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Opinião

Morte do papa Francisco será o fim das teologias progressistas?

Em tempos de Donald Trump e diante do avanço de extremistas conservadores mundo afora, a morte do papa Francisco e a indefinição sobre o comando de uma das mais influentes instituições do mundo — a Igreja Católica — têm profundos impactos políticos, sobretudo no Brasil.

Ao longo de seus 12 anos, o argentino Jorge Mario Bergoglio conduziu seu papado com uma linha claramente progressista: condenou o consumismo, defendeu os direitos das mulheres e propôs uma instituição mais tolerante para as diferenças religiosas e menos opressora para a população LGBTQIA+.

Francisco não era propriamente um adepto da Teologia da Libertação, a interpretação tipicamente latino-americana do Evangelho que, nos anos 1960, questionava abertamente a profunda injustiça social da região e flertava com uma incidência política marxista, ao defender a "opção radical pelos pobres".

Mesmo assim, o falecido papa teve papel decisivo ao levar para o Vaticano não só uma visão de mundo ancorada na crítica à desigualdade e na defesa dos menos favorecidos, mas também ao reabilitar figuras centrais dessa importante corrente que haviam sido silenciadas pela ala conservadora da Igreja Católica.

É o caso do padre peruano tido como "o pai" da Teologia da Libertação, falecido em outubro do ano passado, aos 96. "Hoje penso em Gustavo Gutiérrez, um grande homem, um homem de Igreja que soube calar quando devia calar, soube sofrer quando teve que sofrer, soube levar adiante tantos frutos apostólicos e tanta teologia rica", declarou Francisco num comovente vídeo gravado logo após a morte do colega.

O fim do papado do argentino tem implicações especiais sobre o Brasil, onde ano após ano a orientação progressista de Francisco vem perdendo terreno para vertentes conservadoras não só de católicos, mas também de evangélicos.

Décadas atrás, a Teologia da Libertação fez nascer por aqui uma igreja católica popular e democrática. Também ajudou a organizar a resistência à ditadura militar e a impulsionar a construção de movimentos sociais (como o MST) e de partidos políticos de esquerda (caso do próprio PT), a partir de uma leitura do evangelho antenada a necessidades concretas e urgentes, como terra para plantar.

Hoje, no entanto, são nítidos o avanço de lideranças conservadoras e a popularização da ideia de que riqueza e prosperidade material devem ser encaradas como sinais da bênção divina. Não por acaso, essas mesmas lideranças execram a leitura do Evangelho proposta pela Teologia da Libertação: partilhar em vez de acumular.

É importante deixar registrado: conservadores nem de longe representam todos os fiéis. No caso específico dos evangélicos, é um erro grave reduzir um campo tão diverso e plural à imagem de extremistas como Silas Malafaia. Ao mesmo tempo, é inegável a projeção cada vez maior alcançada na televisão, nas redes sociais e na vida por pastores de linhagem teológica radicalmente oposta à de Francisco.

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O falecimento do papa que tanto barulho fez ao arejar o Vaticano com o frescor do catolicismo popular e progressista latino-americano é mais uma importante jogada no movimentado tabuleiro ideológico mundial. A escolha do conclave que se inicia nos próximos dias será determinante sobre os rumos políticos dos próximos anos. Maior país católico do mundo, o Brasil será decisivamente afetado por ela.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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