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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O artigo de Guido Mantega reforça que Lula e PT não aprendem com seus erros

Guido Mantega, ministro da Fazenda, concedeu entrevista ao UOL e à Folha em 14.ago.2014. A gravação ocorreu no estúdio do UOL, em Brasília. - Sergio Lima/Folhapress
Guido Mantega, ministro da Fazenda, concedeu entrevista ao UOL e à Folha em 14.ago.2014. A gravação ocorreu no estúdio do UOL, em Brasília. Imagem: Sergio Lima/Folhapress

13/01/2022 04h00

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Na última semana, a Folha de São Paulo convidou os principais partidos a escreverem um artigo sobre suas respectivas propostas econômicas para as próximas eleições. Guido Mantega foi o escalado pelo ex-presidente Lula para escrever um texto divulgando as ideias econômicas que nortearão o futuro governo Lula.

Nada mais justo que essa tarefa fosse delegada a Mantega. Afinal, ele foi ministro do Planejamento (2003-2004), presidente do BNDES (2004-2006) e ministro da Fazenda (2006 a 2014), ou seja, é um legítimo representante do PT, tendo uma longa ficha de serviços prestadas ao partido.

Mas indo direto ao texto, o que me chamou a atenção é que ele repete a mesma linha de um outro anterior divulgado em dezembro de 2020, intitulado "Mais uma década perdida", cujo conteúdo aparenta demonstrar uma profunda amnésia econômica sobre os fatos dos quais participou.

Aliás, também escrevi um artigo na mesma época relembrando fatos que contaram com a participação de Mantega e que levaram à crise econômica e política do início da década passada, que culminou no impeachment da então presidente Dilma Rousseff.

Fato é que o atual texto do escalado por Lula deixa claro que devemos esquecer o "Lulinha paz e amor" e a "Carta ao Povo Brasileiro" de 2002, escrita em sua primeira eleição. Na realidade, essa carta foi uma jogada de mestre de Antonio Palocci, então Coordenador da Campanha eleitoral do PT, que procurou tornar Lula e o partido mais palatáveis ao mercado, com a promessa de estabilidade institucional e econômica.

Mais do que isso, Palocci, quando ministro da Fazenda, levou para dentro do governo um time técnico de primeiro nível e, com o apoio de uma equipe muito competente do Ministério da Justiça, conseguiu preservar e ampliar o esforço de ajuste fiscal que já vinha sendo feito e prosseguir com algumas reformas microeconômicas fundamentais para o país.

O mérito dessa equipe é inquestionável, tanto por reconhecer e preservar os avanços que já haviam sido obtidos desde o plano real - inclusive com a recém aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000) e com a instituição do regime de Metas de Inflação - como por conseguir segurar a ânsia gastadora e intervencionista das alas mais radicais do PT.

No fundo, foi o trabalho desse time que, em conjunto com a "herança bendita" do governo FHC (apesar dos vários erros que também foram cometidos) e com o boom de commodities no início do século, propiciaram o processo de crescimento econômico sustentável até 2008 e as políticas de distribuição de renda continuadas e ampliadas durante o governo Lula.

Entretanto, com a substituição de Palocci por Mantega no Ministério da Fazenda em 2006 e, principalmente, com a saída do Secretário de Política Econômica, Bernard Appy, em 2008, a racionalidade econômica foi deixada de lado e o governo Lula passou a ter a cara das alas mais radicais do PT.

E é exatamente essa cara que aparece no último texto de Guido Mantega e nas próprias falas do candidato Lula e da presidente do PT, Gleisi Hoffmann. O conjunto da obra mostra, por exemplo, um total descompromisso com a responsabilidade fiscal, principal causa da inflação continuada no país. Não há milagres. Sem que tenhamos uma trajetória controlada da relação Dívida/PIB, não sairemos nunca da crise econômica atual.

A ideia de baixar juros a fórceps sem um ajuste fiscal adequado, a exemplo do ocorrido durante o governo Dilma, também só reforçará o processo inflacionário que estamos vivenciando no governo Bolsonaro.

No atual contexto, propor mais investimento público só seria possível com um forte corte de despesas correntes ineficientes ou com a elevação da carga tributária. Ou seja, seriam necessárias reformas estruturais (como a administrativa), às quais o PT se mostra refratário ou criar mais impostos, que implicaria trocar gasto privado por público, sendo que os últimos tendem a ser naturalmente muito mais ineficientes.

E por falar em ineficiência, a proposta de "revogar" a reforma trabalhista, insistir em políticas industriais nos moldes petistas (que só fizeram distribuir renda de maneira regressiva) e revisar privatizações, além da ideia do controle de preços de combustíveis, só introduzirão novas distorções na economia e afastarão investimentos do país.

Aliás, no capítulo reestatização (ou "não privatização"), vale lembrar ainda que os maiores escândalos de corrupção aconteceram exatamente dentro de empresas públicas ou de capital misto durante os governos do PT. E corrupção, além de acabar com as instituições, como temos assistido no país, afasta bons investimentos (de empresas sérias) e reduz o potencial de crescimento econômico.

Neste contexto, lembrar do candidato Lula sem lembrar de Dilma é um erro porque foi em seu governo que as decisões equivocadas, que nos levaram à crise econômica iniciada na última década, começaram a ser tomadas; sem falar que Dilma é cria de Lula, tendo sido inclusive sua chefe na Casa Civil.

Lembrar de Lula sem lembrar de Mensalão e de Petrolão é esquecer que as estatais foram o epicentro de toda a corrupção vivenciada nas duas últimas décadas, como "nunca antes na história desse país".

Lembrar de Lula sem lembrar do aparelhamento de agências reguladoras, inclusive no caso de interferência direta da troca de presidente da Anatel, é deixar de considerar a importância das instituições para o crescimento de um país.

Lembrar de Lula sem lembrar das constantes tentativas de implementar o "controle social da mídia" é ignorar a importância do papel da imprensa como um dos contrapesos ao abuso do Estado, além dos valores democráticos que garantiram o desenvolvimento econômico da grande maioria dos países desenvolvidos.

De toda forma, se o candidato Lula vencer as próximas eleições, conforme indicam todas as pesquisas, ele descobrirá o que é verdadeiramente uma "herança maldita", deixada não só por erros cometidos durante o governo Bolsonaro, mas também pelos resquícios das sucessivas decisões equivocadas dos governos petistas a partir de 2008.

E aí, a realidade será totalmente distinta do seu primeiro mandato. Resta saber se ele "cairá na real" e incorrerá no ônus político de fazer o que deve ser feito para evitar o aprofundamento da crise no país ou, a exemplo de seus colegas Alberto Fernández e Nicolás Maduro, trilhará o caminho do populismo econômico, que tem destruído gradativamente Argentina e Venezuela.