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Bolsonaro ficará refém do pior da política, e conta será cara para o país

28/01/2021 04h00

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No último domingo, dia 24, foi anunciado o pedido de demissão do então presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Júnior (ver: Presidente da Eletrobras vê falta de tração para privatização e renuncia; deve assumir BR). Depois de tanto tempo na empresa trabalhando para sua privatização, o executivo foi muito claro ao dizer que se sentia frustrado com o não encaminhamento da venda da empresa e sugeriu a necessidade do próprio presidente Jair Bolsonaro se engajar mais fortemente neste processo. Por óbvio a reação no mercado não tem sido das melhores. Nesta última segunda-feira os ADRs (recibos de ações da Eletrobras) negociados em Nova York caíram 11,76%. Na terça-feira o preço das ações no Brasil acompanhou o movimento nos EUA e também caiu.

Sinais ruins para o mercado têm sido dados constantemente por este governo. Mais recentemente, no dia 13 de janeiro, circulou a notícia de que o presidente Jair Bolsonaro pediu a cabeça do presidente do Banco do Brasil, por ter colocado em prática um plano de demissão voluntária na empresa (ver: Bolsonaro se irrita com plano de enxugamento e ameaça demitir presidente do BB). Em que pese a desistência da demissão, da data da divulgação do fato até o momento, as ações já tiveram uma queda da ordem de 15%.

Por mais que se possa alegar que essas são perdas privadas, de especuladores que atuam no mercado financeiro, elas no fundo refletem uma expectativa fortemente negativa quanto ao futuro dessas empresas. No caso do Banco do Brasil, a impossibilidade de que seja feito um ajuste, a exemplo do que vem ocorrendo com seus concorrentes, fatalmente redundará na perda da competitividade do banco e no seu valor futuro. Para quem defende que o Estado deva manter estatais, no mínimo isso é uma perda de valor do que costumam chamar de patrimônio público. Já a situação da Eletrobras é ainda mais grave. Além da perda de valor futuro, o governo não tem os recursos para fazer os investimentos necessários e ampliar a infraestrutura no setor, tão necessária para garantir o crescimento do país. Em outras palavras, a privatização é não só o melhor, mas também o único caminho para não enfrentarmos uma crise energética no futuro.

Tenho-me manifestado a favor de um processo de privatizações amplo e irrestrito pelas mais diversas razões (ver: Precisamos acabar com o mantra de que empresa estatal é patrimônio do povo), mas reconheço que politicamente não é uma tarefa fácil, principalmente porque afeta interesses das corporações de funcionários e principalmente de políticos. Não obstante o presidente Jair Bolsonaro foi eleito sob a plataforma de combater exatamente esses interesses. Infelizmente o que vemos atualmente não é o candidato a presidência da república das eleições, com tantas certezas liberais e liberalizantes na economia, mas sim o antigo deputado federal corporativista, que tem reservado cargos em ministérios, agências reguladoras e empresas públicas para negociar com representantes da velha guarda da política brasileira, muitos com processos em andamento por corrupção ou malversação do dinheiro público.

Ainda não está claro qual será o perfil do novo presidente da Eletrobras, que felizmente depende também da aprovação do seu Conselho. Entretanto, as declarações do Senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) candidato à presidência do Senado apoiado pelo governo, são as piores possíveis no sentido de abortar a privatização da empresa. Também não se sabe se a desistência da demissão do atual presidente do Banco do Brasil é apenas temporária, mas existe uma forte pressão por parte do Centrão para ocupação de cargos no Banco e até mesmo a presidência.

O risco que corremos é que este padrão de conchavos e negociações por cargo se perpetue pelos próximos dois anos, principalmente com a ameaça de abertura de processo de impeachment, que começa a ganhar espaço lentamente. Mais recentemente começou a ser gestado mais um balão de ensaio neste sentido, que pode ser a gota d'água para a economia desandar de uma vez. Correm pelos corredores de Brasília a informação de que o Ministério da Economia poderá ser desmembrando em 3, recriando-se os Ministérios do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) e o do Planejamento, com o objetivo de contemplar os anseios do Centrão (ver: Governo avalia reestruturação na Economia que esvazia atribuições de Paulo Guedes).

Se isso for verdade, o grande problema é que o antigo Ministério do Planejamento era o responsável por desenhar e cuidar do orçamento federal. Ter os atuais pleiteantes políticos por lá equivaleria a colocar a "raposa para tomar conta do galinheiro". Já o MIDC sempre foi entendido por muitos como um local bastante amigável a lobbies empresariais de todo tipo e uma fonte inesgotável de protecionismo. Muitas desonerações seletivas de impostos e barreiras à importação tiveram como porta de entrada no governo este ministério. Não por outra razão sua recriação possa interessar tanto a uma ala da política nacional que representa a vanguarda do atraso no país.

Fato é que Jair Bolsonaro tem caminhado para replicar o antigo modelo do presidencialismo de coalisão, a pretexto de garantir a governabilidade, mas cujo pano de fundo é evitar um processo de impeachment (cujos condicionantes políticos são ainda bastante questionáveis, por sinal). Por óbvio, a intepretação no setor privado é que seu compromisso com o ajuste fiscal e com uma economia mais liberal e moderna está cada vez mais longe. E isso cria dois riscos.

O primeiro é para ele próprio, que ficará cada vez mais refém do pior que existe na política brasileira, sem que tenha qualquer garantia de apoio para evitar um impeachment, caos sua popularidade continue caindo. O segundo é para o país e principalmente para a população mais carente. A atual base de apoio do presidente, longe de ter qualquer preocupação com a reformas necessárias para a retomada do crescimento, preferirá medidas paliativas e aquelas que gerem mais popularidade imediata (entenda-se mais gastos público). E, infelizmente, o resultado deste caminho certamente será uma economia estagnada no futuro. Em outras palavras, a conta será cara e paga por nós.