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TST vai inviabilizar Uber se decidir que motorista tem vínculo empregatício

18/12/2021 04h00

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Nessa última quarta-feira, dia 15, a terceira turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) formou maioria no reconhecimento da existência de vínculo empregatício entre a Uber e seus motoristas, contrariando decisões anteriores de outras turmas que caminharam no sentido contrário.

Os votos recentes a favor da tese do vínculo empregatício são preocupantes na medida em que mostram um total desconhecimento sobre o modelo de negócio da empresa Uber. Se eles prevalecerem, ao contrário de "protegerem os motoristas", gerarão um efeito contrário para eles, além de afetar o conjunto da sociedade.

Para compreender melhor o problema, devemos ter em mente que a Uber é uma empresa que se enquadra no que denominamos de economia compartilhada e que atua como uma plataforma em um ambiente conhecido como mercado de dois lados.

A ideia de economia compartilhada envolve, como o próprio nome diz, o compartilhamento de bens e serviços com o objetivo de redistribuí-los ou permitir seu uso de maneira mais racional, principalmente quando tratamos de recursos ociosos. Em última instância, a proposta é de mudança do paradigma de propriedade para o uso dos bens e serviços.

Em geral, as empresas que compõem esse novo ambiente econômico trazem consigo tecnologias disruptivas e são formadas por plataformas que colocam em contato proprietários de ativos ociosos (carros, veículos, tempo, conhecimento, dinheiro, etc.) com potenciais usuários, cobrando um valor por isso, que pode ser do proprietário, do usuário ou de ambos.

São exemplos a própria Uber, Airbnb, Superprof e Click Babá. Essas empresas prestam um serviço que minimiza a assimetria informacional entre usuários e proprietários, reduzindo o custo de busca para ambos. Tornam, ainda, negócios "escaláveis" e, portanto, viáveis, além de gerarem efeitos socioambientais positivos.

No caso específico da entrada da Uber no Brasil, a empresa abriu uma nova possibilidade de geração de renda para muitas pessoas que estavam desempregadas e criou uma fonte de renda adicional para outras que já recebiam algo. Sem esse aplicativo, o custo de busca de passageiros para os potenciais motoristas seria proibitivo e o "negócio de transporte individual" para eles (motoristas) seria inviável.

Além disso, o novo serviço criou uma fonte de concorrência ao transporte tradicional de táxis, reduzindo preço e induzindo a melhora da qualidade do serviço prestado. E isso foi tão verdade que muitas pessoas deixaram de ter carro porque entenderam que já não compensava mais o elevado custo envolvido, quando comparado com a opção de uso do aplicativo Uber.

Ato contínuo desse processo, houve uma racionalização do uso de veículos, principalmente nas grandes cidades. Menos pessoas passaram a sair de carro porque preferiram utilizar o serviço de aplicativos, o que, por consequência, gerou um efeito positivo sobre o trânsito, quando comparado com a alternativa de não haver motoristas de aplicativos disponíveis.

Obviamente isso também se reflete positivamente sobre o meio ambiente, uma vez que há menos carros rodando e menos congestionamento, o que gera menos poluição.

Podemos até criticar a qualidade do serviço prestado atualmente e discutir a necessidade de regulação específica de segurança ou mesmo ambiental, nos moldes do que vem sendo feito em várias cidades. Também podemos questionar a assimetria regulatória, quando comparada com o serviço de táxis. Mas, neste caso, o mais racional seria reduzir o custo regulatório para taxistas.

Entretanto, tratar o negócio do serviço prestado pela Uber, para os dois lados do mercado (motoristas e passageiros), como uma relação de trabalho entre plataforma e motorista, é o mesmo que inviabilizar esse modelo de negócio e perder todos os benefícios que ele tem gerado para a sociedade.

Vale lembrar que o motorista de Uber tem a escolha de trabalhar no dia e horário que bem entender e aceitar ou não os preços pagos (muitas vezes dinâmicos) para prestar o serviço, ao contrário do trabalhador tradicional, que não tem essa possibilidade.

Mais do que isso, a ideia de compartilhamento implicitamente carrega a lógica de que os potenciais motoristas deveriam apenas aceitar trabalhar se tivessem tempo e carro disponível e quando o resultado obtido cobrisse todos os seus custos, inclusive o de oportunidade de se dedicarem a outra atividade.

Claro que alguém poderia dizer que a situação econômica do país não está fácil para se falar em escolha. Mas não cabe a Uber corrigir um problema crônico de desemprego no país.

Ademais, por mais que as condições e os valores recebidos muitas vezes não sejam o que os motoristas gostariam, o fato de muitos ainda estarem trabalhando indica que a alternativa (por exemplo, de não gerar renda com esse serviço) é bem pior.

E, nesse sentido, se o TST reconhecer o vínculo empregatício, o negócio da Uber como conhecemos muito provavelmente não irá parar de pé, uma vez que elevará substancialmente o custo da empresa, que, na melhor das hipóteses, tentará repassá-lo para os usuários do aplicativo.

O problema é que ao fazer isso, é bem provável que muitos usuários refaçam suas contas e voltem a preferir ter carro ou apenas deixem de usar o serviço. E nesse contexto, a demanda pelo serviço poderá se reduzir a tal ponto que inviabilizará o negócio da Uber, tirando uma fonte de renda que hoje é tão importante para tantos motoristas.