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Lula chega à metade do mandato à procura de 'marca registrada' trabalhista

Passada a primeira metade de seu terceiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda tenta encontrar uma marca registrada na área trabalhista — a base por excelência de seu partido. A tarefa se mostra ainda mais complicada diante de um cenário político polarizado e de um Congresso Nacional pouco receptivo a essa agenda.

Por um lado, o governo tem números inegavelmente pujantes para ostentar sobre o mercado de trabalho: em 2024, o desemprego fechou em 6,6%, o menor índice da série iniciada doze anos antes. A própria existência do Ministério do Trabalho, que chegou a ser extinto nos três primeiros anos da era Bolsonaro, demonstra preocupação com o tema.

Por outro, pautas caras ao PT e de grande impacto social têm encontrado dificuldades não só para avançar no parlamento, mas também para sensibilizar lideranças organizadas de trabalhadores, base histórica do partido do presidente.

Exemplos são as tentativas até agora fracassadas de instituição de novos mecanismos de financiamento dos sindicatos e de regulamentação do trabalho de motoristas e entregadores de aplicativo, uma das principais promessas de campanha de Lula em 2022.

A própria campanha pelo fim da escala 6x1, uma das bandeiras trabalhistas de maior repercussão dos últimos tempos, nasceu fora de movimentos tradicionalmente alinhados ao PT e não contou com apoio decisivo do governo.

"Esse mundo do trabalho em transformação exige novas respostas para as pautas clássicas da classe trabalhadora: melhorar os salários, reduzir a jornada de trabalho, cuidar da saúde e segurança no posto de trabalho, investir em formação profissional permanente, garantir proteção previdenciária", reflete Sérgio Nobre, presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores), a mais ligada ao PT.

Nobre cita a retomada da política de valorização acima da inflação para o salário mínimo, abandonada na gestão Bolsonaro, e a lei de igualdade salarial entre homens e mulheres, aprovada em julho de 2023, como outros "compromissos cumpridos" por Lula.

O presidente da CUT afirma que "essa agenda precisa avançar" na segunda metade do governo Lula e defende o fortalecimento das negociações coletivas, incluindo um novo marco regulatório a ser enviado ao Congresso.

Reforma Trabalhista esvaziou o papel dos sindicatos

O tema é bastante sensível para os sindicatos desde a Reforma Trabalhista de 2017. Aprovadas na presidência de Michel Temer, as mudanças esvaziaram o papel dessas organizações ao estimular negociações individuais entre empresas e empregados.

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O atual Ministério do Trabalho mantém uma "mesa" para incentivar o diálogo entre sindicatos e organizações patronais. A regulamentação das jornadas aos domingos e feriados no setor do comércio é um exemplo dos assuntos abordados.

O presidente da UGT (União Geral dos Trabalhadores), Ricardo Patah, afirma que o financiamento das entidades de trabalhadores, extinto da noite para o dia com o fim do "imposto sindical obrigatório", também precisa ser repensado. "O movimento sindical no mundo todo não consegue viver só dos associados. Isso é impossível, é falácia", afirma.

As centrais se posicionam contra a volta do imposto sindical, mas advogam uma "contribuição negocial" — uma espécie de comissão paga às entidades pelas tratativas com os empregadores nas convenções coletivas. A definição da porcentagem que caberia aos sindicatos se daria nas mesmas assembleias que votariam, por exemplo, o índice de reajuste salarial pedido pela categoria.

O plano do governo é que uma proposta nesse sentido seja apresentada ao Congresso por meio de um parlamentar da base. A ideia, no entanto, esbarra na resistência de boa parte dos parlamentares. Em junho do ano passado, por exemplo, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado chegou a aprovar uma emenda a um projeto de lei para dificultar a cobrança da contribuição negocial. O texto continua em tramitação.

Apesar de concurso, número de fiscais do trabalho ainda é deficitário

Outro nó a ser desatado pelo governo, nesta segunda metade, diz respeito à inspeção do trabalho. O número de auditores fiscais do governo federal é o menor em três décadas, com quase 50% dos postos vagos. Programas especiais, como o de combate à informalidade e ao trabalho escravo, têm sido impactados pela medida.

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No ano passado, centenas de auditores fiscais deixaram cargos de chefia em todo o país, cobrando melhores condições de trabalho e equiparação salarial com os servidores da receita federal, prevista desde 1992.

"Eu continuo com a falta de meios para que os auditores trabalhem: viaturas, computadores adequados, sistemas que funcionem. Eu tive um apagão na inspeção, que ficou quase um mês sem conseguir registrar qualquer tipo de atividade no final do ano", afirma Renato Bignami, diretor do Sinait (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho).

Pressionado pelo ajuste das contas públicas, o governo a priori hesitou em abrir concursos para a contratação de novos servidores. No último "Enem dos Concursos", no entanto, 900 vagas para a categoria foram abertas.

"Faz muito tempo que entra governo, sai governo, de direita, de esquerda, de centro, a inspeção é maltratada ou não é nem considerada", finaliza Bignami.

Nota da redação: ao contrário do que foi anteriormente publicado, o Ministério do Trabalho chegou a ser recriado no terceiro ano da gestão de Jair Bolsonaro, com a nomeação de Onyx Lorenzoni para o comando da pasta

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