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Edital de 5G traz aspectos que deveriam ser discutidos no orçamento público

Em coautoria com Leandro Vilela, economista e advogado especializado em telecomunicações.

24/09/2021 04h00

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Um dos temas mais comentados no setor de telecomunicações atualmente é o leilão do 5G, que envolve a licitação das faixas de frequência 700MHz, 2,3GHz, 3,5GHz e 26GHz.

Ainda que o impacto inicial para as pessoas em geral seja somente um aumento na velocidade de acesso, os maiores benefícios da nova tecnologia serão percebidos no médio prazo a partir do desenvolvimento de aplicações que aproveitarão a baixa latência e a alta velocidade destas redes, tais como a telemedicina e o uso de carros autônomos.

Atualmente o Edital está em fase final de deliberação pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), após determinações e recomendações apresentadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Mais precisamente, na reunião extraordinária da Anatel ocorrida no último dia 13/09, o Conselheiro Relator, Emmanoel Campelo, propôs ajustes na versão preliminar aprovada anteriormente pelo Conselho Diretor da Agência. Entretanto, houve pedido de vistas pelo Conselheiro Moisés Moreira.

Fato é que alguns pontos sensíveis já foram definidos pela Anatel, contrariando o posicionamento técnico das empresas do setor apresentado durante a Consulta Pública ocorrida no primeiro trimestre de 2020, como, por exemplo, a possibilidade de melhor segmentação para a faixa de 3,5GHz.

Para além desse aspecto, há outros que podem inibir a entrada de novos players no mercado, trazer insegurança sobre investimentos futuros que deverão ser realizados e implicar lances inferiores ao que seria possível de se obter no leilão.

Por exemplo, foram introduzidas duas obrigações na faixa de 3,5GHz que não parecem ter relação efetiva com a prestação do serviço: (i) a criação de uma Rede Privativa de Comunicação da Administração Pública Federal e (ii) o Programa Amazônia Integrada e Sustentável (PAIS).

Em nossa visão, além de elevar os custos dos players do setor, o Edital não seria o caminho correto para colocar em prática essas obrigações, uma vez que não passou por uma ampla discussão sobre as reais preferências da sociedade para o setor. Aliás, problema semelhante também foi apontado por uma das unidades técnicas do TCU, (a SeinfraCOM) em documento intitulado "Fiscalização da licitação de frequências do 5G", de Agosto/21".

Segundo a SeinfraCOM, a Rede Privativa de Comunicação da Administração Pública Federal seria uma atividade meio, devendo ser contratada via licitação pública em separado. Já o PAIS, na visão da unidade técnica do TCU, não seria um compromisso compatível com o Edital, pois seria a aquisição de um bem público por parte do Ministério das Comunicações e não uma obrigação usual, na qual as empresas teriam a obrigação de construir uma rede para o atendimento da população em geral.

A despeito da análise empreendida pela SeinfraCOM, a decisão dos Conselheiros do TCU foi no sentido de manter essas obrigações. Na reunião do último dia 13/09, o Conselheiro Relator da Anatel também não tratou deste assunto, indicando que a agência deverá manter tais contrapartidas, onerando os participantes do Edital, com possíveis efeitos sobre os preços para os consumidores finais do setor.

Uma outra questão controversa é a imposição de obrigação de conectividade para as escolas públicas de educação básica. A questão aqui não se refere à relevância do compromisso, mas sim à forma como ele deverá ser implementado. Em princípio, o financiamento deste processo será proveniente da arrecadação com o leilão da faixa de 26GHz.

Entretanto, a responsável por sua implementação será a Entidade Administradora da Faixa de 3,5 GHz (EAF), cuja finalidade previamente definida seria fazer a gestão da liberação dessa faixa, que hoje é parcialmente utilizada pelas operadoras de satélite. Mas com o novo texto do Edital, essa entidade terá dupla função.

Assim, as vencedoras dos lotes da faixa de 26GHz deverão aportar 90% do valor pago por essa faixa para a EAF, sendo que esta será a responsável por garantir a conectividade das escolas. Entretanto, se essa arrecadação não for suficiente, remanesce a obrigação para a EAF, cujo aporte adicional deverá ser realizado pelas empresas vencedoras da faixa de 3,5 GHz.

Ou seja, não há, em princípio, qualquer limitação acerca dos valores máximos a serem despendidos pelas vencedoras de 3,5GHz, o que implica incertezas sobre os investimentos futuros que deverão ser realizados por essas empresas. Novamente aqui poderemos ter no futuro mais uma conta a ser paga pelo consumidor final.

Por fim, vale lembrar ainda que a previsão inicial era a que o Edital fosse publicado em julho deste ano. Ao passar para setembro, na melhor das hipóteses, e manter as datas inicialmente previstas para cumprir as obrigações, introduziu-se um desafio adicional.

Será muito difícil, por exemplo, atender as metas de cobertura de 5G para as capitais até julho/2022, conforme previsto inicialmente, sem que isso resulte em um custo excessivo, inclusive de transação no processo de limpeza da faixa hoje ocupada por empresas de satélite.

Conforme afirmado por todos do setor, inclusive por autoridades do Governo Federal e pela própria Anatel, o 5G representará uma verdadeira revolução para toda a sociedade, podendo levar o país a um novo patamar. Exatamente por isso é que o Edital deveria ser capaz de mitigar ao máximo todas as possíveis incertezas, com obrigações adequadamente definidas e limitadas.