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O que deu errado no aeroporto do Galeão para ser devolvido?

Vista parcial do Aeroporto Internacional Antonio Carlos Jobim, o Galeão - Marcos Arcoverde/ Estadão Conteúdo
Vista parcial do Aeroporto Internacional Antonio Carlos Jobim, o Galeão Imagem: Marcos Arcoverde/ Estadão Conteúdo

25/02/2022 04h00

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No último dia 1º de fevereiro, a Concessionária RIO galeão divulgou que apresentou pedido para que o governo federal faça nova licitação do Aeroporto Internacional Tom Jobim. Na prática, isso indica que a Concessionária está formalmente desistindo de operar esse aeroporto.

Com essa decisão, iniciou-se uma troca de farpas entre autoridades públicas. De um lado, um grupo de políticos cariocas acusa o governo federal de ser o responsável pela devolução, na medida em que resolveu privatizar o aeroporto Santos Dumont, gerando concorrência futura ao Galeão.

De outro, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, atribui a desistência da Concessionária à situação caótica vivenciada no Rio de Janeiro, tanto no que diz respeito à economia como à segurança.

Na realidade, esse é mais um caso típico de que "em casa que falta pão, todos brigam e ninguém tem razão". E para compreender o que está ocorrendo, devemos revisitar o modelo de leilão do qual fez parte o Galeão e avaliar as possíveis fontes de receitas de um aeroporto.

Na segunda e terceira rodadas de concessões de aeroportos (que envolveu Guarulhos, Campinas, Brasília, Confins e Galeão), a modelagem levou em consideração a possibilidade de concorrência entre todos esses aeroportos, tendo por objetivo reduzir gradativamente a atuação do Estado sobre os preços praticados nesse mercado.

Esse modelo, que estaria baseado em larga medida na experiência australiana, teria supostamente por objetivo ainda induzir ao longo do tempo um processo mais cooperativo entre as empresas e usuários que fazem uso de cada aeroporto, elevando a eficiência desse ativo e estimulando investimentos na medida da real necessidade de expansão.

Entretanto, no edital de licitação desses aeroportos, foram introduzidos dois jabutis. O primeiro foi a permanência da Infraero como participante de cada um desses aeroportos, o que reduzia os incentivos para a concorrência entre eles.

Já o segundo, parte dos problemas hoje vivenciados, foi a obrigação prévia de investimentos elevados, tendo por presunção um crescimento de demanda que, por óbvio, não se realizaria, dadas as condições macroeconômicas que já se vislumbravam na época.

Na realidade, a prioridade do modelo, baseado em forte ampliação da estrutura já existente, atendia muito mais aos interesses das empreiteiras do que propriamente dos operadores portuários e de seus usuários, elevando substancialmente o custo fixo da concessão, inclusive com a injeção de dinheiro público do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

De certa maneira, os elevados ágios pagos pelas outorgas nessas concessões podem também ter sido resultado das expectativas que as empreiteiras formaram a partir dos ganhos que poderiam ter com as obras. Fato é que um dos problemas do Galeão, a exemplo de outros aeroportos, é exatamente a dificuldade de se pagar a outorga, dado o nível de demanda vigente.

Neste contexto, a alegação de possível "concorrência predatória" por parte do Santos Dumont não se sustenta, mesmo porque não há qualquer indício de que o Santos Dumont esteja roubando passageiros do Galeão. Mas mesmo que o fosse, no mundo todo, cada vez mais há competição entre aeroportos nas várias dimensões nas quais prestam serviços.

E ela ocorre por servir o mercado local de passageiros, pelo transporte de carga, por conexão de tráfego (entre hubs), pelo destino (para turismos, convenções de negócios, etc.), por contratos com empresas aéreas, por serviços não aeronáuticos (estacionamento, manutenção) e, inclusive, com outros modais de transportes (principalmente trens de alta velocidade).

No caso do Galeão, a Concessionária tem perdido a concorrência por conexões não só com São Paulo (Guarulhos), mas também pela formação de novos hubs, inclusive no Nordeste. Pelo transporte de cargas, o aeroporto de Cabo Frio tem-se tornado um forte competidor, principalmente por estar mais próximo de áreas petrolíferas.

Como destino turístico, a cidade do Rio também não tem ajudado. Problemas de segurança e até mesmo a qualidade dos serviços que oferecem (algo reconhecido inclusive pela quase totalidade dos cariocas com que já falei) têm levado menos turistas para a Cidade Maravilhosa do que seu real potencial.

Também há o problema da economia carioca, muito concentrada e dependente do petróleo, e cujas instituições não têm ajudado em nada na atração de novos investimentos. Vide decisão da Linha Amarela e constantes casos de corrupção que envolveram sucessivos governos, Alerj e o próprio Tribunal de Contas do Estado (TCE) do Rio de Janeiro, além de decisões populistas de todos os tipos.

Há também o problema do acesso ao aeroporto do Galeão, que, além de não ser fácil, acaba sendo realizado por uma das vias mais complicadas da cidade em termos de tráfego e de segurança, a Linha Vermelha.

Além do mais, com a forte crise econômica que vivemos desde o governo Dilma Rousseff e a pandemia ainda em curso, temos um conjunto de ingredientes que tornam extremamente difícil rentabilizar um aeroporto como o Galeão, mesmo para um operador eficiente como a Changi Airport International (CAI).

Fato é que há dois caminhos alternativos a serem seguidos a partir de agora. O primeiro é leiloar o Galeão junto com o Santos Dumont, o que implicará abrir mão do modelo de competição entre aeroportos localizados na mesma cidade.

O segundo seria o Rio fazer sua lição de casa nos aspectos institucional, econômico e de segurança pública. Neste caso, com a demanda crescendo naturalmente, o leilão em separado poderia ser uma boa alternativa, induzindo ambos os aeroportos a competirem e buscarem fontes de receitas adicionais no lado não aeronáutico (como estacionamentos, aluguel de espaço, construção e administração de shopping, etc.).

Aliás, vale lembrar que há vários casos de aeroportos pelo mundo nos quais a maior parte das receitas vem do lado não aeronáutico, o que mostra que não é só a demanda por voos que garante a rentabilidade do negócio. Mas, pelo que tudo indica, o atual governo federal não acredita nesse segundo caminho e já decidiu leiloar os dois aeroportos em conjunto.