Leão 14, Martin Luther King e o impacto da tecnologia sobre trabalhadores
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No fim de semana, ao explicar o porquê da escolha do nome Leão 14, o novo papa — o norte-americano e com nacionalidade peruana Robert Prevost — evocou a encíclica Rerum Novarum, escrita em 1891 por seu antecessor, o italiano Leão 13. Completando 134 anos nesta quinta-feira (15), o documento está marcado na história como sinônimo de "compromisso social" da Igreja Católica com os menos favorecidos.
A Rerum Novarum é, ao mesmo tempo, um ensaio teológico e político de difícil enquadramento nos clichês da atual polarização ideológica. No começo, defende a propriedade privada como "direito natural", e condena as propostas revolucionárias do comunismo — Karl Marx havia falecido em 1883, oito anos antes da publicação da encíclica.
Na sequência, critica a ganância dos ricos, denuncia o trabalho insalubre de crianças, e advoga pagamento decente e direitos mínimos aos operários da primeira revolução industrial. Para Leão 13, não se tratava apenas de um compromisso do bom cristão com o andar de baixo da pirâmide, mas também de um necessário remédio social para conter a explosão de greves e protestos na virada para o século 20.
No sábado (10), ao falar sobre as expectativas para seu papado, Leão 14 mencionou a história encíclica de seu antecessor e fez uma comparação. "Hoje, a Igreja oferece a todos a riqueza de sua doutrina social para responder a outra revolução industrial e aos desenvolvimentos da inteligência artificial, que trazem novos desafios para a defesa da dignidade humana, da justiça e do trabalho".
Leituras críticas sobre os impactos das inovações tecnológicas sobre a economia e, principalmente, sobre o mundo do trabalho não se limitam a lideranças cristãs católicas.
Em 31 de março de 1968, quatro dias antes de ser brutalmente assassinato, o pastor evangélico Martin Luther King fez um discurso profético na Catedral de Washington. Na ocasião, advertiu que a humanidade precisaria lidar com três grandes desafios dali em diante: o respeito aos direitos humanos, a ameaça das armas nucleares, e o avanço da automação e da cibernética.
"Se uma pessoa não tiver um trabalho e uma renda, ela não tem vida, nem liberdade e nem a possibilidade de encontrar a felicidade. Ela meramente existe", discorreu o ícone Dr. King, quase seis décadas atrás.
No caso de Robert Prevost, suas mais de duas décadas de trabalho pastoral no Peru também revelam um olhar mais sensível para questões de classe, apesar de suas declarações conservadoras sobre a comunidade LGBTQIA+ não o credenciarem entre os mais progressistas em questões de gênero.
Nesse sentido, ainda que a Igreja Católica não goze da mesma influência de outros tempos, é bastante relevante que o novo papa coloque no centro da agenda de uma das mais populares instituições do planeta a preocupação com a justiça social e, mais especificamente, com o direito de trabalhadores — retórica que, para muitos, soa fora de moda ou ideologicamente tensionada.
Não à toa, a direita radical dos Estados Unidos se apressou em tachar Prevost como um seguidor de Marx — aquele mesmo que foi duramente criticado pela Rerum Novarum, inspiração declarada de Leão 14.
O novo papa assume a liderança do Vaticano em um contexto político, econômico e ideológico bastante desafiador. As crises migratórias, a guerra comercial de Donald Trump e o avanço da inteligência artificial colocam trabalhadores diante de incertezas que têm aberto caminhos para o crescimento de movimentos extremistas de direita no mundo todo. A ver como Leão 14 vai ser lembrado na posteridade, neste claro momento de transição da história da humanidade.
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