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Banco Central vive dilema de controlar inflação ou fomentar o pleno emprego

29/10/2021 04h00

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Em artigo de novembro de 2020, expus minha preocupação sobre o duplo mandato de controlar a inflação e fomentar emprego contido no projeto de lei de autonomia do Banco Central. Quase um ano depois, minha preocupação parece fazer ainda mais sentido.

É fato que estamos vivenciando um momento muito complicado na economia, agravado ainda pelos resquícios do final da pandemia. Com inflação e o desemprego em alta, este é obviamente o pior cenário que qualquer gestor público tem que enfrentar e só coloca mais pressão política para que decisões que revertam este quadro sejam tomadas de qualquer forma.

A grande questão, entretanto, é que decisões precipitadas e equivocadas podem piorar a situação vivenciada. Por isso é fundamental entender as causas dos problemas, para assim adotar as medidas corretas na dose certa. E é aí que a missão do Banco Central atual torna-se algo um tanto quanto hercúlea.

De um lado, a inflação atual traz componentes associados a choques de oferta, alguns advindos do exterior. A desorganização das cadeias produtivas no mundo, a alta do preço dos combustíveis no mercado internacional, a maior demanda por commodities que exportamos e até a crise hídrica atual, são alguns exemplos de variáveis econômicas que afetam a inflação, mas que não estão no alcance do Banco Central.

Mas de outro, há fatores que sugerem que a instituição deva atuar para exercer seu papel de "guardião da moeda". Um deles está relacionado ao próprio impacto das elevações de custos (lado da oferta) sobre os demais preços da economia. O que temos observado é que a inflação tem se espalhado fortemente por todos os setores, inclusive pelo fato de a nossa economia ser ainda bastante indexada.

Se somarmos a tudo isso as expectativas negativas formadas a partir do descontrole fiscal (que tem, inclusive, impacto sobre a demanda agregada) e a forte depreciação cambial que ainda estamos vivenciando, fica claro o quão difícil será a missão do Banco Central nos próximos anos.

No fundo, o Banco Central tem dois instrumentos para trazer a inflação para o centro da meta definida. O primeiro é o cambial e visa evitar flutuações abruptas momentâneas no câmbio, de forma que os preços internos não sejam afetados por momentos de desconfianças ou especulações. E isso é feito tanto no mercado à vista como por meio de swaps cambiais (uma espécie de seguro para quem tem passivo em moeda estrangeira).

Note-se, entretanto, que em um regime de câmbio flutuante como o nosso, quem define o valor da moeda estrangeira é o mercado, cabendo apenas ao Banco Central entrar para evitar fortes flutuações momentâneas. Não por outra razão que, dadas as fortes expectativas negativas para o país, a trajetória do nosso câmbio tem sido de forte depreciação da nossa moeda, com consequente impacto sobre a inflação.

O segundo instrumento de que o Banco Central dispõe para controlar a inflação é a política monetária propriamente dita. Neste caso, mecanismos como exigências de mais depósitos compulsórios por parte das instituições financeiras e, principalmente, elevação da taxa de juros primárias, são mecanismos que limitam e desestimulam o crédito e reduzem a demanda na economia.

E é isso que o Banco Central tem feito. Depois de várias rodadas de aumento, a taxa Selic foi elevada mais uma vez na última quarta-feira para 7,75%, havendo expectativas de novos aumentos nos próximos meses. Podemos até questionar se não teria sido melhor elevá-la para um patamar ainda maior de uma vez, para trazer a inflação para o centro da meta mais rapidamente, mas aí devemos nos lembrar de três aspectos.

O primeiro é que taxas de juros mais elevadas inibem investimento, consumo e, consequentemente, geram impacto negativo sobre o mercado de trabalho. Nesse sentido, é possível que o Banco Central esteja sendo gradualista, observando também seu novo mandato de fomentar o pleno emprego.

O segundo é que, apesar de a nossa economia ser indexada, não sabemos ainda até onde vai a pressão derivada do lado da oferta (inflação de custos) e quanto disso ainda será repassado aos demais preços na nossa economia, dada a crise econômica que já vivenciamos. Nesse sentido, o gradualismo pode ser a melhor estratégia a ser adotada em um ambiente como este.

E o terceiro, e mais importante, é que, a não ser que a política monetária tenha ajuda da política fiscal, continuar a elevar juros será o mesmo que enxugar gelo, além de criar como efeito secundário o aumento da dívida e do déficit público ao longo do tempo. E para que isso seja evitado, é necessário que nossos políticos se comprometam firmemente com a responsabilidade fiscal, ao contrário do que têm feito até então.

Sem que isso aconteça, os diretores do Banco Central vivenciarão uma sensação de um piloto que tem que fazer um avião decolar com duas turbinas, mas com o reverso de uma delas fechado. Neste contexto, enquanto um motor (política monetária) cria um vetor de subida para a aeronave, o outro (política fiscal) cria um vetor de descida, desestabilizando o avião e dificultando o trabalho do piloto.

No limite, se as coisas continuarem da maneira como estão sendo conduzidas em Brasília, poderemos chegar a uma situação denominada pelos economistas de dominância fiscal, na qual a política monetária (motor voltado para a subida) perde por completo sua eficiência, e o rumo da economia passa a ser ditado pelo lado fiscal (motor que joga o avião para baixo).

Neste cenário, torna-se impossível controlar inflação e dívida pública, o que certamente pode levar a economia (o avião) a um desastre completo, com todo custo social associado.