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Bancos reclamam com BC, mas é positivo que fintech tenha regras diferentes

Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

19/07/2021 04h00

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Tenho percebido uma movimentação da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e até mesmo de um presidente de uma grande instituição financeira brasileira contra o modelo de regulação assimétrica vigente no setor. Segundo esse grupo, o Banco Central tem imposto aos grandes bancos custos regulatórios mais elevados do que aqueles apresentados a instituições menores e criando, com isso, um desbalanceamento competitivo no mercado.

Entretanto, ao adotar um modelo de regulação assimétrica, o BC, longe de inovar, está apenas replicando algo que acontece em vários setores ao redor do mundo, inclusive no financeiro. Aliás, basta uma pequena busca pela internet para perceber que a preocupação de autoridades do mundo todo em garantir que "desiguais sejam tratados de formas desiguais" existe por duas razões.

A primeira se refere a questões concorrenciais. O setor financeiro é caracterizado por fortes barreiras à entrada de novas empresas, que passam principalmente pela necessidade de obtenção de economias de escalas, assimetrias informacionais e até mesmos efeitos derivados de externalidades de redes.

Assim, normas que imponham menores custos regulatórios aos novos concorrentes, que equalizem o nível de informações sobre riscos e potencial demanda de clientes do setor financeiro e que impeçam a criação de incompatibilidade de redes entre instituições (ou mesmo a discriminação no acesso), são fundamentais para permitir que a concorrência seja mais justa no mercado.

A segunda razão envolve uma preocupação com a higidez do sistema financeiro, ou seja, com o risco de que a quebra de um banco possa se alastrar para todo o setor, provocando uma quebradeira generalizada. E este aspecto é fundamental, na medida que é a capacidade do setor financeiro de gerar crédito que faz com que a economia cresça de maneira consistente ao longo do tempo.

Não por outra razão, a regulação caminha no sentido de criar regras prudenciais para evitar um risco sistêmico deste tipo no setor financeiro, sendo que as diretrizes adotadas são constantemente discutidas entre os bancos centrais do mundo todo e consolidadas pelo que se conhece como regras de Basileia, sendo a vigente Basileia III.

É neste contexto que é exigida, por exemplo, a manutenção de nível mínimo de capital em caixa para enfrentar demandas momentâneas e específicas, e cujas diretrizes tomam por base os vários tipos de risco que as instituições financeiras podem gerar. E essa definição tem como métrica, dentre outros fatores, o porte (tamanho) das instituições, o que faz com que aquelas que são maiores tenham de fato que enfrentar um custo regulatório maior.

Mas essa lógica tem sentido, na medida em que algumas instituições podem se sentir "grandes demais para quebrar" (too big to fail), visto sob o prisma do regulador. E sabendo disso, seus dirigentes poderiam se sentir compelidos a tomar mais risco do que seria razoável, contando com o fato de que o Banco Central teria necessariamente que socorrê-los, para evitar que o efeito se espalhe pelo setor.

No caso brasileiro, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e o próprio Banco Central foram muito lenientes da análise de fusões e aquisições no setor financeiro nas duas últimas décadas, permitindo um nível de concentração bastante elevado no país. Com isso, o setor se consolidou com o domínio de cinco grandes conglomerados, sendo dois pertencentes ao governo federal.

A partir daí, constatou-se uma redução considerável das opções dos consumidores, cujo efeito pôde ser observado pelo número de reclamações apresentadas ao BC e à Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon). Na mesma linha, a redução da competição se refletiu no número de processos envolvendo condutas anticompetitivas que o CADE passou a enfrentar.

Em particular, os casos em avaliação no órgão envolvem acesso discriminatório a redes, oferta de pacotes anticompetitivos e venda casada, estratégia de compressão de margem de concorrentes, contratos de exclusividade, etc. Poderíamos resumir essas condutas a tentativas de excluir concorrentes no mercado ou de fechar a porta para a entrada de novos rivais.

É por isso que o BC tem buscado corrigir as disfuncionalidades criadas no mercado financeiro ao longo do tempo, procurando calibrar um modelo de regulação mais pró-competitivo, que reduza os custos de entrada para instituições menores, não as sobrecarregando, inclusive, com exigências prudenciais desmedidas, dado o risco que geram.

Na esfera concorrencial, são exemplos o Sandbox Regulatório (ambiente controlado, mas menos regulado, que visa estimular projetos inovadores na área financeira), o open banking (ambiente que permite que clientes compartilhem suas informações financeiras para corrigir a assimetria de informações entre os bancos) e as normativas que garantam acesso não discriminatório a redes.

Já na esfera prudencial, a Resolução nº 4.553/2017 estabelece a segmentação do conjunto das instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil para fins de aplicação proporcional do nível de exigência de capital regulatório imposta; e, por óbvio, para conglomerados financeiros maiores, a requisição é maior.

Resumidamente, são essas as diferenças que têm incomodado tanto os grandes bancos. Já para a sociedade, isso é um bom sinal. É uma esperança de que o modelo de regulação assimétrica, em conjunto com o desenvolvimento de novas tecnologias, possa continuar a permitir que novos e menores players entrem e concorram efetivamente no mercado, nem que seja apenas em nichos específicos.