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 273: o acesso único", afirma Heder Martins de Oliveira, presidente da Anaspra. "Para ingressar na PM, todo mundo teria que ser soldado. Depois de alguns anos, poderia prestar concurso interno para oficial", acrescenta.

Outra queixa histórica da categoria diz respeito à divisão de competências entre PM e Polícia Civil. A primeira tem por função básica fazer o patrulhamento ostensivo das ruas. Já a segunda tem a missão de investigar os crimes.

Como alternativa, a Anaspra defende que a PM possa desempenhar o chamado "ciclo completo" — ou seja, não só reprimir, mas também investigar.

Na opinião do presidente da entidade, "é um absurdo uma polícia trabalhar para outra. Tudo o que a PM faz tem que levar para o delegado [da Polícia Civil]". Segundo Oliveira, existe um "tratamento diferenciado" entre as corporações que se materializa na diferença de salários.

De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, a média nacional de remuneração líquida de um soldado da PM é de R$ 4.486,04. Já a de um escrivão da Polícia Civil é de R$ 6.882,61.

'Despolitização' e carreira jurídica: demandas dos delegados da Polícia Civil

"Há questões corporativas, tanto da PM quanto da Polícia Civil, que emperram aquilo que a gente entende que deve ser efetivamente discutido: a reformulação do sistema de segurança pública", reconhece Dario Nassif, secretário-geral da Adpesp (Associação de Delegados de Polícia do Estado de São Paulo).

Dentre os principais problemas do atual sistema, ele destaca o "papel de controle político altamente prejudicial" exercido pelos governadores. Hoje, os dirigentes das PMs e das Polícias Civis são indicados pelos mandatários estaduais.

"As escolhas são muito políticas e não são baseadas em critérios objetivos e de mérito", diz Nassif, que defende a reformulação dessas nomeações a partir de listas organizadas pelas próprias corporações.

No caso específico dos delegados da Polícia Civil, uma das principais demandas da categoria é o reconhecimento da "carreira jurídica". Isso quer dizer que eles almejam prerrogativas e benefícios semelhantes aos dos procuradores do Ministério Público. No entanto, o STF (Supremo Tribunal Federal) já derrubou as legislações estaduais que propunham essa mudança de status.

O representante da Adpesp também reclama da falta de concursos públicos — atualmente, a entidade estima um déficit de 15 mil policiais civis, apenas em São Paulo. Segundo Nassif, a situação é especialmente preocupante no interior do Estado. O quadro reduzido de funcionários obriga delegados, investigadores e escrivães a acumular funções em delegacias de diversos municípios.

Nassif também se queixa dos salários pagos em São Paulo. Segundo um ranking elaborado pela própria Adpesp, dentre as 27 unidades federativas, o estado aparece na 24ª colocação para delegados e na 20ª posição para investigadores e escrivães. "Não é possível que o estado mais rico da federação não consiga pagar um salário digno", critica.

Precarização, salários baixos e bicos

Na opinião de Isabel Figueiredo, pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, existe uma espécie de política de baixos salários promovida pelos governos estaduais.

"A premissa toda segue sendo: eu vou pagar mal e eles vão pegar o horário de descanso e vão vender para o próprio Estado", explica. Isso leva os policiais, tanto militares quanto civis, a cumprir mais escalas e a acumular funções, com o objetivo de ganhar mais.

Há uma série de proposições legislativas no Congresso Nacional sobre esse assunto. No caso dos policiais militares, por exemplo, a criação de um piso salarial nacional, à semelhança do que ocorre atualmente com os enfermeiros, arrasta-se desde o governo Lula. Esse era o objetivo da (PEC) 300, que acabou não aprovada.

"Isso foi uma coisa que o governo federal nunca bancou e não vai bancar, porque o impacto nas folhas salariais é muito grande", analisa Isabel. O incremento nas remunerações também é dificultado por um fator orçamentário: o elevado número de policiais aposentados que também têm aumento quando os da ativa recebem reajuste. Atualmente, há 682 mil policiais em atividade e 331 mil inativos em todo o país, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

Polícia Federal: acesso único e recomposição salarial

Assim como a entidade que representa os praças da PM, a Federação Nacional dos Policiais Federais também defende a ideia do acesso único.

Ou seja, a ideia é fazer apenas um concurso público, possibilitando o "crescimento na carreira através da meritocracia e da especialização, como nas polícias mais modernas do mundo", diz a entidade, em nota. Aliás, esse é um modelo que já existe na Polícia Rodoviária Federal.

A Fenapef também afirma lutar pela recomposição salarial da categoria. "Com a reforma da previdência, além de uma verdadeira perda salarial, também tivemos a retirada de direitos e conquistas históricos, como o que ocorreu com a aposentadoria policial por tempo de serviço, por invalidez e a relativização da pensão por morte", finaliza nota.