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Discussão histérica sobre valor de venda dos Correios é uma grande bobagem

2.ago.2021 - Câmara dos Deputados discute o projeto de privatização dos Correios, apoiado pelo governo federal - Emerson Nogueira/Futura Press/Estadão Conteúdo
2.ago.2021 - Câmara dos Deputados discute o projeto de privatização dos Correios, apoiado pelo governo federal Imagem: Emerson Nogueira/Futura Press/Estadão Conteúdo

02/09/2021 04h00

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Na última semana, parece ter começado uma campanha contra a privatização dos Correios, sendo uma das principais críticas o valor pelo qual o governo estaria disposto a vender a empresa. Apesar de essa informação nem ter sido calculada ainda, os servidores, por exemplo, "dizem que governo quer 'doar' empresa a amigos".

Tenho lido alguns artigos que tomam por base o Patrimônio Líquido da empresa ou que usam o seu lucro atual como justificativa para não privatizar. Nada mais errado, além do fato de que as questões relevantes a serem discutidas neste processo envolvem a qualidade do serviço prestado, o preço pago pelo usuário e o custo de oportunidade de o Estado cuidar da empresa. Mas vamos por partes.

Em qualquer processo de definição do valor de uma empresa (valuation), o que importa é estimar o fluxo futuro dos resultados e trazê-los a valor presente por uma taxa de desconto apropriada pelo método do Fluxo de Caixa Descontado (FCD). E isso vai muito além de olhar para o lucro atual ou o Patrimônio Líquido da empresa.

Na realidade, há que se estimar todos os custos operacionais futuros incorridos pela empresa e os investimentos necessários ao longo do tempo, projetar as receitas futuras e definir a taxa de desconto apropriada, que pressupõe estabelecer a estrutura de capital apropriada da empresa e incorporar o risco específico do setor.

Ou seja, é a expectativa construída dos retornos obtidos ao longo dos anos que deve balizar o valor mínimo pelo qual o governo venderá a empresa. Nesse sentido, a crítica da Associação dos Funcionários dos Correios (Adcap) à Secretária Especial da Secretaria do Programa de Parcerias de Investimentos, Martha Seillier, sobre a frase tirada do contexto de vender os Correios por um "valorzinho", pareceu-me injusta."

Se olharmos o conjunto da entrevista, ela ressalta alguns aspectos fundamentais no processo de modelagem de venda dos Correios que devem reduzir o fluxo de retorno futuro. Eles envolvem a necessidade de investimentos futuros, manutenção de operação em áreas não lucrativas, fim do monopólio em cinco anos, pagamentos de impostos que não são pagos atualmente e até mesmo a possibilidade de regulação do preço de alguns serviços.

Assim, a depender da modelagem construída a partir de todos esses vetores definidos legal e institucionalmente, o valor mínimo de venda estimado pelo Estado pode ser, de fato, baixo. Entretanto, se esse valor for subestimando, há ainda uma segunda linha de ajuste, que é muito mais importante do que o próprio valor mínimo de referência calculado na modelagem financeira, qual seja: o modelo de leilão.

Isso porque se o setor privado estiver avaliando a empresa como mais atrativa do que o Estado imagina, a construção de um leilão competitivo fará com que o valor efetivamente pago pelo setor privado se eleve com relação ao mínimo definido, corrigindo eventuais erros de estimativas do governo.

Em geral, com um leilão bem desenhado, o vencedor acaba sendo aquele que, além de ter mais disposição a pagar, também é a empresa mais eficiente (que trabalha com menor custo médio de prestação do serviço), o que eventualmente pode levar à redução dos preços em um ambiente de mercado mais competitivo.

Vale destacar que hoje os Correios, como empresa pública, têm uma série de limitações legais na contratação de serviços e alocação de investimentos, que acabam por reduzir o seu potencial de gerar ganhos de eficiência. Nesse sentido, a privatização tende a solucionar esse tipo de problema.

Não obstante, existe de fato uma discussão não trivial que envolve a preferência da sociedade com relação à universalização dos serviços postais e que passa por três questões: (l) se há de fato a necessidade de universalização; (ll) qual a amplitude da universalização; e (lll) se isso pode ser realizado pelo setor privado, mediante exigência normativa definida pelo Estado.

Por óbvio, qualquer que seja a escolha, ela deve envolver uma análise de custo-benefício, principalmente porque alguém sempre pagará essa conta, mesmo que seja por subsídio cruzado entre serviços e/ou regiões. E, nesse sentido, há que se atentar, por exemplo, se o modelo de subsídio cruzado não levará a uma situação disfuncional na qual pessoas pobres de regiões ricas não acabem subsidiando pessoas ricas de regiões pobres.

Finalmente, o último aspecto a ser considerado nesta discussão sobre privatização dos Correios envolve questionar qual é o custo de oportunidade de o Estado brasileiro continuar dono da empresa, pressupondo que o mesmo serviço possa ser prestado pelo setor privado nos termos escolhidos pela sociedade.

Nessa última parte da equação entram perguntas como, por exemplo, se o tempo dedicado por agentes públicos para cuidar da construção e monitoramento de uma governança que eleve a eficiência, evite problemas associados à corrupção ou a interferências políticas etc., não poderia ser mais bem alocado no desenvolvimento de boas políticas educacionais, voltadas à saúde ou à segurança pública, por exemplo.

E isso sem falar da eventual necessidade de capitalização futura pelo Estado para que sejam realizados investimentos que permitam à empresa prestar os serviços exigidos pela sociedade com a qualidade esperada. Neste caso, haveria a necessidade do deslocamento de investimentos de outras áreas que também podem ser mais prioritárias na própria visão da sociedade brasileira.

O que se percebe é que a discussão que permeia a privatização dos Correios deve ser conduzida de maneira racional e transparente, visando exclusivamente ao interesse público, tomando por base critérios técnicos que mostrem o custo-benefício das possíveis escolhas para a sociedade.