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Reportagem

Alemanha: revisão de seguro-desemprego pautou eleição e guinada à direita

Além da questão migratória e da relação turbulenta com a Rússia, a revisão das proteções trabalhistas e do Estado de Bem Estar Social foi um dos temas mais debatidos na campanha eleitoral da Alemanha, encerrada com a votação do último domingo (23).

Com o maior índice de desemprego em uma década e a economia em estagnação há ao menos dois anos, os alemães foram às urnas dominados por um sentimento de crise.

A sensação é de que a principal potência da Europa ficou para trás na corrida global pela IA (Inteligência Artificial) e de que até mesmo as montadoras de automóveis, um dos pilares da poderosa indústria local, foram engolidas pelas rivais chinesas e americanas no mercado de carros elétricos.

Programa de proteção a desempregados alemães deve ser desidratado

Na lista com as dez principais propostas do plano de governo da CDU (União Democrata Cristã), sigla de centro-direita vitoriosa com 28,6% dos votos, a reforma do sistema de benefícios sociais aparece em primeiro lugar.

O partido volta ao poder três anos após a saída de Angela Merkel, uma das mais longevas líderes do país, mas ainda precisa costurar uma coalizão no parlamento para conseguir governar de fato.

Revisar o chamado Bürgergeld ("dinheiro dos cidadãos", numa tradução livre) foi uma das principais bandeiras da campanha de Friedrich Merz, líder da CDU e provável novo chanceler.

Criado no mandato de Olaf Scholz, o premiê do partido social-democrata (SPD) que se despede do cargo, o Bürgergeld aumentou o valor dos benefícios pagos aos alemães desempregados em busca de trabalho e de formação profissional. Atualmente, o piso individual é de 563 euros mensais.

O programa é tido por parte do eleitorado inclinado à direita como um vetor de "incentivo à preguiça" — crítica semelhante à que o Bolsa Família brasileiro historicamente recebe de eleitores mais conservadores. Não à toa, o slogan "quem pode trabalhar deve trabalhar" virou marca registrada da campanha de Merz.

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Segundo reportagem da revista alemã Spiegel, a CDU calcula que 1,7 milhão de alemães possam ter seus benefícios reduzidos. O plano do partido é cortar ao menos 10 bilhões de euros na área social.

Limitado por um artigo da Constituição que impede o crescimento das despesas e do endividamento público, Merz aposta no encurtamento do cobertor da proteção estatal para liberar recursos e investir em infraestrutura. A escassez de redes de internet de alta velocidade é um dos gargalos mais citados.

Merz também quer flexibilizar jornada de trabalho

O líder da CDU também defende uma agenda de desregulamentação. Além do corte de impostos para empresas e cidadãos, o provável novo chanceler — um executivo com passagem pelo mercado financeiro e de orientação econômica ortodoxa — também propõe o que ele chama de "modernização da jornada de trabalho", com o fim do limite de oito horas diárias de expediente.

Trata-se de uma mudança e tanto no cenário político e econômico alemão. Em 2018, o IG Metall — o principal sindicato de trabalhadores da indústria metalúrgica — chegou a firmar um acordo com as empresas do país para reduzir a jornada de trabalho de 35 para 28 horas semanais, com o objetivo de garantir mais qualidade de vida a seus associados.

Apenas seis anos depois, o mesmo IG Metall costurou um duro entendimento com a Volkswagen para evitar o fechamento de fábricas e a demissão imediata de trabalhadores. Até 2030, no entanto, ao menos 30 mil pessoas devem ser desligadas.

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Fechado no apagar das luzes do ano passado, o acordo foi apelidado de "milagre de natal" na imprensa alemã, por acabar evitando "o maior conflito no país em décadas". Apesar do aparente final feliz, a tensão segue no ar. Os próximos anos devem ser de amplas reformas e de acalorados embates sociais na terceira maior economia mundial.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.