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Por que o Banco Central se preocupa tanto com as previsões de inflação?

11/12/2021 04h00

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Nessa última quarta-feira, o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu elevar a taxa básica de juros (Selic) em 1,5 ponto percentual, chegando agora a 9,25% ao ano. Em comunicado ao mercado, ficou claro que essa decisão se baseia na preocupação do Copom com a "desancoragem das expectativas inflacionárias para prazos mais longos".

Aliás, isso não é nenhuma surpresa, dadas as declarações na última semana do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos, e do Diretor de Política Econômica, Fabio Kanczuk, que, além de externarem essa preocupação, deixaram claro que pretendiam reagir a essa tendência.

Em verdade, quando olhamos para o Boletim Focus do Banco Central, percebemos que o humor do mercado tem piorado sensivelmente e que as previsões para a inflação futura têm se elevado gradativamente desde março, chegando atualmente a 10,18% para 2021 e 5,02% para 2022. Atualmente, a inflação oficial anualizada já está em 10,74%.

E isso gera um impacto direto sobre a condução da política monetária, principalmente para um país que adota um regime de metas de inflação, como é o nosso caso. Há que se lembrar que este regime, que veio em 1999 em substituição à ancora cambial (controle da taxa de câmbio), determina que o Banco Central persiga uma meta pré-estabelecida.

No caso, essa meta era de 3,75%, com intervalo de 1,5% para mais ou para menos em 2021 e 3,5% com o mesmo intervalo para 2022. Ou seja, já estouramos a meta em 2021 e poderemos trilhar o mesmo caminho em 2022. Se nada for feito, o BC perderá sua credibilidade e sua capacidade de conduzir a política monetária e debelar a inflação futura.

É verdade que muito do que estamos observando deriva de choques de oferta (elevação do preço internacional do barril de petróleo, crise hídrica, desorganização de algumas cadeias produtivas e elevação da demanda por produtos primários brasileiros, etc.). Mas não é só isso. Os mecanismos de transmissão (inclusive de indexação) têm feito com que essas elevações se espalhem pela grande maioria dos preços da economia.

Ademais, como o próprio BC já reconheceu em seu último comunicado, há também outros fatores que têm pressionado a demanda agregada. Em particular, o excesso de gastos públicos tem indicado que a irresponsabilidade fiscal do governo e do Congresso está cobrando sua conta da sociedade.

Mais do que isso, a instituição tem alertado implicitamente para o papel que as expectativas com relação à condução da política fiscal exercem sobre o câmbio e, por consequência, sobre a inflação. E, novamente, falas e atitudes políticas desencontradas e irresponsáveis estão criando um círculo vicioso que só pioram o ambiente econômico e criam mais volatilidade sobre o câmbio.

Não por outra razão, o BC tem sido obrigado a interferir tanto no mercado à vista de moeda estrangeira como prover contratos de swap cambial (espécie de seguro para desvalorização do real), com o objetivo de minimizar as fortes flutuações associadas à incerteza vivenciada na economia.

De toda forma, o fato é que para ancorar novamente as expectativas inflacionárias do mercado (trazê-las para o centro da meta de 3,5% no próximo ano), o BC tem sido obrigado a elevar as taxas de juros. É somente com esse instrumento que a instituição conseguirá atuar consistentemente sobre variáveis que pressionam a inflação (crédito, câmbio, etc.), inclusive sobre as expectativas inflacionárias, ponto focal do regime de metas.

Por óbvio essa decisão envolve um custo de curto prazo não desprezível associado à redução do ritmo da economia nacional. No limite poderemos até mesmo caminhar para uma recessão, com uma elevação ainda maior da taxa de desemprego e todos os males que ela traz. Só que a alternativa do BC de não fazer nada seria ainda pior e com efeitos de mais longo prazo.

Taxas de inflação elevadas e voláteis criam distorções em toda a economia e elevam a percepção de riscos, impactando negativamente a decisão de investimentos na economia. Em última instância, tais distorções reduzem o horizonte de planejamento das famílias, empresas e do próprio governo, deteriorando a confiança dos empresários.

Ademais, a inflação elevada reduz o poder de compra dos salários e das transferências governamentais (como o próprio Auxílio Brasil), com repercussão negativa sobre a confiança dos agentes econômicos e sobre o consumo das famílias.

E isso sem falar do efeito redistributivo regressivo que provoca. Devemos lembrar que as camadas menos favorecidas da população têm menos acesso a instrumentos que as protejam da perda do poder de compra da moeda. Por mais que tenhamos evoluído, a universalização bancária ainda é limitada no país.

Finalmente devemos lembrar que processos inflacionários sempre criam ineficiências associadas a dispersões de preços, reduzindo o valor informacional que essa variável tem para a decisão de alocação eficiente de recursos na economia.

De maneira resumida, taxas de inflação elevadas reduzem o potencial de crescimento da economia, afetam a geração de renda e de empregos, e pioram a distribuição de renda. E para evitar isso, a melhor contribuição que a política monetária pode dar é manter a taxa de inflação baixa, estável e previsível.

No fundo, a questão central que deveria estar sendo debatida hoje não está associada à política monetária, mas sim à política fiscal. Sem que o governo e Congresso se conscientizem dos seus respectivos papéis de criar um ambiente fiscal responsável, não teremos como alterar positivamente as expectativas econômicas e retomar o crescimento econômico de forma sustentável.

E pior ainda, não restará outra alternativa ao Banco Central a não ser manter a taxa de juros elevada, pois, do contrário, poderemos entrar em uma espiral de estagflação (inflação com recessão) interminável, que sempre atingirá de maneira mais forte as camadas mais necessitadas da população.