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Bolsonaro cria total incerteza sobre o futuro, e brasileiro pagará a conta

7.set.2021 - O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) discursa para apoiadores durante ato pró-governo em Brasília - ANTONIO MOLINA/ESTADÃO CONTEÚDO
7.set.2021 - O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) discursa para apoiadores durante ato pró-governo em Brasília Imagem: ANTONIO MOLINA/ESTADÃO CONTEÚDO

10/09/2021 04h00

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Os economistas costumam trabalhar com uma distinção entre risco e incerteza. A incerteza está associada à impossibilidade de se desenhar cenários futuros, ou seja, uma situação na qual o futuro seria totalmente imprevisível. Já o risco pode ser entendido como uma espécie de "incerteza mensurável", calculada a partir do desenho de cenários futuros e de respectivas chances (probabilidades) de ocorrência.

Essa distinção é fundamental em economia, na medida em que no segundo caso, seria possível mensurar e comparar os diferentes riscos de diferentes opções disponíveis para a escolha dos agentes econômicos, ao contrário de um ambiente de incerteza.

Os empresários e investidores estão acostumados a incorrer em risco, exigindo para isso "apenas" retornos maiores. Entretanto, quando caminhamos para uma situação de incerteza, com total falta de previsibilidade sobre o futuro, os parâmetros de comparação somem, tirando a principal bússola decisória dos agentes econômicos e, consequentemente, paralisando a economia do país.

E é exatamente isso que o presidente Jair Bolsonaro tem feito. Com o conjunto de suas atitudes, ele nos tem levado a uma situação de total incerteza sobre o futuro. E com essa afirmação, nem estou trazendo à baila qualquer discussão sobre um eventual risco de ruptura institucional.

Refiro-me apenas às fricções criadas no ambiente político, que acabarão por dificultar ainda mais encontrar uma saída para a crise econômica que vivemos. Com uma inflação crescente, desemprego em nível recorde, crise energética se avizinhando, saída de investimentos do país e dólar em patamares elevados, seria de se esperar que o Presidente maneirasse o discurso e se concentrasse nas tão esperadas reformas em discussão no Congresso.

Mas não é isso que temos visto. Ao contrário, ele tem dobrado a aposta e contribuído substancialmente para a piora das expectativas. Basta olhar para a evolução dos Relatórios Focus do Banco Central para perceber isso. As instituições financeiras e consultorias têm piorado consideravelmente suas previsões para o futuro. E não sem razão.

Em que pese a aparente melhora das contas públicas neste ano, ela se deveu fundamentalmente ao pior tipo de imposto cobrado da sociedade: o "imposto inflacionário". Se a arrecadação cresceu por causa do aumento de preços, penalizando principalmente as camadas mais pobres da população, a contenção dos gastos públicos realizada até agora não será sustentável neste ambiente.

Primeiro porque os funcionários públicos certamente pressionarão para ter algum tipo de recomposição salarial. Segundo por causa da demanda social legítima por mais auxílio financeiro e gastos públicos, em um ambiente de taxa de desemprego próxima a 15%. E se lembrarmos que no próximo ano haverá eleições, é quase impossível que essas pautas não sejam levadas à frente.

Fato é que não existe almoço grátis. Sancionar essas demandas sem realizar um ajuste das contas públicas em paralelo será um suicídio programado, ou seja, apenas uma forma de retroalimentar o processo de inflação em curso e de tornar ainda mais nebuloso o cenário econômico futuro. E por óbvio, nessas condições, não haverá retomada dos investimentos e do crescimento econômico.

A pauta para resolver este problema é conhecida pela maioria dos economistas. Ela deve passar por um choque de gestão no setor público, uma verdadeira reforma administrativa e uma "revolução tributária', que seja capaz de tornar o nosso sistema mais justo e eficiente, gerando incentivos para elevar o nível de investimento no país, com consequente aumento da arrecadação.

Mas colocá-la em prática é aparentemente esperar demais de Bolsonaro, que só tem confirmado na Presidência o que sempre foi. Um ser político corporativista, que defende pautas conservadoras e que pouco interesse tem pelo que importa ao país. Fato é que ele tem sido o principal entrave ao seu próprio governo, criando todo tipo de conflito e dificuldade, que só se revertem contra si.

Pior ainda, nosso presidente parece viver um eterno "Dia da Marmota" (tema do filme Feitiço do Tempo, de 2003), acordando toda manhã com a oportunidade de fazer algo diferente e correto. Só que apesar disso, ele insiste nos mesmos erros, arrastando para seu buraco todo um país.

Em vez de priorizar a pauta econômica neste momento, que é a única que poderia, dentro da democracia, salvá-lo do buraco em que se meteu, ele prefere insistir no conflito e esticar a corda, dando, inclusive, argumentos técnicos para o próprio impeachment; talvez por saber que seu impedimento dependeria ainda do que denominam "conveniência e oportunidade políticas".

Na realidade, Bolsonaro só insiste na sua aposta por acreditar que está blindado. Com apoio do Centrão e, principalmente, do presidente da Câmara dos Deputados, que é o responsável por decidir sobre o andamento de processos de impeachment no Congresso, ele se sente seguro. E vendo o pronunciamento recente de Arthur Lira, aparentemente o presidente está correto, ao menos no curto prazo.

Entretanto, essa estratégia não garante que, com a aproximação das eleições, ele mantenha o apoio do Centrão. Muito menos que seu governo consiga caminhar com um mínimo necessário no Congresso para que ele tenha alguma chance de reeleição. Ao contrário, as perspectivas para ele são as piores possíveis.

O problema, entretanto, é que o imbróglio criado por Bolsonaro só amplia as incertezas sobre o futuro, inibindo investimentos e a recuperação econômica. E essa conta, a ser paga por toda a sociedade, será bem cara, ainda mais com o Centrão dentro do governo.