IPCA
0,83 Mar.2024
Topo

Cleveland Prates

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Regra fiscal discutida no Ministério da Economia será bomba-relógio armada

PIB, gráfico, economia - Getty Images
PIB, gráfico, economia Imagem: Getty Images

Em coautoria com Marcelo Guterman, engenheiro de formação e professor de finanças do CFA Society Brasil

13/08/2022 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Na última semana, foi divulgada a notícia de que existiria uma discussão dentro do Ministério da Economia sobre a implementação de uma nova âncora fiscal. A ideia seria definir um modelo de bandas de flutuação ao redor de uma meta previamente estabelecida para a relação dívida/PIB.

Em última instância, essa proposta teria por objetivo conter a evolução da dívida pública e recuperar a credibilidade perdida depois de o teto dos gastos ter passado por vários remendos nos últimos anos. A grande questão é se um modelo como este realmente funcionaria.

Por um lado, é claro que estabelecer uma meta que vise controlar o tamanho da dívida pública é algo que agrada ao mercado, além de ser salutar para a própria economia. Em particular, para os credores, tanto faz como se chega em uma dívida controlada, desde que ela seja de fato controlada. Nesse sentido, o teto de gastos, então vigente, era uma maneira de se chegar a isso.

Em tese, a nova regra proposta seria mais vantajosa, na medida em que dá maior flexibilidade ao gestor público na condução da política fiscal. Afinal, limitar a dívida por meio da redução dos gastos é apenas um de três instrumentos disponíveis para atingir esse objetivo. Os outros dois são a elevação das receitas correntes e o aumento das receitas extraordinárias, via venda de ativos.

Assim, a meta poderia ser alcançada combinando-se vários instrumentos e não apenas um, livrando o governo da camisa-de-força representada pelo teto de gastos. Só que a questão não é tão simples quanto parece, na medida em que envolve um aspecto matemático de controle não trivial.

A nova proposta de controle do nível da dívida traz no seu bojo uma política pró-cíclica, que implica apertar o "torniquete" quando mais o país precisar de investimentos. Devemos lembrar que a relação dívida/PIB tem o PIB no denominador. Assim, quando o PIB diminui, essa relação aumenta.

Com a redução do PIB, menos impostos são arrecadados, piorando ainda mais a relação dívida/PIB. Neste momento, o governo terá que diminuir seus gastos para reconduzir a relação dívida/PIB à meta estabelecida. Só que isso só aumentará ainda mais a desaceleração da economia que deu início a esse processo.

O antigo teto de gastos, por outro lado, é anticíclico. Por carregar um objetivo nominal (gastos do ano anterior corrigidos pela inflação) em um processo recessivo, os gastos, como proporção do PIB, aumentarão, justamente porque o PIB diminuiu.

Em outras palavras, a regra do teto de gastos ajuda a amenizar os efeitos dos ciclos econômicos, na medida em que permite que se gaste mais em relação ao PIB quando há recessão e, menos, quando a economia está em expansão.

E é exatamente na pró-ciclicalidade da nova proposta em discussão que reside a grande fraqueza da meta para a dívida pública que se pretende adotar. No fundo, estaremos preparando uma bomba-relógio que certamente terá como resultado novas pressões políticas para se "abrir exceções" à nova regra quando a "vaca da economia estiver indo para o brejo" no futuro.

Talvez por isso os técnicos do Ministério da Economia tenham pensado nas "bandas" de flutuação da dívida. Essas bandas serviriam para absorver choques inesperados que tirariam a relação dívida/PIB da trajetória desejada, a exemplo de como funcionam as metas de inflação. Assim, o governo ainda teria algum espaço de manobra caso houvesse uma recessão "inesperada".

Só que a diferença é que um Banco Central (BC) eficaz começa a agir elevando a taxa de juros imediatamente após entender que a meta (o centro da meta, não a banda superior) está em risco. Para imitar o comportamento do BC no sistema de metas, o Governo Federal deveria cortar gastos imediatamente, após ficar claro que o centro da meta de endividamento estaria comprometido.

Sendo mais claro, no sistema de metas de inflação, a banda não é uma desculpa para deixar a inflação correr solta, uma vez que tende a destruir a credibilidade da autoridade monetária (conforme aconteceu durante a gestão Tombini no BC).

Da mesma forma, a banda da meta de endividamento não deveria servir como uma desculpa para gastar mais "caso haja necessidade", sob pena de jogar mais essa regra na mesma vala comum das demais que já tivemos. Só que, infelizmente, é exatamente isso que acontecerá aqui; basta ver nosso histórico de decisões políticas.

No fundo, a regra do teto de gastos inscrita na Constituição foi a nossa melhor chance de construir credibilidade fiscal: uma regra simples, de fácil entendimento e contracíclica, que poderia ter induzido a uma reforma do orçamento público. Só que, infelizmente, o que ocorreu recentemente foi o contrário: o orçamento público que induziu a uma reforma (na verdade, o fim) do teto dos gastos.

Em verdade, qualquer outro tipo de regra que não resulte em redução de despesas será menos apta a induzir reformas que tornem o Estado brasileiro sustentável no tempo. Se o teto que estava em vigor não deu conta de suportar as pressões políticas, o que dizer de uma regra mais flexível, como a que está sendo proposta?

No fim do dia, o descontrole fiscal continuará pressionando a relação dívida/PIB e, infelizmente, o resultado disso será a continuidade da perda de credibilidade junto aos credores, com a consequente elevação das taxas de juros reais e, o pior, menor crescimento econômico ao longo do tempo e redução da capacidade de geração de emprego. Será que é isso mesmo que queremos?