PEC da Hora Trabalhada traz 'ilusão de igualdade' entre patrão e empregado
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Diante da repercussão da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que reduz a jornada de trabalho semanal para 36 horas e acaba com a escala 6x1, de seis dias de trabalho por um de descanso, entidades patronais e a Frente Parlamentar de Comércio e Serviços vêm tentando emplacar no Congresso Nacional a chamada "PEC da Livre Contratação".
De autoria do deputado federal Mauricio Marcon (Podemos-RS), a medida pisa no acelerador da Reforma Trabalhista, aprovada em 2017 no governo Michel Temer, ao estabelecer dois pontos centrais: a negociação individual entre empregador e empregado e o pagamento por hora trabalhada.
Apesar de defendida por empresários como uma necessária "modernização", a PEC contribui para a precarização ao esvaziar o conceito de "jornada de trabalho", avaliam especialistas e lideranças sindicais ouvidas pela coluna. Além disso, a proposta pode inclusive ser considerada inconstitucional por enfraquecer instrumentos de negociação coletiva previstos expressamente na Carta Magna de 1988.
"A pactuação contratual direta entre empregado e empregador é uma ilusão, é uma falácia", define Sayonara Grillo Coutinho, desembargadora do TRT1 (Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região) e professora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
"A PEC tem uma narrativa baseada na ideia de flexibilidade: o trabalhador poderá escolher, no sentido do que for mais benéfico para ele", analisa Olívia Pasqualeto, professora da FGV (Fundação Getúlio Vargas). "Mas todo mundo que trabalha sabe muito bem que não é o trabalhador que escolhe", complementa.
O texto ainda não está em tramitação no Congresso. Por enquanto, a PEC conta com a assinatura de 142 parlamentares — são necessários 171 apoiadores para que seja oficialmente protocolada na Câmara dos Deputados.
O que diz exatamente a PEC?
A proposta do deputado federal Mauricio Marcon altera o artigo 7º da Constituição Federal e estipula dois tipos possíveis de contratação: o modelo atual da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), com proteção à jornada, e o sistema de horas trabalhadas.
No segundo caso, "o valor mínimo da hora trabalhada será proporcional ao salário mínimo nacional ou ao piso da categoria, calculado com base na jornada máxima de quarenta e quatro horas semanais", diz o texto. Direitos trabalhistas — como férias, 13º salário e FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) — também seriam pagos de forma proporcional à carga horária efetivamente trabalhada.
Segundo o deputado, a proposta tem por objetivo "popularizar esse modelo de contratação por hora trabalhada" e garantir "segurança jurídica". "É bom que se diga que nos Estados Unidos isso já existe desde 1938", defende Marcon. O parlamentar afirma ainda que, com o novo regime, será possível reduzir a informalidade.
Um posicionamento assinado pela Frente Parlamentar e pela União Nacional de Entidades de Comércio e Serviços sustenta que a PEC "é uma oportunidade histórica de modernização da legislação trabalhista, ao permitir que trabalhadores e empregadores tenham mais liberdade para pactuar suas relações, de forma segura e respeitosa".
Por outro lado, Soraya Grillo Coutinho avalia que a proposta "suprime direitos fundamentais previstos na origem da própria Constituição". O artigo 7º da Carta Magna, que seria alterado em caso de aprovação da PEC, prevê a necessidade de representação coletiva dos trabalhadores em negociações sobre temas como duração de jornada e redução de salário.
Segundo a desembargadora, ao permitir que as empresas contratem por hora, a PEC permite que as empresas possam unilateralmente reduzir a jornada de trabalho e, de modo indireto, rebaixar o salário. Por isso, em seu entendimento, a medida é inconstitucional.
PEC vai além do contrato intermitente, criado pela Reforma Trabalhista
Olívia Pasqualeto afirma que a PEC, apesar de contar com uma redação "genérica", parece ir além do já estabelecido pelo contrato intermitente.
Criado na Reforma Trabalhista de 2017 a pedido do setor de comércio e serviços, para equilibrar a demanda por mão de obra, o modelo permite a contratação por períodos específicos, como fins de semana, com direitos recolhidos de forma proporcional. O regime segue alguns protocolos: o trabalhador precisa ser convocado com 3 dias de antecedência e tem 24 horas para responder se aceita ou não.
A professora da FGV entende que a atual redação da PEC dá margem ao fim da exigência de convocação com antecedência. "Pode parecer um pouco com o intermitente, mas eu receio que a gente vai ter [na prática] um regime padrão. Então, você fica ali à disposição, mas sendo pago por hora, o que é mais prejudicial", explica.
Sem garantia de jornada semanal fixa, Olívia Pasqualeto alerta inclusive para a intensificação do trabalho e o acúmulo de funções. "No mundo em que a gente vive, em que o salário é baixo e as pessoas precisam pagar conta, a tendência vai ser trabalhar mais", alerta.
Ainda que a PEC permita às empresas escolher entre o regime tradicional e o sistema de horas trabalhadas, Sayonara Grillo Coutinho chama atenção para um "darwinismo normativo", que poderia tornar a CLT letra morta. "Todas as vezes em que numa relação assimétrica entre empregador e empregado é dada a opção entre regimes, prevalece aquela norma mais adaptável aos interesses do mercado, aquela norma mais adequada aos interesses do mais forte", explica.
Centrais sindicais também criticam a medida. Um parecer enviado à coluna por Ricardo Patah, presidente da UGT (União Geral dos Trabalhadores), sustenta que a PEC "é defendida com base em argumentos de modernização, liberdade e geração de empregos, mas amplamente criticada por promover uma lógica de mercado que desequilibra as relações de trabalho, fragiliza a proteção social e aproxima o trabalho formal de condições análogas à informalidade".
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