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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ao ameaçar postos de gasolina, Procons correm risco de cometer injustiça

Petróleo, cotação, barril, royalties, óleo, economia, preços, catações, commodity, commodities  - iStock
Petróleo, cotação, barril, royalties, óleo, economia, preços, catações, commodity, commodities
Imagem: iStock

19/03/2022 04h00

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Nos últimos dias, temos visto uma série de Procons pelo país fazerem ameaças veladas a postos de combustíveis que aumentarem os preços nas bombas. O argumento estaria em uma "suposta figura jurídica" denominada aumento abusivo de preços.

Quero crer que esse movimento reflita apenas uma "ignorância", no sentido estrito da palavra desconhecimento, e não mais uma onda de "populismo consumerista" em ano eleitoral, conforme já ouvi por aí. Com base nisso, gostaria de trazer alguns pontos para reflexão de todos.

A Lei de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078 de 1990), em seu artigo 39, combinado com o inciso X, estabelece que "é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas, elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços".

O grande problema dessa determinação legal é que, além de isoladamente a interpretação de "sem justa causa" não fazer o mínimo sentido econômico, essa expressão abre espaço para todo e qualquer tipo de discricionariedade pelo poder público.

Para quem já estudou o básico de economia, sabe que os preços nos mercados são formados a partir da interação entre ofertantes de um lado (empresas) e demandantes do outro (consumidores). Dito de outra forma, é a interação entre oferta e demanda que define os preços e quantidades negociadas de equilíbrio.

Vale lembrar que os preços e as quantidades de equilíbrio podem variar constantemente, a depender do mercado de que tratamos (como, por exemplo, o mercado acionário ou o de commodities). A questão é então entender o que determina essa flutuação. Na prática, essa resposta não é trivial e pode estar associada a dois tipos de comportamento.

O primeiro deles é o natural de mercados. Por exemplo, elevações de custos das empresas e choques de oferta (tal como quebra de safras agrícolas) levam a uma redução da quantidade de bens e serviços ofertados para os consumidores e, dado o nível de demanda vigente, a consequente elevação de preços.

No caso particular do mercado aqui tratado, a restrição à venda de petróleo russo no mundo e os problemas associados aos custos de logísticas e de seguro de transporte justificam as elevações do preço do petróleo no mercado internacional pelo lado da oferta.

Essa elevação, por sua vez, entra como um componente de custo para os postos de combustíveis, em conjunto com outros incorridos por esses empresários (que também têm subido por conta do processo inflacionário vigente). De toda forma, esse é só um lado da história: o da oferta.

Existe ainda uma infinidade de variáveis pelo lado da demanda que podem justificar aumento de preços. Variações de renda, disponibilidade de crédito, transferências governamentais e elevações de impostos sobre o consumo são só alguns poucos exemplos que afetam a decisão de compra do consumidor.

E isso coloca um problema para qualquer um que queira fazer uma afirmação de que determinado empresário elevou abusivamente o preço. Avaliar todas essas dimensões dos dois lados (oferta e demanda), principalmente em mercados competitivos, é definitivamente uma tarefa inglória.

No fundo, o que os Procons têm é, no máximo, acesso a algumas variáveis de oferta, como eventuais planilhas de custos de empresas. E mesmo essas, muitas vezes dão uma ideia errada sobre os custos envolvidos na operação de venda de combustível, principalmente os custos de oportunidade desses empresários.

Nesse sentido, qualquer conclusão dos Procons sobre eventuais preços abusivos praticados nos mercados é, por definição, arbitrária e sem qualquer base técnica completa. Note-se, ainda, que, para se afirmar que determinado empresário elevou abusivamente o preço, os Procons deveriam dizer o que não seria aumento abusivo; e isso implica regular as margens dos postos, algo que foge da competência desses órgãos.

Aliás, mais do que isso, tal atitude contraria frontalmente o inciso III do Artigo 3º da Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874 de 2019), que determina que é direito do empresário "definir livremente, em mercados não regulados, o preço de produtos e de serviços como consequência de alterações da oferta e da demanda", como é o próprio caso do mercado de revenda de combustíveis.

Na realidade, o foco de análise do Estado deveria, no máximo, restringir-se ao segundo tipo de comportamento: ao do empresário, e dentro da esfera da defesa da concorrência. Em particular, o que se poderia cogitar avaliar é se os donos de postos, em cidades específicas, atuaram de maneira coordenada, formando um cartel para elevar e convergir nos preços praticados.

Em que pese o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) já ter punido vários casos desse tipo, o momento atual não parece indicar que as elevações de preços estejam ligadas a casos de cartéis (comportamento de empresário), mas sim ao comportamento natural do mercado, dado o ambiente econômico incerto, que tem afetado principalmente o lado da oferta.

Sendo mais claro, o que alguns Procons precisam compreender é que variações de preços são a consequência de algo, e não a causa em si mesma. Mais do que isso, há que se entender que olhar apenas para planilhas de custos não diz absolutamente nada sobre o que de fato ocorre nos mercados, além de poder induzir a punições descabidas e injustas.