Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Reportagem

Motoapp em São Paulo: é possível regulamentar e dar segurança ao serviço?

Treinamento adequado para condutores; equipamentos de proteção para motocicletas; faixas exclusivas para veículos de duas rodas; controle dos limites de velocidade, incluindo carros, ônibus e caminhões; e, principalmente, investimento em radares e aplicação de multas para coibir infrações no trânsito.

Essas são algumas das medidas de segurança, citadas por especialistas ouvidos pela coluna, para uma eventual regulamentação do transporte de passageiros por motocicletas na maior metrópole do país. O necessário debate, no entanto, vem sendo ofuscado desde o começo do ano pela batalha judicial travada entre a Prefeitura de São Paulo e os aplicativos de motoapp, como 99 e Uber.

De um lado, o mandato do prefeito Ricardo Nunes (MDB) tem se baseado no alto índice de mortes para justificar a proibição do serviço na cidade — em 2024, 483 motociclistas perderam a vida no trânsito da capital paulista. De outro, plataformas vem desafiando o poder público municipal para pressionar pela liberação do motoapp.

"Proibir é a solução mais preguiçosa e menos eficiente", afirma a vereadora Renata Falzoni (PSB), presidente de uma subcomissão sobre o tema na Câmara Municipal de São Paulo. No entanto, antes de autorizar o transporte por motocicletas, é necessário criar uma legislação que responsabilize todos os entes envolvidos no intenso trânsito da cidade, defende a parlamentar.

Falzoni faz críticas tanto à atuação da prefeitura, que em sua avaliação vem promovendo um "apagão de fiscalização generalizado", quanto à dos aplicativos, que "vendem pressa e entregam morte". Confira abaixo os posicionamentos das plataformas e da administração municipal.

No dia 24 de maio, uma passageira de motoapp da 99 faleceu em um acidente na região central da capital. Desde então, o serviço — que operava por meio de uma decisão judicial favorável aos aplicativos — voltou a ser proibido na cidade.

No primeiro mandato de Nunes, mortes subiram 42% enquanto multas caíram 47%

Na avaliação de Spyridion Basile Macris, instrutor de trânsito do Sest/Senat, é preciso atuar em três frentes para a regulamentação do transporte de passageiros por motocicletas.

A primeira delas é a necessidade de treinamento. Ele cita como exemplo de prática a ser evitada o uso dos chamados "corredores", o espaço entre as fileiras de carros, comumente explorado pelos motociclistas para ganhar tempo no trânsito.

Continua após a publicidade

Macris cita também a importância de ampliação das vias exclusivas para motos, no modelo da Faixa Azul, implementado em diversos pontos da cidade.

Por fim, ressalta a necessidade da expansão do monitoramento por radares. "Precisaria de uma extrema fiscalização", afirma.

Um levantamento do UOL mostra que, entre 2021 e 2024, o número total de mortes no trânsito cresceu 42% na cidade, chegando a 1.031 óbitos no ano passado. No mesmo período, que coincide com o primeiro mandato do prefeito Ricardo Nunes, a média mensal de multas por infrações teve redução de 47%.

"É uma escolha política não coibir as infrações de trânsito", afirma a vereadora Renata Falzoni. "Ninguém mais para no sinal vermelho. E não para porque boa parte está a serviço desses aplicativos, que fazem as pessoas correrem, porque a conta fecha. Mas você acha que ele vai parar no sinal vermelho se não tiver fiscalização?", complementa.

Lei federal propõe medidas de segurança; empresas dizem que texto não se aplica a motoapp

A lei federal 12.009/2009 regulamenta o serviço de motofrete e de mototáxi em todo o país, e traz regras básicas de segurança.

Continua após a publicidade

O texto estabelece que os interessados em trabalhar com essa atividade precisam ter no mínimo 21 anos e devem passar por um curso de formação de 30 horas, habilitado pelo Contran (Conselho Nacional de Trânsito).

A legislação prevê ainda o uso de capacetes e coletes refletores por parte dos condutores, além da exigência de equipamentos de proteção para as motos, como o chamado "mata-cachorro" — suporte externo do motor que impede o esmagamento da perna, em caso de queda do veículo.

O cumprimento dessas medidas é defendido, por exemplo, pelo SindimotoSP, o sindicato dos motoboys de São Paulo, como ponto de partida para uma eventual regulamentação do transporte de passageiros em veículos de duas rodas. "Não dá para sair por aí colocando passageiros nas motocicletas de pessoas que não têm experiência de transportar pessoas na garupa", afirma Gilberto Almeida dos Santos, presidente da entidade.

O que dizem os aplicativos?

A coluna questionou os aplicativos sobre as medidas de segurança defendidas pelas empresas. A 99 não se pronunciou e recomendou que as perguntas fossem remetidas à Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia), entidade que representa os aplicativos no país.

Em nota, a entidade afirma que as regras para mototáxi contidas na Lei 12.009/2009 não se aplicam à regulamentação do transporte privado de passageiros por motocicletas, o chamado motoapp. No caso do mototáxi, a regulamentação envolve até a definição dos valores das tarifas pelo poder público — o que bate de frente com o modelo de negócios dos aplicativos.

Continua após a publicidade

Segundo a nota da Amobitec, "as plataformas adotam camadas de segurança adicionais às previstas em lei para buscar cada vez mais proteção por meio de ferramentas tecnológicas". O texto diz ainda que a associação e suas associadas "colocam-se à disposição para contribuir com o debate e colaborar na construção de uma regulamentação".

Ao contrário da 99, a Uber enviou dois posicionamentos à coluna. O primeiro diz que "a prefeitura segue empenhada em interditar o debate" e que a empresa "sempre se colocou à disposição para colaborar na construção de uma regulamentação moderna e equilibrada".

Já a segunda nota trata especificamente das questões de segurança. De acordo com a empresa, a Uber disponibiliza um alerta de velocidade, que avisa se os parceiros ultrapassarem o limite indicado, e propõe um "checklist de segurança" antes do início da viagem. A nota também afirma que o aplicativo fornece seguro para acidentes pessoais e mantém vídeos educacionais com dicas de segurança.

Sobre as exigências contidas na Lei 12.009/2009, a nota faz coro ao posicionamento da Amobitec e afirma que o texto é aplicável apenas ao serviço de mototáxi e não se estende ao serviço de motoapp.

O que diz a Prefeitura de São Paulo?

Também por meio de nota, a Secretaria de Comunicação da Prefeitura de São Paulo afirma que "o debate sobre a regulamentação do transporte de passageiros por motocicleta via aplicativo será conduzido na Câmara Municipal, conforme sugestão da Justiça".

Continua após a publicidade

O posicionamento sustenta ainda que a administração municipal tem implementado ações para garantir mais segurança ao trânsito, com destaque para a Faixa Azul, "que reduziu em 47,2% as mortes de motociclistas nos trechos sinalizados".

"A fiscalização de trânsito foi reforçada com a atualização dos equipamentos eletrônicos, cuja quantidade é a mesma há cinco anos na cidade, e realização de convênios com a Polícia Militar e a Guarda Civil Metropolitana, com mais de 3.500 PMs e 4.500 GCMs credenciados para a atividade", finaliza a nota.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.